É possível Usucapião Extrajudicial de imóvel foreiro (terreno de marinha)?

03/07/2024 às 10:59

Resumo:


  • Imóveis públicos são imunes aos efeitos da Usucapião, conforme a Constituição Federal.

  • Prescrição aquisitiva e prescrição extintiva são institutos distintos, mas com o mesmo fundamento no tempo.

  • É possível a usucapião do domínio útil de imóveis foreiros à União, desde que submetidos ao regime de aforamento.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A LIÇÃO É CLARA na Constituição Federal: os imóveis PÚBLICOS são imunes aos efeitos da Usucapião - ou se preferir, da prescrição aquisitiva. Como já falamos outrora, a "prescrição" é um instituto complexo e sofisticado do Direito. Na sua concepção em sede de direito imobiliário a encontraremos em seu duplo viés no estudo da Usucapião na medida em que como prescrição aquisitiva, sua fluência faz com que quem preencha os requisitos da Usucapião ADQUIRA o domínio, ao mesmo tempo em que, como prescrição extintiva representará a PERDA de um direito (de propriedade por exemplo) por aquele que com sua inércia permitiu o semear e o arvorecer da usucapião em favor do outro.

A doutrina magistral de SERPA LOPES (Tratado dos Registros Públicos. 1997) lança luz sobre essa importante questão:

"O usucapião é um modo aquisitivo do domínio pela posse (...). O usucapião, também denominado 'PRESCRIÇÃO AQUISITIVA', se distingue da PRESCRIÇÃO EXTINTIVA, de vez que, na precisa definição de CLÓVIS, enquanto a primeira é uma ENERGIA CRIADORA, a segunda é uma FORÇA EXTINTIVA, posto ambas possuam o mesmo fundamento: a criação de uma situação jurídica oriunda do TEMPO".

Os imóveis da União (por isso imóveis públicos) não estão sujeitos a esse efeito aquisitivo/extintivo como expressamente determinam os parágrafos § 3º do art. 183 e único do art. 191 da CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 que decretam:

"Os imóveis públicos NÃO serão adquiridos por usucapião".

TODAVIA, não devemos descartar apressada e sumariamente os casos de regularização imobiliária onde os imóveis públicos como os "FOREIROS" à União, Município (ou a qualquer outra entidade, como a Igreja Católica, por exemplo) - situação essa que deve constar estampada na matrícula imobiliária, atualizada e expedida pelo Cartório do RGI competente. O fato de o imóvel constar no RGI como foreiro, por exemplo, à União (situado ou não em "Terreno de Marinha") pode não significar a impossibilidade de USUCAPIÃO sobre o domínio útil, desde que submetido ao regime de aforamento, quando a prescrição aquisitiva incidirá sobre o DOMÍNIO ÚTIL, nada afetando a propriedade (DOMÍNIO PLENO) da União. Nesse sentido duas decisões judiciais do TJAL que didaticamente deixam claro esse importante aspecto que precisa ser verificado "prima facie" nesses casos especiais de regularização de imóveis:

HIPÓTESE DE PROCEDÊNCIA:

"TJAL. 07157611120148020001. J. em: 31/08/2022. APELAÇÃO CÍVEL em ação de Usucapião Extraordinária. Direito constitucional e civil. Bem público pertencente ao ESTADO DE ALAGOAS. Sentença de IMPROCEDÊNCIA. Impossibilidade legal de aquisição do domínio pleno de imóvel público urbano ou rural - ex vi do art. 183, § 3º; e, art. 191, parágrafo único, todos da CF/1988; e, ainda, art. 102 do CC/2002 - pedido inicial de domínio pleno que engloba o eventual reconhecimento da Usucapião sobre o DOMÍNIO ÚTIL do imóvel FOREIRO. Consta nos autos que devidamente constituída a ENFITEUSE sobre o bem, o DOMÍNIO ÚTIL foi alienado ao genitor da autora, a qual totaliza no mínimo 18 (dezoito) anos de POSSE AD USUCAPIONEM. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 1.238 DO CC/2002. Declaração de USUCAPIÃO DO DOMÍNIO ÚTIL que fomenta apenas a SUBSTITUIÇÃO DO ENFITEUTA pela usucapiente, SEM QUALQUER PREJUÍZO AO ENTE FEDERATIVO. Precedentes do STJ e dessa Corte. SENTENÇA REFORMADA, para julgar parcialmente PROCEDENTE O PEDIDO. Recurso CONHECIDO E PROVIDO. UNANIMIDADE".

HIPÓTESE DE IMPROCEDÊNCIA:

“TJAL. 07110147620188020001. J. em: 16/05/2023. APELAÇÃO CÍVEL em ação de Usucapião Ordinária. Direito constitucional e civil. Bem público pertencente ao ESTADO DE ALAGOAS. Sentença de IMPROCEDÊNCIA. Pedido inicial de domínio pleno. eventualmente reconhecimento da usucapião sobre o domínio útil do imóvel. bem públicos insuscetíveis de usucapião do domínio pleno. Inteligência do art. 183, § 3º, da CF/88 e art. 102 do Código Civil de 2002. Possibilidade de concessão de domínio útil de bem público, mesmo quando requerida a propriedade plena. O DOMÍNIO ÚTIL SOMENTE PODE SER TRANSMITIDO ATRAVÉS DE USUCAPIÃO EM FACE DE IMÓVEL FOREIRO OU DENOMINADO ENFITEUTA. Precedentes do STJ e dos Tribunais Pátrios. RECORRENTE QUE NÃO COMPROVOU A EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE ENFITEUSE. Ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, I, do CPC/2015. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Honorários majorados".

PORTANTO, seja pela via judicial, seja pela VIA EXTRAJUDICIAL - nos termos do art. 216-A da Lei de Registros Publicos, com regulamentação pelo Provimento CNJ 149/2023, direto em Cartório, sem processo judicial mas com assistência obrigatória de ADVOGADO - poderá haver, desde que presentes os requisitos da Usucapião na modalidade pretendida, o reconhecimento e registro da Usucapião do DOMÍNIO ÚTIL uma vez comprovado o aforamento, já que nessa hipótese a propriedade do Ente Público sobre o imóvel permanecerá intacta e inabalada.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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