Direitos das Pessoas com Tea, Tdah e Tod. Aspectos Gerais e Especiais.

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24/06/2024 às 17:56
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DIREITOS DAS PESSOAS COM TEA TDAH E TOD

ASPECTOS GERAIS DA PROTEÇAO E DADOS ESPECÍFICOS

 

Resumo: De modo frequente se tem notícias infelizes de preconceito e barreiras atitudinais a pessoas com esses transtornos, mas a legislação impõe que sejam respeitados já havendo entendimentos legislativos e jurisprudenciais em relação a tanto. Há que se ter em mente que pessoas acometidas por essas condições tem grande dificuldade de se controlar o que traz muitas consequências jurídicas.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR DA FAJ DO GRUPO UNIEDUK DE UNITÁ FACULDADE - COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE. EMBAIXADOR DO DIREITO À SAÚDE DA AGETS – LIDE.

 

O mundo passa por enorme e bem-vindo processo civilizatório, com combate ao preconceito e ideias superadas em prestígio da defesa das pautas contra majoritárias – ideia revisitada sobre a discussão dos direitos das minorias.

Se tem vivenciado um grande avanço no número de casos, com pessoas diagnosticadas com quadros de TEA – transtornos do espectro autista (vários quadros e sintomas que evidenciam a deficiência em alguns graus e níveis), TDAH – transtornos do déficit de atenção e hiperatividade e TOD – transtorno opositor e desafiador. Realidade, aliás que conta que diagnóstico mais facilitado pelo atendimento escolar, permitindo tratamentos prévios.

O presente texto examina, situações em que as pessoas afetadas por estes quadros poderão alegar e obter acesso a um regime jurídico mais operativo, livre de preconceitos na inteireza e certeza de proteção constitucional e normativa.

Há discussão importante no sentido de que se tem buscado de modo mais proativo conferir concretude às normas constitucionais e aqui se lança a ideia da garantia da solidariedade constitucional – que nos termos do artigo 3º e seus consectários CF – o que passa pela ideia de afastamento de ideias que gerem situações de marginalização e exclusão sociais[1].

Tais questões passam pelo crivo da análise da concretude dos direitos constitucionais em favor de grupos não majoritários. Chama-se a atenção, neste particular, dentro da discussão da LBI (Lei Brasileira de Inclusão – Lei nº 13.046/15) para o fato de que o legislador buscou fazer um apanhado da legislação esparsa que protegia pessoas com deficiência, buscando harmonizar o tema no direito brasileiro. Vale lembrar que o Governo brasileiro, havia em 25 de agosto de 2009, firmado o Decreto nº 6.949 promulgando no direito pátrio a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, firmada pelo Brasil, dois anos antes (em 30 de março de 2.007).

Tal Convenção Internacional trouxe a questão da deficiência para o âmbito formal dos direitos humanos, buscando reduzir desigualdades, sobretudo no que diz respeito às oportunidades de pessoas com deficiência encontram por conta de preconceitos e discriminação. Nossa sociedade caminha para se tornar cada vez mais uma democracia participativa efetiva.

Ou seja, toda forma de garantia ao pluralismo e à defesa de interesses de minorias deve ser efusivamente estimulada para que a sociedade se torne um espaço cada vez mais democrático. E, ainda além. Por força da discussão sobre vedação do efeito cliquet[2], retrocessos em tais áreas não poderão ser mais admitidos. Ou seja, uma vez que o Brasil se comprometeu com o referido Protocolo de Nova York eventuais retrocessos legislativos não serão tolerados.

Ademais, se tem que o direito individual não pode comportar interpretação restrita, isso seria desprezar o que o STF chama de efeito cliquet. LIBERDADES INDIVIDUAIS SE INTERPRETAM IN NUMERUS APERTUS NON IN NUMERUS CLAUSUS, para que não se tenha vulneração do que o STF tem interpretado como efeito cliquet (vedação de retrocesso em situação de garantia de direitos humanos)..

Tentativas de reduzir os impactos das novas políticas públicas acolhidas pelo referido Estatuto não poderão ser toleradas, sem o reconhecimento de manifesta afronta à ordem constitucional, sem contar a vedação de posturas que possam ser entendidas como barreiras atitudinais – ou seja atitudes preconceituosas.

Desta feita, conquistas como as cotas para contratação de pessoas com deficiência, como as previstas na Lei nº 8.213/91 não poderão ser reduzidas ou modificadas, apenas ampliadas, sob pena de retrocesso, por exemplo (sobre o tema o Decreto nº 5.296 de dezembro de 2004 traz alguns parâmetros acerca do que seria, ou não, considerado como deficiência para efeitos legais – tal decreto, no entanto, não poderá colidir com os termos da lei).

Vale lembrar ainda que a LBI busca cuidar de pessoas com deficiência de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual e sensorial (artigo 2º), tornando-os todos plenamente capazes para os atos da vida civil (e não há que se cogitar de incapacidade civil, como regra, em relação a pessoas de mobilidade reduzida).

Não há nem mesmo certeza, em torno da ideia a respeito de quanto haveria a formação de uma capacidade civil plena por questões etárias. Isso porque, num mundo em que a própria ONU e a OMS entendem que a maioridade deve ser atingida aos 24 anos pois o conceito de adolescência estaria mudando (defende-se a ideia de acordo com a qual o hipotálamo apenas estaria desenvolvido nessa idade e não aos dezoito anos, por exemplo). Nesse sentido interessante matéria científica divulgada pelo prestigiado canal britânico BBC (https://www.bbc.com/portuguese/geral-42747453), Isso leva a que, em mutação constitucional, para adequar em caráter de controle de conformação das normas quem não tenha o pleno desenvolvimento psicológico seja protegido – há aparente contradição entre o escopo protetivo da orientação mundial e a equiparação indiscriminada – compete ao operador do direito avaliar caso a caso qual a solução mais adequada aos interesses da pessoa com deficiência mental ou intelectual.

Em sentido de crítica construtiva ao modo como a questão foi tratada no direito civil, com riscos inerentes a injustiças de se tratar de modo generalizado a pessoa com deficiência mental e intelectual em condições de igualdade com quem não esteja nessa condição (risco de ilusão, lesão, erros, expedientes astuciosos, dolosos, fraudulentos, etc.), de se destacar a opinião do professor José Fernando Simão[3].

Ora, nesses momentos, salutares as considerações de Celso Antônio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade) quando assevera que normas jurídicas podem, sim, desde que haja razão adequada – fator de discrime adequado – estabelecer critérios diferenciais – seria o caso de se estabelecer que para a vaga de carceragem de presídio feminino somente possam concorrer pessoas do gênero feminino – esse fator diferencial levaria à conclusão no sentido de que haveria proporcionalidade e adequação entre meios e fins.

No mesmo sentido, mesmo havendo capacidade civil, um concurso público poderia excluir, por exemplo, por ser muito perigoso para a própria pessoa com deficiência, que ela seja fiscal de segurança de um reator nuclear (Homer Simpson que o diga), desta feita não pareceria teratológico, como o fazem muitas democracias representativas que seus dirigentes se afastem quando surja necessidade de tratamento de saúde comprovada – seja a saúde física seja mental, eis que saúde implica em estado de higidez físico-psíquica de um indivíduo.

No entanto sempre se poderá dizer que será aplicável a norma mais benéfica ao interesse da pessoa com deficiência. Nesse sentido, de modo literal, estabelece o parágrafo único do artigo 121 LBI[4]. Esses princípios são basilares. A respeito de valores como proporcionalidade e razoabilidade no texto constitucional há copiosa doutrina[5].

E isso se aplica também em relação a pessoas que apresentem quadros clinicamente comprovados de TEA, TDAH e TOD (Transtorno do Espectro Autista, com sua vasta gama de quadros, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e Transtorno Opositor-Desafiador).

Não obstante a LBI e os Pactos Internacionais (atente-se igualmente para a Carta da Guatemala no âmbito latino-americano) estabeleçam a necessidade de respeito à capacidade civil plena, se houver uma incapacidade comprovada no que tange ao comprometimento de expressão da vontade de uma pessoa isso deve ser levado em conta em julgamento em torno de seu interesse. o próprio artigo 4º CC parece induzir no sentido de uma capacidade civil relativa, sempre analisado pelo viés da proporcionalidade.

Tais Pactos e diplomas, trouxeram a questão da deficiência para o âmbito formal dos direitos humanos, buscando reduzir desigualdades, sobretudo no que diz respeito às oportunidades que os portadores de deficiência encontram por conta de preconceitos e discriminação. Nossa sociedade caminha para se tornar cada vez mais uma democracia participativa efetiva. Ou seja, toda forma de garantia ao pluralismo e à defesa de interesses de minorias deve ser efusivamente estimulada para que a sociedade se torne um espaço cada vez mais democrático.

E, por força da vedação do efeito cliquet, retrocessos em tais áreas não poderão ser mais admitidos. Ou seja, uma vez que o Brasil se comprometeu com o referido Protocolo de Nova York eventuais retrocessos legislativos não serão tolerados. Tentativas de reduzir os impactos das novas políticas públicas acolhidas pelo Estatuto não poderão ser toleradas, sem o reconhecimento de manifesta afronta à ordem constitucional.

Qualquer pessoa que tiver conhecimento de violações aos direitos da pessoa com deficiência (e das pessoas com mobilidade reduzida) deve comunicar o fato às Autoridades e juízes que tiverem conhecimento destas situações, devem comunicar ao Ministério Público – havendo previsão da proteção de uma série de direitos de índole coletiva, como previsto nos artigos 7º, 8º e seus consectários LBI.[6]

Por fim, a LBI se refere a pessoas que tenham limitações de longo prazo, para estabelecer a condição de pessoa com deficiência – mas e nos casos de limitação de curto prazo? Por exemplo, pessoas com muletas? Ou gestantes? Isso se aplica em relação a idosos, por equiparação, lactantes, obesos mórbidos e outros casos congêneres.

Tem-se aí a situação das pessoas com mobilidade reduzida (PMR) a quem a LBI igualmente se aplica em relação a alguns direitos nela previstos, sendo vários os arestos que cuidam da questão para deferir direitos àqueles que os tem sonegados pelo Estado ou entes privados, seja no que tange à concessão de passe livre de transporte público[7] ou para a garantia de parada em vagas especiais de estacionamento em condomínios[8], e ainda para fixação de danos morais em seu favor quando violadas situações favoráveis ao seu status[9], incluindo preferência e acessibilidade em concursos públicos[10].

 Há que se ter em mente, ainda, uma alteração contida no artigo 2º A LBI se refere à utilização facultativa do símbolo que identifica as pessoas com TEA – Transtorno do Espectro Autista, que resta expressamente incluído na proteção legal. E isso já vinha garantido, desde o advento da promulgação da norma contida no Art.1º, §2º da Lei 12.764/2012, que determina que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais (vale aí, por exemplo, a questão da possibilidade de receber LOAS nos termos do artigo 203 CF, se presentes os demais requisitos objetivos[11].

No âmbito da Justiça Laboral se chama a atenção para dois arestos recentes do TST que expressamente asseguraram direitos especiais para empregados diagnosticados com TEA. O primeiro caso, julgado pela 7ª Turma do E. TRT MG (3ª Região Trabalhista), foi o recurso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) contra decisão favorável a uma técnica de enfermagem de Juiz de Fora (MG). Ela foi aprovada em concurso público para jornada de 36 horas semanais e argumentava, na reclamação trabalhista, que criava sozinha a filha com TEA, nascida em 2015, e precisava de tempo para em sessões de terapia ocupacional, fonoaudiologia, pediatria e outros tratamentos indispensáveis ao seu desenvolvimento sadio, deferindo-se o direito à redução da jornada, por entender que a participação direta da mãe é imprescindível para que o tratamento da filha tivesse eficácia, e a não concessão de horário especial viola direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Um dos fundamentos da decisão foi a aplicação analógica do RJU (parágrafos 2º e 3º do artigo 98), que prevê horário especial a servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.

O relator do agravo da parte reclamada, ministro Renato de Lacerda Paiva, sublinhou que a Lei 12.764/2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, demonstra as características da síndrome e enquadra os seus portadores como “pessoas com deficiência para todos os efeitos legais”. Por sua vez, a Constituição Federal estabelece uma série de princípios e regras protetivas para as pessoas com deficiência, “com “absoluta prioridade” à criança e ao adolescente”, e atribui obrigações ao Estado e às famílias como instrumentos principais no resguardo e proteção.

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A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Brasil, complementa o ordenamento jurídico com diretrizes e políticas a serem adotadas na proteção dessas pessoas.  Portanto, para o ministro, o TRT acertou ao aplicar, por analogia, o disposto no RJU, diante da ausência, em normas internas da empresa ou na legislação, do direito à redução da jornada.

No segundo caso, a Terceira Turma reconheceu o direito à redução da jornada a uma enfermeira emergencista do Município de Pirassununga (SP), cujo filho, nascido em 2018, também é pessoa com quadro de TEA. Na reclamação trabalhista, o juiz de primeiro grau entendeu que a redução da jornada em 50% não se trata de conceder um benefício assistencial à enfermeira nem de violar os princípios da igualdade e da impessoalidade na administração pública, mas de “tentar igualar, na medida das suas desigualdades, as pessoas com necessidades especiais aos demais cidadãos, dando um mínimo de condições para que a criança com transtorno de espectro autista possa gozar dos seus direitos humanos e ter a sua dignidade como pessoa respeitada”. 

O Relator do recurso da enfermeira na Terceira Turma, ministro José Roberto Pimenta, ressaltou que, ao examinar casos semelhantes envolvendo servidores municipais ou estaduais, o colegiado tem reconhecido o direito postulado. Embora, a rigor, as disposições do RJU não sejam aplicáveis a uma servidora municipal, o ministro assinalou que a falta de legislação municipal não pode suprimir o direito essencial que decorre da CPDP, chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 186/2008, combinada com a Constituição Federal.

De igual modo, planos de saúde têm sido compelidos a estender para pessoas diagnosticadas com TEA a proteção devida àqueles protegidos pela LBI, como exemplo:

TJ-SP - Apelação Cível: AC 10056073520218260068 SP 1005607-35.2021.8.26.0068 Acórdão • Data de publicação: 11/02/2022 PLANO DE SAÚDE. CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM AUTISMO. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. NEGATIVA DE COBERTURA. LIMITAÇÃO AO NÚMERO DE SESSÕES DE TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES. ILEGALIDADE. Plano de saúde. Criança diagnosticada com autismo. Terapias multidisciplinares: Musicoterapia, hidroterapia, equoterapia, fisioterapia/terapia nutricional e psicomotricidade especializados em autismo; Fonoaudiologia – método ABA/PECS/INTERACIONISTA; Psicologia em terapia especializada no método ABA/DENVER; Terapia Ocupacional/FISIOTERAPIA (PEDIASUIT, THERASUIT INTENSIVO) com Integração Sensorial e foco em seletividade alimentar especializada em autismo; Psicopedagogia especializada em autismo. Necessidade. Limitação contratual à quantidade de sessões. Ilegalidade. Inteligência da Lei nº 12.764 /2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com transtorno do espectro autista. Incidência da Lei nº 13.830 /19 que regulamenta a prática de Equoterapia e dispõe no § 1º do artigo 1º que "é método de reabilitação que utiliza o cavalo em abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação voltada ao desenvolvimento biopsicossocial da pessoa com deficiência". Incidência, também, da Lei nº 9.656 /98, do CDC e do Estatuto da Criança e Adolescente. Súmulas, dessa E. Corte e do C. STJ. Ademais, a alegação de não constar o tratamento nos róis da ANS é irrelevante, porquanto tais róis não podem suplantar a lei, mas apenas torná-la exequível. Tratamento que deve ocorrer na rede credenciada/referenciada da operadora, próximo à residência da autora, em vista que é realizado diariamente e que se trata de criança autista com hipersensibilidade sensorial. Reembolso que somente será integral na ausência de prestadores credenciados/referenciados, caso em que a falta dos serviços não pode implicar como opção da segurada. Sentença que comporta mínimo retoque. Recurso parcialmente provido.[12]

De igual sorte se tem compelido o Poder Público a garantir tratamento especializado para dignosticados com autismo e TEA (transtorno do Espectro Autista nos termos da Lei nº 12.764/12), ou para garantia de aprendizado de acordo com as necessidades especiais em escolas:

TRT-16 - 165934020205160000 Acórdão • Data de publicação: 22/03/2022 MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. MENOR. AUTISMO. TRATAMENTO MÉDICO ESPECIALIZADO. A Lei nº 12.764 /12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê em seus artigos 2º, III e 3º, III, b a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo. Vale ainda citar os artigos 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem o direito ao respeito da dignidade da criança, bem como a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral. Dessa forma, a negativa do tratamento/reembolso das despesas do tratamento restringiu o direito do menor, portador de autismo. É obrigação da ré, e inerente ao contrato, a cobertura/custeio do tratamento pleiteado, de acordo com a prescrição médica e os recibos e notas fiscais juntados aos autos, valores que lhe devem ser restituídos, na forma do pedido. Segurança concedida.

TJ-GO-53582240520188090100  Acórdão • Data de publicação: 06/04/2024 DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. ALUNO PORTADOR DE AUTISMO. PROFISSIONAL DE APOIO. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Em análise a documentação acostada nos autos, verifica-se que evidente o direito líquido e certo do impetrante, menor, portador de autismo, de ter um profissional de apoio para garantir seu direito constitucional de acesso à educação. Segurança Concedida. 2. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO.

 

De igual sorte, também tem preocupado juristas a questão do crescente número de pessoas que tem sido diagnosticado com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e já foi aprovado o Projeto de Lei 2630/21, do deputado Capitão Fábio Abreu (PL-PI), cria a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Conforme a proposta, a pessoa com TDAH é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais[13].

O texto prevê como diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade: a intersetorialidade no cuidado; a atenção integral à saúde; a participação de pessoas com TDAH na formulação, execução e avaliação de políticas públicas; o incentivo à formação e à capacitação e à inserção no mercado de trabalho; entre outros pontos. São direitos da pessoa com TDAH: o livre desenvolvimento da personalidade; a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; o acesso a serviços de saúde, incluindo medicamentos gratuitos; educação e ensino profissionalizante; emprego adequado à condição; moradia; previdência e assistência social, entre outros.

A pessoa com TDAH não será impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição. Por fim, o texto estabelece que o dirigente de escola que recusar a matrícula ou a renovação de pessoa com TDAH receberá uma advertência por escrito da autoridade competente da área de educação. Em caso de reincidência, perderá o cargo se for servidor público.

E não se cuida aqui da mera situação de uma discussão de lege ferenda, eis que a jurisprudência já tem equiparado e estendido o arcabouço de inserção e proteção da LBI aos casos de TDAH. Nesse sentido aresto recente do E. TJSP:

TJ-SP - Apelação/Remessa Necessária: APL 10051641620198260663 SP 1005164-16.2019.8.26.0663 Acórdão • Data de publicação: 29/04/2021 APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROFESSOR AUXILIAR MENOR PORTADORA DE TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. Direito fundamental à educação que assegura aos educandos portadores de necessidades especiais atendimento educacional especializado. Inteligência do artigo 54 , III , do ECA ; artigos 3º, XIII, e 28, XVII, do Estatuto da Pessoa com Deficiência; artigo 59 , III , da Lei nº 9394 /96 ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Atendimento que deve ser prestado em regime não exclusivo. 2. O Transtorno do Déficit de Atenção - TDAH implica em deficiência cognitiva e seu portador está tutelado pelo artigo 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Absolutamente irrelevante é a circunstância de que Resolução da Secretaria Estadual de Educação, de cunho exclusivamente administrativo, não o contemple como merecedor da denominada Educação Especial. O dever do Poder Público para com os alunos portadores de necessidades especiais não se restringe mais à singela disponibilização de salas de recursos multifuncionais, no contraturno das aulas regulares. O sistema educacional inclusivo previsto no artigo 27 da Lei nº 13.146 /15 visa alcançar o máximo desenvolvimento possível dos talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais desses educandos, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Escopo visado pela legislação especial que somente pode ser atingido com a disponibilização de assistência especializada durante as atividades escolares do menor. 3. Necessidade de acompanhamento por professor auxiliar suficientemente comprovada. 4. Inexistência de indevida ingerência do Poder Judiciário no poder discricionário do Poder Público na implementação de sua política educacional, quando o intuito é dar efetividade a direitos sociais. Precedentes do E.STF. Súmula nº 65 deste TJSP. 5. Astreintes que comportam limitação em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Precedentes desta Colenda Câmara Especial. 6. Recurso de apelação parcialmente provido, remessa necessária desprovida.

Reconhecendo, de modo expresso que a TDAH seria doença que deficiência, e isso atrai a questão da proteção da LBI (malgrado alguns arestos em sentido contrário, mas que não podem subsistir diante da criação da Política Pública mencionada acima):

TJ-SP - Remessa Necessária Cível 10270011920198260602 SP 1027001-19.2019.8.26.0602 (TJ-SP) Data de publicação: 21/01/2021 OBRIGAÇÃO DE FAZER – REEXAME NECESSÁRIO – Fornecimento de professor auxiliar à adolescente portador de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno Desafiador e de Oposição em sala de aula durante o período escolar – Dever do Estado à educação especializado (art. 206 , inc. I e art. 208 , inc. III , ambos da CF ; art. 54 , inc. II , do ECA ; art. 59 , inc. III da Lei nº 9.394 /96 e arts. 27 e 28 da Lei nº 13.146/15) – Cumpre ao Poder Público garantir ao portador de deficiência os meios necessários para a frequência regular e aproveitamento em estabelecimento de ensino – Direito do deficiente, contudo, não implica conceder-lhe profissional de apoio com exclusividade – Manutenção da multa diária fixada em R$100,00, limitada a R$25.000,00 – Valor a ser revertido ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município – Recurso oficial provido, em parte, apenas para limitação da multa.

TJ-MS - Agravo de Instrumento AI 14116854820198120000 MS 1411685-48.2019.8.12.0000 (TJ-MS) Data de publicação: 09/02/2020 AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PROFESSOR AUXILIAR – MENOR COM TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH – NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Preconiza o art. 208, III, da Constituição Federal, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Em que pese o menor não possuir dificuldades em locomoção, higiene pessoal ou interação social, resta evidenciada a urgência da medida pleiteada, uma vez que a demora no acompanhamento educacional individualizado do menor poderá acarretar-lhe danos irreversíveis no aprendizado. Ademais, como visto, é dever do Estado disponibilizar atendimento educacional especializado aos educandos portadores de necessidades especiais, como na hipótese, em que o agravante possui transtorno do déficit de atenção e hiperatividade - TDAH e necessita de acompanhamento educacional especializado.

Garantindo acesso a atendimento escolar adequado, tanto para a TDAH, como para o TOD – Transtorno Opositor Desafiador como nas situações de TEA (os casos de TOD ainda não estão como situação de deficiência para fins de aplicação da LBI mas já se tem reconhecido que não há causa legal para que não se aplique por equidade e analogia a proteção também neste quadro):

TJ-RJ - APELAÇÃO: APL 72043020138190004 202200140706  Acórdão • Data de publicação: 23/08/2023 APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUJO PEDIDO É CUMULADO COM O DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS. TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE (TDAH). VEDAÇÃO DE MATRÍCULA EM ENSINO FUNDAMENTAL EM RAZÃO DE REPROVAÇÃO POR DOIS ANOS SEGUIDOS. DIREITO DE ATENÇÃO ESPECIAL A ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS ASSEGURADO PELA LEGISLAÇÃO PÁTRIA. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO OFERECER MÉTODOS QUE PERMITAM O APRENDIZADO DIFERENCIADO. A teoria do risco administrativo, consagrada pela doutrina, ampliou o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação, quanto no que concerne à omissão do agente público. Assim, basta a ocorrência de lesão causada à vítima, para que surja o dever de o Estado indenizá-la pelo dano moral ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de ação, omissão ou culpa dos agentes estatais. O autor, comprovadamente portador de TDAH desde o mês de dezembro de 2010, não teve acesso ao sistema de inclusão de ensino para pessoas portadoras de alguma necessidade especial durante os dois anos letivos seguintes, embora fizesse jus a um auxílio específico de ensino, conforme disposto na Lei nº 7.853, de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 3.298, de 1999 e artigos 3º e seguintes, da Lei nº 8.069, de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). As escolas devem oferecer um atendimento educacional com qualidade para todas as crianças, eliminando barreiras físicas e de comunicação, devendo as políticas educacionais estar voltadas para a eliminação de todas as formas de discriminação, de maneira que os alunos possam participar plenamente das ações pedagógicas e sociais do ambiente escolar. Os portadores de necessidades especiais possuem assegurado pela legislação o direito de tratamento igualitário às demais pessoas, sem qualquer tipo de discriminação, sendo as escolas obrigadas a oferecer métodos que permitam o aprendizado diferenciado. A falta de atenção especial foi a causa de reprovação escolar do autor, sendo que, somente após o deferimento da medida liminar determinado o seu retorno à instituição de ensino ré, foi que esta incluiu em seu corpo docente profissionais qualificados para o acompanhamento e atendimento aos portadores de TDAH, razão por que se afigura correta a condenação do réu na obrigação de fazer, consistente em reintegrar o primeiro autor no Colégio da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro, na cidade de Niterói, franqueando o sistema de ensino de inclusão para os portadores de TDAH. Instituição de ensino, que possui o dever de guarda e incolumidade de seus alunos, não sendo admissível que a professora tenha negado ao primeiro autor o direito de ir ao banheiro, causando-lhe o constrangimento de urinar nas calças, em plena sala de aula, diante dos demais colegas de classe, fato que demonstra a negligência imputável ao agente público. Manutenção do quantum indenizatório dos danos morais. Fixação dos honorários recursais. Inteligência do § 11, do art. 85, do Código de Processo Civil. Recurso a que se nega provimento.

 

TJ-RS - Agravo de Instrumento: AI 50661503320218217000 RS  Acórdão • Data de publicação: 08/10/2021 AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. ALIMENTOS DEVIDOS PELO GENITOR AO FILHO MENOR, COM NECESSIDADES ESPECIAIS. CUSTEIO DE ESCOLA PARTICULAR PARA SUPRIR O DÉFICIT DE ATENÇÃO. MAJORAÇÃO DA OBRIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. PERCENTUAL READEQUADO A 50% DO SALÁRIO-MÍNIMO NACIONAL, EM ATENÇÃO AO BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE.\CONSIDERANDO QUE O ALIMENTANDO CONTA COM 14 ANOS DE IDADE E SOFRE DE TDAH (TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE) E ESTUDA EM ESCOLA ONDE LHE SÃO ATENDIDAS AS NECESSIDADES ESPECIAIS, DEIXANDO, INCLUSIVE, DE FAZER USO DE MEDICAÇÃO, NECESSÁRIA A MANUTENÇÃO DESTA CONDIÇÃO, QUE ESTÁ SENDO ARCADA PRATICAMENTE INTEGRALMENTE PELA GENITORA. ASSIM, MAJORA-SE A PENSÃO ALIMENTÍCIA DEVIDA PELO GENITOR-AGRAVADO PARA 50% DO SALÁRIO-MÍNIMO NACIONAL, LEVANDO-SE EM CONTA A ALEGAÇÃO DE QUE ESTÁ DESEMPREGADO, AINDA QUE NÃO TENHA SOBREVINDO PROVA NESTE SENTIDO.\AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.

 

TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 223662820238190000 202300230734 Acórdão • Data de publicação: 11/07/2023 AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. O AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. PARTE AUTORA QUE BUSCA PROVIMENTO JUDICIAL DE URGÊNCIA PARA QUE A PARTE RÉ, UNIMED, SEJA COMPELIDA A FORNECER ACOMPANHAMENTO POR ASSISTENTE TERAPÊUTICO AO AUTOR, EM AMBIENTE ESCOLAR. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA PRETENDENDO A REFORMA DA DECISÃO. RECURSO QUE MERECE PROSPERAR. REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC QUE FORAM PREENCHIDOS. O AUTOR FOI DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA, TRANSTORNO OPOSITOR DESAFIADOR E TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE, SENDO INDICADO, PELO MÉDICO, O ACOMPANHAMENTO DE ASSISTENTE TERAPÊUTICO, EM AMBIENTE ESCOLAR. O MAGISTRADO A QUO NEGOU A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA SOB O FUNDAMENTO DE QUE O ASSISTENTE TERAPÊUTICO, PROFISSIONAL DE FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO QUE VAI ACOMPANHAR O AUTOR EM SALA DE AULA NÃO ESTARIA INCLUÍDO NO ESCOPO DE COBERTURA DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE, DIANTE DE SEU NOTÓRIO CARÁTER PEDAGÓGICO-EDUCACIONAL. CONTUDO, EXISTE DIFERENÇA ENTRE O ACOMPANHANTE ESCOLAR ESPECIALIZADO, QUE É UM PROFESSOR COM FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, RELACIONADO COM A QUESTÃO PEDAGÓGICA, E O ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO, QUE É UM PROFISSIONAL DA ÁREA DE SAÚDE, QUE TEM FORMAÇÃO ESPECÍFICA E ATRIBUIÇÃO PARA MINISTRAR TRATAMENTOS MULTIDISCIPLINARES NO AMBIENTE NATURAL DA CRIANÇA (ESCOLA, RESIDÊNCIA OU CLÍNICA). O TERAPEUTA TEM O OBJETIVO DE AUXILIAR O PACIENTE NO QUE DIZ RESPEITO AOS MECANISMOS COMPORTAMENTAIS E SOCIAIS, POSSIBILITANDO QUE ESTE SEJA INSERIDO E ACEITO NO ÂMBITO ESCOLAR. PORTANTO, O PLANO DE SAÚDE É OBRIGADO A COBRIR OS TRATAMENTOS MULTIDISCIPLINARES, RECOMENDADOS PELO MÉDICO ASSISTENTE, INCLUSIVE O ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO, CONFORME RESOLUÇÃO 465 /2021 ALTERADA PELA RESOLUÇÃO 539/2022 E COMUNICADO 95/2022 DA ANS. REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA. PROVIMENTO DO RECURSO PARA DEFERIR A TUTELA DE URGÊNCIA E DETERMINAR QUE A PARTE RÉ ARQUE COM OS CUSTOS DO ASSISTENTE TERAPÊUTICO EM AMBIENTE ESCOLAR, NO PRAZO DE 48 HORAS, SOB PENA DE MULTA PELO DESCUMPRIMENTO NO VALOR DE R$ 100,00 POR DIA.

 

Vale ainda apontar no sentido de que juízes tem equiparado casos de TDAH e TOD à proteção da LBI para viabilizar a concessão de benefícios previdenciários como LOAS - https://www.conjur.com.br/2024-mai-21/juiz-manda-inss-pagar-beneficio-de-prestacao-continuada-a-crianca-com-tdah/

De se ter, ademais, que se tem prestigiado a necessidade de atender aos termos da proteção aos interesses de pessoas nesta condição peculiar. Isso porque, na hipótese de conflito entre lei e normas constitucionais sobre direitos fundamentais, deve-se realizar a interpretação conforme a Constituição, afastando a aplicação daquela solução que viole o conteúdo essencial de tais direitos, a teor dos artigos 1º, III e 5º, §1º da Constituição da República. Registre-se que esse entendimento encontra amparo na jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, como se verifica dos seguintes julgados:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 2/2003/DJ. SERVIDOR PÚBLICO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. NORMA DE ESTATURA CONSTITUCIONAL. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DE VENCIMENTOS. POSSIBILIDADE. ARTS. 4º E 7º DA CONVENÇÃO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil nos termos do procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, possui status normativo equivalente às emendas constitucionais e se integra ao ordenamento jurídico nacional como norma de estatura constitucional. O art. 4º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência estabelece expressamente que os Estados Partes se comprometem a tomar todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação, em razão de deficiência e a assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos humanos e liberdades fundamentais. Já o art. 7º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, em clara projeção da cláusula de proteção integral, assinala que os Estados Partes deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, além de recomendar a adoção de comportamentos e valores compatíveis com a dignidade da pessoa, prevê expressamente que o interesse superior da criança com deficiência receberá consideração primordial. Ademais, a despeito da inexistência de expressa previsão legal para a redução da jornada de trabalho sem redução de vencimentos em prol de funcionários públicos com filhos que apresentem deficiência, essa situação se insere no contexto das medidas necessárias para a efetiva realização dos postulados de proteção à pessoa com deficiência, da dignidade da pessoa humana, além do princípio do melhor interesse da criança com deficiência. Agravo regimental provido para determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem para que julgue a causa como reputar de direito, à luz das diretrizes estabelecidas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência." (AgRg no REsp 1.326.833/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe 08/04/2013)

"RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CUIDADO DE FILHO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DE VENCIMENTOS. POSSIBILIDADE. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

No ambiente escolar, situação em que há inúmeros problemas em relação a preconceito – na acepção de imagem pré-concebida – de que esses casos também se acham sob a proteção da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com equivalência de emenda constitucional por meio do Decreto Legislativo 186/2008 e do Decreto 6.949/2009, impõe a revisão de leis, regulamentos, costumes e práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência (art. 4º), bem como a adoção de todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças (art. 7º).

No caso concreto, a redução da jornada de trabalho da recorrida constitui medida necessária para garantir a efetiva proteção aos direitos da criança acometida de Transtorno do Espectro Autista, em plena consonância com o princípio da proteção integral e com os postulados constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade/maternidade responsáveis, insculpidos respectivamente nos artigos 227 e 226, § 7º, CF.

Sabido que existe uma lei contra as situações de bullying – o que é coisa mais do que injustificável a luz do atual estágio civilizatório – sendo certo que pais devem conversar muito com seus filhos sobre os valores inclusivos a serem observados – mas nos casos de pessoas com deficiência se tem um plus que apenas e tão só servirá para exasperar o valor de indenizações nesses casos (aqui o fator de desestímulo deve ser aplicado para fins de impedir que se continue a ter preconceito ou ideias pré-concebidas com más informações sobre os problemas).

Crianças e Adolescentes nessas condições, não são crianças mau educadas, nem se tem que seria mero frisson dos pais – como se tem preconceituosamente corrente em sociedade – são pessoas que tem desarranjos clínicos que impedem que o cérebro reaja a estímulos na mesma condição de reação de quem não tem – o que demanda paciência maior, sob pena de responsabilização – a injúria racial, inclusive, se aplica a quem ofenda pessoa por sua condição pessoal e ou deficiência – ou seja a lei qualifica como graves tais situações ao ponto de justificar o acionamento penal por delito insuscetível de prescrição.

Vale ainda apontar, na situação da TEA a questão apontada no sentido de que o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1097 de Repercussão Geral, fixou a tese de que "Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990".

Referidos dispositivos estabelecem que será concedido horário especial ao servidor ou à servidora que tenha filho ou dependente com deficiência, independentemente de compensação de horário e sem prejuízo de vencimentos. Nesse sentido, o reconhecimento do direito à redução de jornada sem redução salarial por parte da sentença está em perfeita consonância com o já decidido pela Corte Suprema, não havendo que se falar em violação à legalidade ou à autonomia municipal. Citem-se, a propósito, os seguintes precedentes deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

"SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. Redução de jornada de trabalho. Filho portador de Transtorno do Espectro Autista. Possibilidade. Aplicação da tese fixada pelo STF no julgamento do RE 1.237.867 (Tema 1097 da Repercussão Geral). Inteligência do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei n.º 8.112/90. Sentença mantida. Recurso não provido." (TJSP - APL: 10084683920218260451 SP 1008468-39.2021.8.26.0451, Relator: Carlos Vieira Von Adamek, Data de Julgamento: 21/11/2022, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 22/11/2022)

 

"APELAÇÃO CÍVEL. Mandado de segurança. Servidora pública estadual. Pretensão de redução da jornada de trabalho sem redução proporcional dos vencimentos para acompanhamento de filho portador de transtorno do espectro autista. Possibilidade. Tese fixada pelo C. Supremo Tribunal Federal no RE 1.237.867 ('Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990'). Inteligência da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (arts. 4º e 7º). Adoção de todas as medidas para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Interpretação extensiva do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90. Sentença mantida. Recurso não provido." (TJ-SP - APL: 10042073920218260506 SP 1004207-39.2021.8.26.0506, Relator: Camila Rodrigues Borges de Azevedo, Data de Julgamento: 16/02/2023, 10ª Câmara de Direito Público).


Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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