Os prejuízos experimentados pelo Corinthians em razão de suspeita de conduta antiética e a importância de um sistema de integridade para a proteção dos negócios 

01/07/2024 às 16:34
Leia nesta página:

No dia 07 de junho de 2024, a VaideBet rescindiu unilateralmente o contrato de patrocínio firmado com o Sport Club Corinthians Paulista e, com isso, a agremiação esportiva deixará de receber aproximadamente R$ 300 milhões de reais pelos próximos 2 anos e meio.

Segundo noticiado na mídia, o vínculo contratual entre as partes foi rompido com o acionamento da cláusula anticorrupção após a abertura de investigação policial sobre possível repasse de parte do valor de comissão do acordo de patrocínio a uma empresa, em tese, “laranja”.

Eis a nota da empresa patrocinadora:

A VaideBet informa que exerceu nesta sexta-feira (7) a rescisão do contrato de patrocínio com o Sport Club Corinthians Paulista. Desde o início de abril a marca acompanha e solicita esclarecimentos sobre as suspeitas levantadas, tendo já realizado reuniões, comunicações formais e notificação extrajudicial. Diante das explicações apresentadas sem nenhuma resolutividade, a VaideBet lamentavelmente se vê obrigada a tomar tal atitude.

A marca avalia que não se pode manter a parceria enquanto pairar sobre o acordo qualquer suspeita em relação a condutas que fujam à conformidade com a ética e os preceitos legais. Só a dúvida, no crivo ético da marca, já é suficiente para determinar a rescisão - que foi exercida pela VaideBet suscitando cláusulas do contrato que protegem direitos da marca nessa decisão. 

A VaideBet lamenta pelo fim de uma parceria que deveria ter durado no mínimo três anos e agradece, pelo carinho e pelo respeito, à imensa e apaixonada torcida do Corinthians, que diariamente sustenta a história e os valores da instituição.[1]

O Corinthians, que já não vai bem dentro de campo – hoje está na zona de rebaixamento no campeonato brasileiro 2024 –, acabou sofrendo um duro golpe também fora de campo, com inegáveis prejuízos de natureza financeira e reputacional.

Essa situação envolvendo o Timão pode acontecer com quaisquer empresas e de diferentes segmentos econômicos, o que revela que a incorporação da deliberação ética na tomada de decisões das organizações é urgente e não pode mais ser negligenciada.

E fomentar uma cultura de ética e de integridade no ambiente de negócios, saliente-se, é fundamental se quisermos construir uma sociedade mais justa e sustentável, bem como romper com o que Mario Sergio Cortella denomina de fratura ética da acomodação[2] (as coisas são como são e nada posso fazer para mudar).

Celso Grecco sustenta que se formos capazes de passar o dia sem nenhum comportamento reprovável, provavelmente teremos vivido mais um dia de forma ética, mas só isso não basta, sendo necessário buscar ativamente o certo[3].

Fábio Galindo, Marcelo Zenkner e Yoon Jung Kim defendem que integridade é valor corporativo fundamental, ponderando:

Por tudo isso, um efetivo sistema de integridade busca fazer valer os princípios de governança à luz do propósito de uma empresa, se mantém atento ao comportamento ético de seus colaboradores e parceiros de negócios e privilegia a transparência em suas relações negociais. Não descuida em momento algum do planeta em que vivemos, redobrando os cuidados em relação à dependência de uma empresa frente aos recursos naturais que utiliza e ao impacto que ela causa ao meio ambiente.[4]

E integridade, acresça-se ainda, é um dos princípios da governança corporativa, entendida como um sistema pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, objetivando gerar sustentabilidade para a empresa, para os seus sócios e para a sociedade, balizando a atuação de todos os atores e indivíduos envolvidos para, com isso, equilibrar os interesses de todas as partes.

Sobre o princípio da integridade, o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa – 6a Edição – do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) aborda da seguinte forma:

Integridade 1

Praticar e promover o contínuo aprimoramento da cultura ética na organização, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesses, mantendo a coerência entre discurso e ação e preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e com o meio ambiente.[5]

Com efeito, fazer o certo deve ser o único caminho a ser seguido, mas nem sempre será fácil numa sociedade disruptiva e com excesso de informações, especialmente na era digital, daí a importância da implementação de um sistema de integridade, cuja base legal é a Lei 12.846/2013[6].

Esse sistema, saliente-se, é construído por meio de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e conduta, políticas e diretrizes, respeitando sempre a realidade de cada organização.

Com o sistema de integridade implantado, desde que este seja efetivo e não mera formalidade, é possível prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos que não estejam em conformidade com as regras da empresa e preceitos legais, bem como fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente de trabalho.

E não se engane que essa estrutura somente é útil e aplicável nas interações com a administração pública, mas, também, no ambiente privado, afinal de contas, diariamente, todos nós estamos expostos a dilemas éticos e riscos. A título exemplificativo, vale a pena refletir sobre as questões a seguir: i) o recebimento de brindes de fornecedores não representa nenhum risco para uma organização? ii) e ao contratar terceiros, uma organização não corre o risco de ser envolvida no uso de mão de obra escrava?

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Por falar em riscos, gerir bem as incertezas, os eventos a que uma organização está exposta é um dos pilares, na verdade, o coração de um efetivo sistema de integridade, sobretudo para lidar com a chamada burocracia empresarial. Para se ter uma ideia disso, segundo o Ranking Políticos, o Brasil criou 8 milhões de novas regras em 35 anos de Constituição[7].

O sistema de integridade, que, ressalte-se, não é uma corrida de cem metros, mas uma maratona com necessidade de treinamentos e aperfeiçoamento contínuo, traz, portanto, credibilidade para os negócios, protege o futuro da organização, elimina ou minimiza riscos, e ainda ajuda a reter talentos.

Há, evidentemente, um custo para tanto, mas aí fica a pergunta: é preferível investir alguns reais num sistema de integridade efetivo ou perder alguns milhões de reais em negócios como aconteceu com o Corinthians?


[1] BOTTA, Emilio; CASSUCCI, Bruno; MATOS, José Edgar de. VaideBet rescinde contrato de patrocínio com o Corinthians. Portal GE, 07/06/2024. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2024/06/07/vaidebet-rescinde-contrato-de-patrocinio-master-com-o-corinthians.ghtml. Acesso em: 26/06/2024.

[2] SELARIN, Vania Cristina. Resenha do livro Educação, Convivência e Ética: Audácia de Esperança!, de Mario Sergio Cortella. Dialogia, São Paulo, n. 24, p. 195-198, jul/dez 2016.

[3]GRECCO, Celso. A decisão de que o mundo precisa: 7 caminhos para você sair da indiferença e fazer algo pelo futuro da nossa sociedade. São Paulo: Editora Gente, 2019, p. 54.

[4] GALINDO, Fábio; ZENKNER, Marcelo; KIM, Yoon Jung. Fundamentos do ESG: geração de valor para os negócios e para o mundo. Belo Horizonte: Fórum, 2023, p. 236.

[5] Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa/Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - 6a ed. – IBGC. São Paulo, SP: IBGC, 2023, p. 18.

[6] BRASIL. Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano CL, n. 148, p. 1-3, col. 2,  02 ago. 2013.

[7] Ranking dos Políticos. Burocracia: país criou quase 8 milhões de novas regras em 35 anos de Constituição. Instagram, 29 de junho de 2024. Disponível em: https://www.instagram.com/p/C8zVvwniqfE/?igsh=MWQ5NWkwamgwMTJqMg==. Acesso em: 30 de junho de 2024.

Sobre o autor
Deivison Roosevelt do Couto

LGPD, ESG, riscos, governança e compliance no agronegócio Advogado, sócio no escritório Prado Advogados Associados – Cuiabá/MT Mestrando em Compliance pela Ambra University – Orlando, FL-EUA Especialista em Direito Tributário e Direito Processual Civil Conselheiro Titular no Conselho Administrativo de Recursos Tributários de Cuiabá - CART Compliance Officer de uma grande cooperativa agroindustrial em Campo Novo do Parecis/MT Ex-assessor jurídico de desembargador no TJ/MT

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos