Tenho dois filhos mas gostaria de deixar um deles com mais bens do que o outro por ocasião do meu falecimento. É possível?

05/07/2024 às 10:24

Resumo:


  • Planejamento sucessório/patrimonial pode ser uma solução para adequar a distribuição de bens de forma justa.

  • A doação é uma importante ferramenta no planejamento sucessório, mas possui limitações legais a serem consideradas.

  • Uma cuidadosa análise dos detalhes de cada caso é essencial para realizar uma doação que beneficie um herdeiro sem anular a operação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

PREVER o futuro não é uma qualidade dos operadores do direito - especialmente considerando a real possibilidade das alterações legislativas, como por exemplo a do atual CÓDIGO CIVIL, como já falamos aqui. De toda forma, pode ser possível tentar adequar a sucessão/transmissão patrimonial às peculiaridades do caso concreto analisado, sobretudo se aceitarmos que a forma de distribuição de bens prevista como "padrão" no Código Civil pode não ser justa para todos os casos, todas as famílias, na medida em que pode não ser adequada para a realidade concreta do interessado (todos são filhos, são iguais, mas efetivamente todos dispensam os mesmos cuidados e atenção aos pais, por exemplo?).

Em casos assim o PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO/PATRIMONIAL pode ser uma solução a ser considerada. Em se tratando de planejamento sucessório/patrimonial diversas ferramentas estão disponibilizadas pela atual legislação, sendo certo que a combinação de alguma delas pode se amoldar perfeitamente para as necessidades dos interessados. Uma importante ferramenta que sempre mereceu destaque é a DOAÇÃO. Nesse sentido a doutrina do mestre J.M. LEONI LOPES DE OLIVEIRA (Direito Civil - Sucessões. 2019) ensina:

"Um modo de planejamento sucessório consiste em o TITULAR de um patrimônio, querendo ainda em vida transferir um bem para um determinado herdeiro, celebrar com ele um CONTRATO DE DOAÇÃO. A doação é um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra".

Esse é o exato conceito do artigo 538 do Código Civil. É preciso destacar que a doação - que pode ser feita de pai para filho sem a necessidade da anuência dos demais filhos, diferentemente da compra e venda - encontra algumas limitações legais que não podem ser ignoradas sob pena de tornar sem efeito a operação pretendida; duas regras importantíssimas estão arroladas nos artigos 548 e 549 do mesmo Código, sendo elas:

"Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento".

Em sede de planejamento sucessório, optando-se pela DOAÇÃO (especialmente de bens imóveis) pode ser possível ao titular favorecer um dos filhos com uma parte maior do que esse teria direito (na hipótese de um inventário), em relação aos demais, sem que isso venha a ser anulado futuramente?

A resposta para essa questão envolve, antes de tudo, uma cuidadosa análise dos detalhes de cada caso. Considerando o imóvel livre e desembaraçado (e, portanto, passível de transmissão da propriedade plena), nada impedirá a realização da Escritura Pública de Doação com a inclusão de algumas cláusulas que poderão de fato amoldar com perfeição às necessidades do interessado (como por exemplo as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade, incomunicabilidade, reversão, dentre outras conforme já comentamos em artigos anteriores). Especificamente para o caso de beneficiar com justiça algum futuro herdeiro (assim considerando, por exemplo, "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade" como aponta frase atribuída a Aristóteles), independentemente de qualquer justificação a Lei autoriza que, respeitada a legítima, possa o titular dos bens inclusive doar patrimônio para um de seus herdeiros. A regra advém da combinação do art. 549 já citado com o art. 1.846 do mesmo Código que determina:

"Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a METADE dos bens da herança, constituindo a legítima".

Nesse sentido, plenamente possível a doação de metade do patrimônio do titular para um de seus herdeiros, desde que preservada a legítima (ou seja, a outra metade) que por lei pertence aos necessários, como visto acima. Importa também anotar que para se evitar colação (ou seja, que o bem seja trazido ao Inventário) é necessário que o ato de liberalidade (ESCRITURA PÚBLICA, por exemplo) contenha cláusula expressa da dispensa da colação e que efetivamente a doação não exceda a parte disponível ao tempo da doação. Assim, o artigo 2.005:

"Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação".

PORTANTO, uma vez lavrada a Escritura de Doação de ascendente em favor de um de seus descendentes, observadas as limitações legais e principalmente, constando do ato notarial a expressa informação da dispensa de colação e de que a liberalidade não ofende a legítima, será plenamente possível beneficiar com mais patrimônio um herdeiro em detrimento dos outros, sem que isso signifique qualquer nulidade, como ratifica a decisão do TJRS:

"TJRS. 50352763120228217000. J. em: 09/06/2022. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. Pretensão de colação de doações feitas pelo autor da herança em favor de descendentes. DISPENSA DE COLAÇÃO constante das respectivas Escrituras Públicas de Doação. 1. Nos termos dos arts. 1.788 e 1.789 do Código Civil de 1916, vigente ao tempo da abertura da sucessão, são DISPENSADAS DA COLAÇÃO as doações que o doador determinar que saiam da METADE DISPONÍVEL, podendo tal dispensa ser outorgada no testamento ou no próprio ato da liberalidade. Desse modo, constando das Escrituras Públicas de Doação relativas a imóveis doados pelo autor da herança a descendentes a EXPRESSA DISPENSA DE COLAÇÃO, não há falar na necessidade de trazer os bens à conferência. (...). Negado provimento, em decisão monocrática".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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