Predadores de toga, quem são e o que fazem

28/06/2024 às 08:16
Leia nesta página:

Nos últimos tempos a imprensa foi inundada por uma nova moda. Refiro-me à litigância predatória. Já falei sobre esse assunto algumas vezes (vide 1, vide 2, vide 3). Creio, todavia, que é preciso falar dos outros predadores: os juízes.

É possível distribuir os juízes predadores em cinco grandes categorias, sendo certo que alguns deles pertencem a mais de uma delas.

A primeira categoria dos predadores de toga são os "juízes dinheiristas", aqueles que se preocupam mais com seus proventos do que com os processos que devem julgar. Nessa categoria estão os juízes que recebem salários acima do teto, os que inventam e exigem penduricalhos abaixo da moralidade e os que aceitam propinas para proferir decisões. Eles navegam num mundo cinza em que legalidade e ilegalidade se confundem e/ou coexistem para proporcionar vantagens econômicas para os predadores de toga. Alguns membros dessa categoria gostam de vender sentenças e acórdãos no atacado.

Os juízes que acreditam ser deuses olímpicos e exigem ser tratados como se fossem divindades vem logo depois. Eles são os predadores de toga mais comuns e perniciosos, porque além de humilhar os advogados e cidadãos os "juízes soberbos" ignoram a legislação que devem cumprir e fazer cumprir preferindo aplicar nos processos versões distorcidas e personalizadas da Lei. Os membros dessa quadrilha de predadores togados assassinam as prerrogativas dos advogados, destroem a autoestima de quem entra em contato com eles e comprometem a objetividade do Direito substituindo-o por suas próprias subjetividades egocêntricas. Nas ruas, aeroportos e aviões estão sempre à vociferar "O senhor sabe com quem está falando?"

A terceira categoria dos predadores de toga é composta pelos "juízes corporativistas". A única Lei válida e eficaz que eles reconhecem é aquela que confere aos juízes o privilégio de nunca serem punidos. Os "juízes corporativistas" protegem os abusos e ilegalidades cometidas por seus colegas com grande eloquência verbal e violência institucional imoderada. Quando se tornam corregedores, presidentes de associações de juízes e celebridades midiáticas, esses predadores de toga transformam desculpas esfarrapadas em argumentos pseudo-jurídicos favoráveis aos membros da sua caterva que deveriam ser, mas não serão punidos.

Os "juízes corporativistas" são cupins incansáveis. Eles devoram o princípio civilizatório da responsabilidade funcional dos juízes e vomitam argumentos maliciosos, mofados e mentirosos. São eles que criam as fortalezas institucionais impenetráveis que garantem a impunidade dos seus colegas de trabalho que cometem pequenos abusos ou fazem grandes negociatas ilegais. Os "juízes corporativistas" foram contra a criação do CNJ, mas depois que esse órgão foi criado eles se uniram às demais quadrilhas de juízes até conseguir capturá-lo

Existe uma quarta categoria de predadores de toga: a dos "juízes bíblicos". Ela surgiu e se consolidou nas últimas duas décadas e compõe a chamada bancada evangélica nos tribunais. Os "juízes bíblicos", também conhecidos como "juízes pregadores", aplicam a legislação brasileira à luz da Bíblia ou de uma peculiar versão evangélica dela. Eles odeiam o separação entre Estado e religião e são extremamente punitivistas em relação aos cidadãos que não pertencem à mesma religião deles.

De maneira geral, pode-se dizer que os "pregadores de toga" acreditam que a principal missão do Judiciário é substituir nosso regime democrático laico por uma teocracia evangélica. Adeptos do mantra "Mais Bíblia, menos Constituição" esses juízes fanáticos proferem decisões autoritárias, abusivas e inconstitucionais para beneficiar pastores e políticos evangélicos e prejudicar os inimigos deles.

A última grande categoria dos predadores de toga é composta pelos “juízes neoliberais”. Eles são mais favoráveis aos “negócios como de costume” das grandes empresas multinacionais e nacionais do que à preservação dos direitos conferidos pela legislação aos trabalhadores e consumidores brasileiros. Nas últimas décadas, os “juízes neoliberais” se esforçaram muito para reduzir o impacto das indenizações por dano moral a fim de maximizar os lucros dos empresários.

Bancos, plataformas de vendas on line, planos de saúde, redes de supermercados, empresas de telefonia, distribuidoras privatizadas de água e energia, etc... foram muito beneficiados pela nova jurisprudência criada com base no neoliberalismo jurídico praticado pelos membros dessa categoria. Em troca, os empresários custeiam os congressos , convescotes de juízes dentro e fora do Brasil. Mas isso obviamente não configura compra de sentenças e acórdãos no atacado. Os “juízes neoliberais” toleram o movimento gay, mas odeiam o MST. Eles apoiaram e aplaudiram Jair Bolsonaro, mas se sentem desconfortáveis num país governado por Lula.

Isso é tudo por enquanto. As questões exploradas aqui de maneira muito singela podem ser discutidas de maneira mais profunda, mas confesso que fico entediado sempre que penso sobre os predadores de toga. Estou convencido de que eles são irrelevantes e estão fadados à extinção. Eles são os maiores entusiastas da Inteligência Artificial, tecnologia que permitirá ao país jogá-los na lata do lixo, vigiá-los de maneira constante, transformá-los em apêndices biológicos de um sistema automatizado baseado na Constituição Cidadã que eles odeiam e se recusam a cumprir e fazer cumprir. Ok… eu sei que essas são apenas divagações utópicas e irônicas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Existem juízes que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. Os juízes para a democracia não são predadores. Eles são as principais presas dos juízes dinheiristas, soberbos, corporativistas, pregadores e neoliberais. As prerrogativas profissionais dos juízes para a democracia incomodam muito seus colegas, porque eles não podem ser nem removidos dos seus cargos, nem impedidos de proferir decisões judiciais válidas e eficazes, nem silenciados. Aqueles que escrevem artigos científicos e livros criticando as mazelas do Estado, da Política e do Judiciário são vigiados de maneira feroz e incansável. Não é incomum juízes democráticos enfrentarem processos no CNJ. Silenciá-los nas redes sociais parece ser o principal objetivo dos predadores de toga.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos