Capa da publicação Radiologia legal: imagens que decidem processos
Capa: Sora
Artigo Destaque dos editores

Perito forense em radiologia legal.

Um primeiro olhar

Exibindo página 1 de 4
13/05/2025 às 18:23
Leia nesta página:

A radiologia legal amplia investigações jurídicas com exames por imagem em contextos forense, jurídico e social. Como garantir a atuação técnica de peritos habilitados em processos judiciais?

Resumo: Este artigo científico oferece uma análise abrangente e interdisciplinar da radiologia legal, destacando sua importância e alcance na sociedade atual. Primeiramente, são delineados os três principais aspectos da radiologia legal: forense, jurídica e social, explorando minuciosamente como cada um contribui para uma compreensão mais profunda das questões radiológicas e para a condução de investigações em casos complexos. No campo jurídico, é evidenciado o papel crucial desempenhado pela radiologia legal na aplicação dos princípios radiológicos, fornecendo informações fundamentadas para a análise de evidências médico-legais e para apoiar a tomada de decisões judiciais. Além disso, são abordados aspectos relacionados ao papel dos auxiliares da justiça na gestão eficiente do sistema judiciário, destacando a relevância de sistemas como o Sistema Eletrônico de Auxiliares da Justiça. Por fim, são examinadas as recentes alterações no Código de Processo Civil, as quais estão diretamente ligadas à nomeação de peritos, com o objetivo de aprimorar o processo de seleção de profissionais qualificados. Este estudo visa contribuir para uma compreensão mais aprofundada das implicações da radiologia legal na sociedade contemporânea, bem como para o avanço do conhecimento nesta área crucial para o campo da justiça e da ciência forense.

Palavras-chave: Radiologia Legal, Aspectos Jurídicos, Sistema Judiciário


1. INTRODUÇÃO

A radiologia legal, inicialmente categorizada por sua divisão disciplinar, se desdobra em três vertentes fundamentais: radiologia forense, que aplica técnicas de radiodiagnóstico em medicina, veterinária, odontologia e indústria; radiologia jurídica, responsável pela interpretação e aplicação de normativas éticas e legais em contextos administrativos, civis, penais, trabalhistas, previdenciários e ambientais; e radiologia social, destacando-se pela natureza inter e multidisciplinar, explorando a interseção entre religião, medicina e outras áreas do conhecimento (Imagem 1). Essas diferentes áreas refletem a amplitude das aplicações da Radiologia Legal e sua importância na sociedade contemporânea (LUZ, 2023).

Imagem 1. Divisão da Radiologia Legal por eixo disciplinar.

Fonte: SILVA, W., 2023, p.29

A radiologia legal desempenha um papel significativo na aplicação dos princípios radiológicos no contexto jurídico, suas áreas de estudo incluem questões ontológicas, axiológicas e aporéticas, expandindo o escopo da ciência. Além disso, ela fornece informações e análises fundamentadas em técnicas radiológicas, desempenhando um papel central na investigação e resolução de questões jurídicas complexas. Ademais, envolve-se em áreas como antropologia patológica forense, contribuindo para a compreensão das condições de saúde e vida de civilizações antigas (LUZ, 2023).

A radiologia legal, expressão abrangente que engloba todo o pensamento e estudos relacionados ao uso de radiações ionizantes e não ionizantes na produção de imagens com propósitos jurídicos, filosóficos e sociais, transcende para disciplinas dedicadas à preservação da memória e do patrimônio, como a curadoria de arte (SILVA, W., 2023, p.13-14).

Figura 1. Classes de perito forense.

Fonte: próprio autor

Os peritos forenses, são divididos em diferentes categorias para atender às diversas demandas legais, dependendo dos interesses tutelados. O perito judicial é selecionado pelo juízo em casos civis, representando a sociedade em disputas legais. Já o perito criminal atua no campo criminal, onde os direitos são protegidos pelo Estado em nome da coletividade. Por fim, o perito particular é contratado para realizar perícias fora do contexto judicial, oferecendo serviços especializados conforme demanda (Figura 1).

Os profissionais responsáveis pela produção de imagens na radiologia forense, conhecidos como técnicos radiológicos, são especialistas em ciências radiológicas legais, integrando o corpo de peritos auxiliares das áreas jurídicas e pesquisas forenses. Essas competências dizem respeito aos conhecimentos essenciais necessários para capacitar técnicos e tecnólogos em radiologia para a realização de atividades periciais, abrangendo aspectos tanto jurídicos quanto específicos. No âmbito jurídico, esses profissionais concentram-se nos elementos contidos no código de processo civil, no código de processo penal e em outros diplomas legais complementares relacionados à atividade pericial. Já os aspectos específicos referem-se aos objetos de atuação das técnicas radiológicas, conforme estabelecido na Resolução nº 2/2012 – CONTER, em conformidade com o Art. 15º. O Tecnólogo em Radiologia tem como atribuição "atuar nos serviços de radiologia forense, colaborando e interagindo com outros profissionais nas áreas forense e jurídica, em processos e expedientes relativos à investigação e solução de crimes ou acidentes.". Embora a resolução seja destinada aos tecnólogos, ela também se aplica aos técnicos, conforme o Art. 1º da Lei nº 7.394/1985, combinado com o Art. 3º, da referida Resolução: "Os procedimentos na área de diagnóstico por imagem na radiologia veterinária, radiologia odontológica e radiologia forense também são definidos como radiodiagnóstico", incluindo a radiologia forense e, consequentemente, a radiologia jurídica.

Conforme estabelecido no parágrafo primeiro do Art. 156. do Código de Processo Civil, onde o juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, os requisitos para tal atribuição são que os peritos sejam nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo Tribunal ao qual o juiz está vinculado.

Portanto, tanto os técnicos quanto os tecnólogos podem atuar no âmbito judicial e criminal, dependendo das exigências contidas no edital de concurso. Normalmente, o cargo de auxiliar técnico forense abrange os técnicos em radiologia e os técnicos em enfermagem. Contudo, para cargos de nível superior requer Federações e a Polícia, não inclui os profissionais no edital com o argumento de não se tratar de graduação, embora a formação em tecnólogo em radiologia como curso de nível superior. Neste sentido, no ano de 2001, a Câmara de Educação Superior (CES), por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE), emitiu um parecer após analisar os Cursos Superiores de Tecnologia no país. Segundo o Parecer CNE/CES 436/2001:

Os Cursos Superiores de Tecnologia são cursos de graduação com características especiais, bem distintos dos tradicionais, cujo acesso se dará por processo seletivo, a critério das instituições que os ministram. Obedecerão às Diretrizes Curriculares Nacionais a serem aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.

Num primeiro momento, os Cursos Superiores de Tecnologia (CSTs) tinham o objetivo de ser uma oferta de cursos superiores de curta duração, sendo assim um caminho mais rápido entre o ensino superior e o mercado de trabalho, ou seja, essa modalidade era entendida como "educação para o trabalho". Ainda sobre a formação nos Cursos Superiores de Tecnologia, segundo o Art. 2º da Resolução CNE/CP nº 03/2002, estes deverão:

I - incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos;

II - incentivar a produção e a inovação científico-tecnológica, e suas respectivas aplicações no mundo do trabalho;

III - desenvolver competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços;

IV - propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias;

V - promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós-graduação;

VI - adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos;

VII - garantir a identidade do perfil profissional de conclusão de curso e da respectiva organização curricular.

Por fim, é importante buscar a integração dos profissionais das técnicas radiológicas como peritos forenses em radiologia legal nos quadros de peritos oficiais em concursos públicos. Atualmente, já há profissionais, sejam técnicos ou tecnólogos em radiologia, nomeados como peritos judiciais em parte dos Tribunais do país por força da resolução CNJ nº 233/16 e do Art. 156. da Lei nº 13.105/15. Assim, apenas a Lei 7.394/85, em conjunto com a Resolução nº 02/2012 - CONTER e outras normativas pertinentes, estão em conformidade com a RDC n° 611 - ANVISA, que estabelece requisitos sanitários para a organização e funcionamento de serviços de radiologia diagnóstica ou intervencionista, além de regular o controle das exposições médicas, ocupacionais e do público decorrentes do uso de tecnologias radiológicas diagnósticas ou intervencionistas, convalidando a atuação do referido profissional tanto no âmbito público quanto privado, por meio de laboratórios clínicos forenses de imagens (LUZ; SIQUEIRA; SILVESTRE, 2022).


2. TÉCNICAS RADIOLÓGICAS NA INVESTIGAÇÃO FORENSE

No Brasil, as técnicas radiológicas têm suas principais aplicações nos Institutos Médicos Legais (IML) e nos Serviços de Verificação de Óbito (SVO). Essas instituições são responsáveis, respectivamente, por fornecer técnicas científicas à Medicina Legal para o julgamento de demandas judiciais e para a identificação de causas de morte e esclarecimento de circunstâncias relacionadas a casos de óbito. Contrariamente ao que se pode imaginar, o trabalho dos IMLs não se limita apenas a casos post-mortem, que representam 30% dos atendimentos na unidade, mas também a casos in vivo (70%), como agressão física, violência doméstica, acidentes de trânsito e de trabalho, entre outros (IML-SP, 2024).

Em exames in vivo, técnicas radiológicas são empregadas com foco principal em duas situações específicas. A primeira diz respeito à investigação de suspeitas de lesões em grupos vulneráveis, como crianças, mulheres, idosos, fauna e flora. No entanto, não se limitam a isso. Exploram outras áreas especializadas, incluindo a Radiologia de Combate e a Cinemática do Trauma Forense. Conforme detalhado no livro "Radiology de Combat" (2010) de Les Lofio, a Radiologia de Combate aplica métodos de imagem médica em ambientes de conflito para diagnóstico e tratamento ágeis de lesões traumáticas. Já a Cinemática do Trauma Forense propõe uma metodologia de previsibilidade dos achados em decorrência de experiências anteriores em eventos traumáticos, visando fornecer evidências cruciais para investigações legais (ANDRADE, 2016; SANTOS, 2013; SILVA, W., 2023, p.84).

A aplicação de técnicas radiológicas em exames in vivo foca principalmente em duas situações específicas. A primeira é a investigação de suspeitas de lesões em grupos vulneráveis como crianças, mulheres e idosos, com o intuito de identificar possíveis casos de agressão física ou violência. A radiologia forense oferece imagens detalhadas que são cruciais para a detecção e documentação de lesões, servindo como evidência vital em investigações criminais. A segunda situação envolve a suspeita de porte ou transporte de armas e substâncias ilícitas dentro do território nacional. Nesses casos, as técnicas radiológicas fornecem uma forma não invasiva de identificar tais elementos, auxiliando assim na segurança pública e no combate a crimes e infrações civis (SÁ; SOUZA; MENDES, 2019; COSTA, et al. 2022).

O Sistema FORSETI (Forensic Autopsy System for Electronic Tribunal Instruments) representa um marco na integração multiprofissional na esfera da medicina legal, unindo médicos legistas e radiologistas forenses em uma plataforma digital altamente eficiente e confiável para a realização de autópsias físicas e virtuais (Imagem 2).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Imagem 2. Operadores e derivação de relatórios de autópsia em atividades forenses

Fonte: WANG; ADACHI; FUJISHIRO, 2022.

Esta plataforma inovadora possui três vertentes principais (WANG, et al. 2021):

  • Elevação do nível de confiabilidade nos laudos médico-legais ao correlacionar dados obtidos tanto pela autópsia física tradicional quanto pela Virtopsy. Esta integração também facilita o acesso dessas informações por autoridades policiais e judiciais (SANTOS; DIAS; SILVA, 2021).

  • Segmentação da autópsia em quatro grandes pilares baseados em análises computacionais: os dois primeiros focam na coleta de dados e na sua gestão, enquanto os dois últimos servem como mecanismos de comparação e disseminação (MALHOTRA; BHATEJA; ARORA, 2020).

  • Instituição de um fluxo de trabalho rigoroso e protocolar, o qual Wang, et al. (2021) definem da seguinte forma: A. Médicos legistas e radiologistas estabelecem protocolos específicos adaptados a cada caso. B. As autópsias convencionais e virtuais são realizadas simultaneamente. O cadáver passa por um exame externo preliminar para classificação e descrição de feridas. C. Paralelamente, são produzidos exames complementares de imagem e anatomopatológicos que se convergem em um relatório final abrangente sobre a causa da morte.

A elaboração dos relatórios finais ocorre por meio de uma integração estratégica de dados físicos e virtuais, que incluem desde modelos tridimensionais até fotografias de feridas e reconstituições virtuais de cenas de crimes ou acidentes. Esta plataforma proporciona um ambiente controlado, coordenado por profissionais médicos radiologistas vinculados a universidades, médicos legistas e patologistas associados aos Departamentos de Investigação. Embora realizem suas análises de forma independente, também participam policiais encarregados da investigação e juízes que avaliam e ponderam os dados durante seus julgamentos. Além disso, técnicos e tecnólogos em radiologia seguem um sistema semelhante ao Picture Archiving and Communication System (PACS) (SANTOS; DIAS; SILVA, 2021; WANG; ADACHI; FUJISHIRO, 2022).

Para lidar com essas situações, a Radiologia Forense utiliza tanto elementos externos, como fotografias e medições de superfície, quanto elementos internos, como exames de imagem, minimamente invasivos (AMI) e documentais (Tabela 1). Externamente, técnicas como fotogrametria e estereofotogrametria são empregadas para classificação, mensuração e documentação das lesões. A fotogrametria é a ciência que estuda as medidas de superfícies por meio de fotografias, sejam elas aéreas ou terrestres. Já a estereofotogrametria é uma ferramenta que permite transformar essas fotografias em uma imagem tridimensional (3D) ( RIBAS, et al. 2022).

Tabela 1. Métodos de investigação interna, externa, minimamente invasiva e documental por imagem

Metodologias de Investigação por Imagens in vivo e post-mortem:

  • Internas:

    • Radiografia Convencional e Digital

    • Tomografia por Emissão de Positrões (PET)

    • Tomografia Computadorizada:

      • Microtomografia

      • Angiografia Digital por Subtração

      • Multienergia (Dual Energy):

        • Espectral Multi Energia

        • Geometria Inversa Volumétrica

        • Plano C-arm

    • Ressonância Magnética:

      • Microressonância

      • Angioressonância

      • Espectroscopia

    • Imagens por Partículas Magnéticas - IPM

    • Densitometria Óssea

    • Ultrassonografia

  • Externas:

    • Medições à mão

    • Fotografia Médica

    • Imagem Térmica

    • Fotogrametria

    • Estereofotogrametria

    • Scanner de superfície

    • Scanner a laser:

      • Varredura a laser terrestre

    • Taquimetria

    • Sistema de Posicionamento Global - GPS

  • Autópsia Minimamente Invasiva (AMI):

    • Guiada por Tomografia Computadorizada

    • Guiada por Ultrassonografia:

      • Us-AMI, Ecopsia

    • Minimamente Invasiva Multimodal

    • Autópsia Laparoscópica

  • Documental:

    • Investigação Profissional Civil

    • Autópsia Oral

    • Autópsia Sanitária Processual

    • Autópsia Psicológica

Fonte: adaptada de SILVA, W., 2023, p. 25.

A estereofotogrametria, introduzida inicialmente no Instituto de Medicina de Berna em 1996, oferece vantagens significativas, permitindo visualizar uma estrutura em três dimensões sem alterar seu estado inicial. Isso representa um avanço para o desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas. A capacidade das técnicas de imagem em fornecer informações tridimensionais constitui uma superioridade peculiar em relação a outros meios de produção de provas (RIBAS, 2022).

A aplicação da radiologia forense in vivo também tem sido utilizada como método de fiscalização em entidades governamentais e privadas, com o objetivo de atestar a segurança dos usuários e prevenir o transporte de armas e substâncias ilícitas. No entanto, é importante ressaltar que muitas vezes essa prática é erroneamente vinculada ao campo da radiologia forense, quando na verdade os fundamentos para a aplicação dessas técnicas estão relacionados ao âmbito jurídico, e não essencialmente ao industrial (SANTOS; SILVA; SILVA; SALES, 2020).

A aplicação das técnicas radiológicas no post-mortem, ou seja, após a decretação da morte do indivíduo, é frequentemente requisitada para complementar a autópsia e identificar possíveis doenças ou traumatismos, independentemente de terem sido a causa do óbito. Um dos métodos utilizados é a tomografia computadorizada (TC), cujo primeiro estudo em cadáveres humanos ocorreu em 1977, descrevendo casos de lesões cranianas por arma de fogo (RIBAS, 2022).

O uso da radiografia em processos judiciais teve seu marco inicial na América do Norte, quando, na véspera de Natal de 1895, o Sr. Cunning foi alvejado nas pernas por George Holder. Após uma tentativa inicial mal sucedida de localizar o projétil, e diante da persistência dos sintomas do Sr. Cunning, apesar da aparente cicatrização da ferida, o cirurgião solicitou a ajuda de John Cox, professor de física da Universidade McGill, para realizar uma radiografia do membro ferido. Após uma exposição de 45 minutos, a radiografia revelou a localização do projétil entre a tíbia e a fíbula, permitindo ao cirurgião remover o projétil e ao Sr. Cunning obter evidências da tentativa de homicídio (BROGDON, 2011, p.12).

A partir de 1983, começaram a ser realizados estudos utilizando a injeção de um meio de contraste para a realização da angiotomografia computadorizada post-mortem (Virtangio). Somente em 2003, pesquisadores da Universidade de Berna, na Suíça, combinaram métodos de imagem modernos, como a TC, a ressonância magnética (RM) e a fotogrametria, para realizar necropsias minimamente invasivas em todo o corpo, criando assim o termo "virtopsy". Esse método permite a análise interna do corpo humano sem a necessidade de abri-lo, utilizando a TC, a RM e a reconstrução tridimensional do cadáver décadas após o enterro e a liberação da cena (RIBAS, et al., 2022; LUZ; SIQUEIRA; SIDNEY; SILVESTRE, 2024).

Estas técnicas fornecem uma visão abrangente do corpo, permitindo a identificação de patologias e manipulação das imagens para contribuir com o laudo final. Ao comparar os achados tomográficos do cadáver com os da vítima suspeita, observaram-se coincidências nas dimensões morfológicas das estruturas do corpo humano, como as cavidades paranasais, o que viabiliza a identificação positiva do cadáver sem a necessidade de exames genéticos (THALI; DIRNHOFER; VOCK, 2009, p. 65-92).

A TC oferece uma representação abrangente do corpo e suas patologias. Ao contrário da radiografia, a TC fornece uma visualização tridimensional dos órgãos e tecidos. Seu feixe de raios-X é emitido enquanto ocorre um movimento circular no indivíduo, produzindo feixes de raios com formato de leque. Os detectores convertem o sinal elétrico em imagens, que podem ser manipuladas para distinguir a massa cinzenta da massa branca, auxiliando assim no laudo final. Comparando os achados tomográficos do cadáver com os da vítima suspeita, foram encontradas coincidências nas dimensões morfológicas de estruturas do corpo humano, como as cavidades paranasais, o que permitiu a identificação positiva do cadáver sem a necessidade de exames genéticos (SÁ, et al. 2021; FILHO, 2021).

A RM é uma ferramenta de diagnóstico não invasiva que utiliza sinais de radiofrequência emitidos por núcleos de hidrogênio nos tecidos quando expostos a fortes campos magnéticos e pulsos de radiofrequência. Esta técnica de imagem proporciona alto contraste de tecidos moles sem radiação ionizante, tornando-a adequada para comparar imagens antes e depois da morte. Apesar de ser considerada cara, a ressonância magnética evoluiu com avanços como a ressonância magnética dinâmica com contraste e a ressonância magnética de difusão e perfusão, aprimorando suas aplicações clínicas no diagnóstico de diversas doenças, como epilepsia, acidente vascular cerebral e câncer. A versatilidade da técnica se estende à espectroscopia de RM in vivo, possibilitando o estudo de processos metabólicos em humanos e oferecendo uma ampla gama de aplicações na medicina clínica (ALVES; FARJE, 2021; BERLATO; SILVA, 2022).

A espectroscopia de RM é uma ferramenta valiosa para investigar metabólitos cerebrais em cenários in vivo e post-mortem. Embora seja usada principalmente para detecção não invasiva de metabólitos cerebrais em indivíduos vivos, a espectroscopia de ressonância magnética in situ post-mortem mostrou-se promissora em patologia forense, particularmente na estimativa do intervalo post-mortem e na análise do padrão metabolômico do cérebro. Essa técnica tem potencial para quantificar metabólitos específicos como etanol, glicose e beta-hidroxibutirato, o que pode auxiliar na determinação da causa da morte em casos forenses. No entanto, a aplicação atual é limitada a alguns metabólitos, com perspectivas futuras visando analisar todo o perfil metabolômico para insights mais abrangentes (CAVALLARI; PICKA, 2017; THALI, et al. 2003).

A tecnologia de digitalização 3D desempenha um papel crucial em vários campos, incluindo medicina e ciência forense. Ele permite a supervisão de imagens tridimensionais, auxiliando em tarefas como planejamento pré-operatório em estomatologia, avaliando o conhecimento e a prática de profissionais forenses na Índia, reconstruindo a anatomia do membro superior para aplicações biomédicas e estudando células e tecidos de forma não invasiva. Por meio da digitalização 3D, os tecidos moles podem ser processados ​​virtualmente, permitindo a avaliação do volume, ângulo, estrutura molecular, análise de fratura e avaliação do caminho. Essa tecnologia não apenas aprimora os processos de diagnóstico e tratamento, mas também revoluciona as práticas investigativas, oferecendo informações fornecidas sobre estruturas anatômicas e facilitando conclusões e análises precisas (CAVALLARI; PICKA, 2017; THALI, 2003).

A RM é de fato superior à TC em vários aspectos relacionados às investigações forenses de danos a projéteis. Ele fornece uma visualização superior de lesões de tecidos moles, ajuda na identificação de projetos não ferromagnéticos como chumbo com artefatos mínimos e auxilia no detalhamento do canal da ferida e lesões nos tecidos moles. A ressonância magnética também permite a representação de efeitos balísticos em vítimas de armas de fogo, como a rapidez da morte e a incapacitação da vítima por meio da visualização de lesões do tronco cerebral de forma não invasiva. Além disso, a ressonância magnética pode ajudar na diferenciação entre vários tecidos, como músculos, gordura e sangue, fornecendo informações valiosas sobre a extensão das lesões em casos graves envolvidos em danos por projéteis (BERLATO; SILVA, 2022).

A técnica de RM post-mortem também beneficia os patologistas, especialmente no que se refere a lesões em tecidos moles, como hemorragias, hematomas subcutâneos, lesões cerebrais e pulmonares. Estudos comparativos com necropsia convencional revelaram uma sensibilidade de 100% da ressonância magnética em casos de pneumotórax, hemorragia retroperitoneal, lacerações de aorta abdominal e fraturas em extremidades de membros inferiores. Embora a técnica não seja recomendada como substituto total da necropsia convencional, foram identificadas apenas pelas imagens de ressonância sete fraturas de crânio que não haviam sido identificadas na necropsia forense (MALHOTRA; BHATEJA; ARORA, 2020; SURABHI; BHATEJA; ARORA, 2019).

A RM pode ser uma alternativa para substituir a autópsia convencional em crianças e neonatos, especialmente para famílias que não autorizam o exame invasivo. Estudos demonstraram que 41% das necropsias minimamente invasivas realizadas por meio da RM não precisam de necropsia convencional. A técnica também auxilia no diagnóstico de alterações neurológicas em fetos com menos de 24 semanas de gestação, nos quais a autólise dificulta as análises patológicas. No entanto, a acurácia da técnica é menor em crianças mais velhas (MALHOTRA; BHATEJA; ARORA, 2020; SURABHI; BHATEJA; ARORA, 2019).

Embora seja um tema delicado, não podemos ignorar sua importância. Minhas pesquisas apontam que procedimentos invasivos são extremamente sensíveis e talvez inadequados para serem discutidos em detalhe neste ambiente acadêmico. Uma simples busca no YouTube com palavras-chave como 'autópsia em crianças' revela procedimentos que podem ser considerados chocantes para alguns. Uma sociedade que visa a construir um futuro respeitável deve igualmente honrar e proteger seu passado. Isso inclui fornecer proteção adicional às populações mais vulneráveis, como crianças e idosos. Nós, que trabalhamos como auxiliares da justiça, devemos ser os primeiros a adotar práticas que não apenas solucionem crimes e esclareçam dúvidas, mas também validem o respeito à dignidade humana.

Em relação à temperatura dos cadáveres, é relevante considerar as variações que a RM pode apresentar. Estudos avaliaram a interferência da temperatura corporal no contraste das imagens e concluíram que baixas temperaturas (menos de 10°C) podem alterar o contraste entre gordura e músculo, mas melhoram o contraste entre água e músculo, bem como entre água e gordura. Essas informações podem auxiliar na identificação de lesões e determinação da causa mortis (THALI; DIRNHOFER; VOCK, 2009, p.81-92).

No contexto de segurança, a RM também é comumente utilizada como exame de investigação em malas e pessoas suspeitas de portar drogas ou objetos ilícitos. Pode-se realizar exames de radiografia no abdômen para detectar drogas em cápsulas, além de identificar celulares, armas de fogo e dispositivos eletrônicos ocultos em alimentos e roupas pessoais (CAPARROZ; MERCHER, 2023; GUMIERI, 2019).

As autópsias convencionais continuam a ser consideradas o padrão-ouro para garantir a qualidade da avaliação post-mortem e contribuem significativamente para o acúmulo de conhecimento sobre doenças. Diante da diminuição contínua das taxas de autópsia, foram introduzidos métodos não invasivos ou minimamente invasivos (AMI). Entre esses métodos, a ultrassonografia destaca-se como uma ferramenta estabelecida na prática clínica.

No entanto, a aplicação da ultrassonografia na ecopsia é desafiada pela ocorrência de fenômenos cadavéricos que podem levar à acumulação de gases e à liquefação dos tecidos moles, dificultando a diferenciação de anomalias estruturais ou funcionais devido à heterogeneidade resultante. Além disso, a obtenção de material de determinados órgãos ou tecidos sem o auxílio de um meio de imagem pode comprometer a confiabilidade em comparação com a autópsia convencional (FARIÑA; MILLANA; FDEZ-ACEÑERO., 2002).

Para melhorar a confiabilidade e a sensibilidade do diagnóstico, o Departamento de Patologia II do Hospital Clínico de Madrid, Espanha, desenvolveu a autópsia por agulha guiada por ultrassonografia ou Ecopsy. Um estudo conduzido por Fariña J., Millana C., Fdez-Aceñero M.J., et al. (2002) relatou os resultados dos primeiros 100 casos de ecopsia realizados neste departamento, comparando-os com as técnicas de autópsia convencional em um estudo duplo-cego. Observou-se uma taxa de concordância de 83% para a causa da morte e o principal diagnóstico patológico entre a ecopsia e a autópsia clássica, o que sugere que a ecopsia pode ser uma alternativa viável e confiável, especialmente em situações em que as famílias se recusam a consentir com a autópsia convencional, devido a razões religiosas, filosóficas, culturais ou em casos de doenças infecciosas (FARIÑA; MILLANA; FDEZ-ACEÑERO., 2002).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Wendell da Luz Silva

Master in Medical Law, with emphasis in Forensic Medical Documentation, from the University of Santo Amaro UNISA (2024). Master's student in Radiation Technology in Health Sciences at the Institute for Energy and Nuclear Research IPEN/CNEN-SP. Bachelor of Laws from Paulista University and Associate Degree in Radiology Technology. Researcher in Forensic Radiology and Imaging in Veterinary Medicine projects at the São Paulo State University UNESP, as well as in the Fundamental Rights and Legal Regime of Health project at the University of Santo Amaro UNISA. Served as a professor of Forensic Radiology at the Continuing Education School of the Hospital das Clínicas of São Paulo EEP-HCFMUSP. Has experience in the area of Forensic Radiology, with emphasis in social radiology, legal radiology, forensic radiology, and diagnostic imaging. Acts as an Assistant of Justice at the Court of Justice of the State of São Paulo (nº 29.811). Is a member of the Paulista Society of Radiology and Diagnostic Imaging SPR (2023-2025). Commander by the Brazilian Association of Leadership (2023). Brazil Excellence and Quality Award 2023, Professional of the Year category, National Highlight and Social Merit.CEO da Pétalas de Banzo - Assessoria Técnica e Radiológica; Perito Judicial e Assistente Técnico em Radiologia Legal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Wendell Luz. Perito forense em radiologia legal.: Um primeiro olhar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7986, 13 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110115. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos