Radiologia Legal e Forense: Palavras, Significados e Inovações no Campo Científico

08/07/2024 às 17:31
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RESUMO

Este artigo discute a evolução e importância da radiologia forense como ferramenta crucial na resolução de questões legais. Inicialmente, é explorada a etimologia da palavra "radiologia" e sua adição do termo "legal", evidenciando sua conexão direta com questões jurídicas. Comparando "radiologia legal" e "radiologia forense", são destacadas suas diferenças conceituais e metodológicas, ressaltando a importância desta última na disponibilização de evidências para casos perante tribunais. O texto revisa marcos históricos da radiologia forense, desde sua introdução nos tribunais até sua aceitação como prova válida. Explora também as diversas aplicações da radiologia forense em áreas como direito civil, penal e trabalhista. Além disso, destaca iniciativas recentes, como o Sistema FORSETI, que promove a integração entre médicos legistas e radiologistas para enriquecer a investigação forense.

Palavras chaves: Radiologia Legal, Radiologia Forense, Radiologia Médica.

Ao longo do tempo, as palavras têm passado por metamorfoses, alterando seus significados e evoluindo de acordo com o contexto histórico e cultural. Quando adotamos uma perspectiva filológica, mergulhamos nos fundamentos de ramos científicos distintos, e é nesse contexto que a radiologia assume um papel de destaque. Como uma das subespecialidades da medicina, a radiologia desempenha um papel crucial na análise de corpos opacos por meio de radiações ionizantes e não ionizantes, contribuindo para a promoção do bem-estar e da saúde em organismos vivos (Dettmeyer, R. B, 2020, p. 399-415).

Ao explorarmos a etimologia da palavra "radiologia", deparamo-nos com suas origens nas palavras latinas "radius", que significa "raio", e "logia", que se refere ao estudo de um assunto específico. Essa análise revela que a radiologia é o campo do conhecimento dedicado à análise e estudo das radiações (ação ou efeito de irradiar), com um foco particular nas radiações ionizantes usadas na obtenção de imagens médicas a fim de observar alterações a nível tecidual (Thali; Dirnhofer; Vock, 2009, p.3-9; Luz, 2023).

Com isso, a adição do sufixo "legal" aos termos "radiologia legal" transmite a intenção dessas disciplinas de estabelecer novos conhecimentos com metodologias próprias e inovadoras, especializando os objetos em seus campos principais. A expressão "legal" acentua a conexão direta com questões jurídicas, considerando os problemas essenciais das disciplinas primárias, como a medicina legal, a odontologia legal e a medicina veterinária legal (Santos; Dias; Silva, 2021; Luz, 2023).

A reflexão sobre a primeira parte do título "radiologia legal" nos direciona ao cerne da disciplina. Ela se concentra na aplicação dos conhecimentos radiológicos no contexto jurídico, com o objetivo de fornecer evidências e embasamento técnico para investigações e resoluções de questões ligadas à justiça. A radiologia legal se torna uma ferramenta de grande importância no âmbito forense, permitindo a avaliação e interpretação de imagens radiológicas que desempenham um papel fundamental na resolução de questões civis, médicas, previdenciárias, criminais, trabalhistas e administrativas, entre outras de grande relevância para a justiça (Santos; Dias; Silva, 2021).

Entretanto, se optássemos pelo termo "radiologia forense," estaríamos abordando uma perspectiva metodológica. A palavra "forense," de origem latina ("forum"), está intrinsecamente ligada aos tribunais e locais públicos onde ocorriam julgamentos. Assim, a escolha dessa terminologia está relacionada à ideia de fornecer evidências e apoio técnico para a resolução de questões legais perante um tribunal ou de interesse público. É importante notar que "forense" não se limita a simplesmente tornar algo público; ele engloba a aplicação de métodos e técnicas científicas já estabelecidas na investigação, análise e interpretação de evidências em diversos contextos jurídicos, contribuindo para a busca da verdade, da justiça e para a resolução de casos complexos.

É importante ressaltar que o autor Brogdon (2011, p. 8), uma das principais autoridades sobre o assunto, não define explicitamente a radiologia legal, mas sim a radiologia forense. Ele a compreende como "a especialidade médica da radiologia aplicada para ajudar a responder questões que surgem no âmbito jurídico." De acordo com Brogdon, o surgimento da radiologia forense não está necessariamente relacionado à superação de fatos científicos, mas sim à disponibilidade do uso de equipamentos de alto custo em pesquisas patológicas.

Uma contribuição relevante adicional vem dos trabalhos de Michael J. Thali, Richard Dirnhofer e Peter Vock (2009), que abordam a disciplina a partir de suas técnicas de investigação. Esses autores introduziram o termo "Virtopsy", uma expressão híbrida que combina "virtual" e "autópsia". Essa terminologia foi criada para descrever uma abordagem inovadora que combina elementos da autópsia tradicional com tecnologias avançadas de imagem (Thali et al., 2007).

Ao explorar a etimologia do termo "Virtopsy," derivado de "autos" (próprio, seu) e "opsomei" (ver com os próprios olhos), Thali, Dirnhofer e Vock destacam a importância de visualizar e examinar de maneira direta e precisa os elementos relevantes para a investigação médico-legal, reduzindo a subjetividade das percepções do profissional.

À medida que a radiologia forense evoluiu, tanto a metodologia quanto o entendimento conceitual passaram por transformações significativas. Essas mudanças foram impulsionadas pela tecnologia desde as primeiras aplicações sociais. Um marco inicial ocorreu quando a tecnologia de raios-X revelou o verdadeiro conteúdo de uma múmia egípcia, anteriormente acreditada como humana, ocultando, na verdade, um grande pássaro, em 1896 (Lo Re, et al., 2020, p.1).

A primeira incursão judicial da radiologia ocorreu na véspera de Natal de 1895, na América do Norte, quando o Sr. Tolson Cunning foi baleado. Após tentativas mal sucedidas de um cirurgião para remover o projétil, um professor de física, John Cox, utilizou a radiologia para expor a localização do artefato. A imagem radiológica permitiu sua remoção, fornecendo evidências cruciais em um caso de tentativa de homicídio (Lo Re, et al., 2020, p.2; Brogdon, 2011, p.13).

Nos tribunais ingleses, a introdução da radiologia ocorreu em um caso de danos pessoais, no qual a atriz de comédia senhorita Ffolliott sofreu uma lesão grave em seu pé esquerdo. A radiografia foi apresentada como evidência e representou um marco na história da radiologia forense (Brogdon, 2011, p. 13).

Nos Estados Unidos, a aceitação de evidências de raios-X em um tribunal civil teve início em Denver, Colorado, quando James Smith, um escriturário em dificuldades financeiras, buscou atendimento médico após cair de uma escada enquanto podava uma árvore. A radiologia desempenhou um papel crucial nesse caso, quando alegações de negligência médica foram feitas contra o Dr. W. W. Grant (Brogdon, 2011, p. 14).

Apesar das iniciais reservas quanto à radiologia forense nos tribunais devido à natureza invisível dos raios-X, com o tempo, essa técnica conquistou a confiança do sistema judiciário, demonstrando seu valor na busca pela verdade e na administração da justiça (Brogdon, 2011).

As aplicações da radiologia forense abrangem diversas áreas legais, desde casos de direito civil, nos quais é utilizada para perícias em danos morais e materiais, até o direito penal, onde auxilia na determinação das causas de óbito e classificação de lesões em indivíduos vivos. Além disso, desempenha um papel fundamental no direito trabalhista, ao avaliar o nexo de causalidade entre a exposição a radiações e danos biológicos ocupacionais (Da Luz Silva, W.; Siqueira Dias, R., 2023).

A iniciativa do Sistema de Autópsia Forense para Instrumentos de Tribunal Eletrônico (FORSETI) é um exemplo desse avanço, promovendo a cooperação entre médicos legistas e radiologistas, resultando em relatórios integrados que enriquecem a investigação forense (Da Luz Silva, W.; Siqueira Dias, R.; Silvestre Figueiredo dos Santos, A., 2023). A utilização de dados integrados, a definição de protocolos específicos e a produção de relatórios que combinam informações físicas e virtuais são passos importantes nesse processo (Wang et al., 2021).

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Referências bibliográficas

Brogdon, G. Forensic radiology. 2. ed. Boca Raton: CRC Press, 2011.

Da Luz Silva, W.; Siqueira Dias, R.; Silvestre Figueiredo dos Santos, A. Ciências radiológicas legais. RECISATEC - REVISTA CIENTÍFICA SAÚDE E TECNOLOGIA - ISSN 2763-8405, [S. l.], v. 2, n. 10, p. e210182, 2022. DOI: 10.53612/recisatec.v2i10.182. Disponível em: https://recisatec.com.br/index.php/recisatec/article/view/182. Acesso em: 29 out. 2023.

Da Luz Silva, W. Ensaios ontológicos da radiologia legal. Recisatec - Revista Científica Saúde e Tecnologia - ISSN 2763-8405, v. 3, n. 4, e34274, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.53612/recisatec.v3i4.274. Acesso em: 29 out. 2023.

Da Luz Silva, W.; Siqueira Dias, R. Os honorários periciais e a atuação do perito judicial em ciências radiológicas legais. RECISATEC - REVISTA CIENTÍFICA SAÚDE E TECNOLOGIA - ISSN 2763-8405, [S. l.], v. 2, n. 9, p. e29181, 2022. DOI: 10.53612/recisatec.v2i9.181. Disponível em: https://recisatec.com.br/index.php/recisatec/article/view/181. Acesso em: 29 out. 2023.

Dettmeyer, R. B. Clinical forensic medicine: a physician's guide. 4ª ed. Berlin and Heidelberg: Springer-Verlag Berlin and Heidelberg GmbH & Co. KG, 2020.

Folio, L. R. Combat Radiology: Diagnostic Imaging of Blast and Ballistic Injuries. 1ª ed. Springer, New York/NY, 2010.

Levy, Angela D.; Harcke, H. Theodore. Essentials of Forensic Imaging: A Text-Atlas. Local de publicação: CRC Press, Taylor & Francis Group, 2011. ISBN: 978-1-4200-9112-0.

Lo Re, Giuseppe; Argo, Antonina; Midiri, Massimo; Cattaneo, Cristina (Eds.). Radiology in Forensic Medicine: From Identification to Post-mortem Imaging. ISBN 978-3-319-96736-3. ISBN 978-3-319-96737-0 (eBook). DOI: https://doi.org/10.1007/978-3-319-96737-0. Springer Nature Switzerland AG, 2020.

Santos, A. S. F. dos; Dias, R. S.; Silva, W. da L. Imaging protocols for the autopsy service in a time of pandemic emergency minimizing the contagion of SARS-CoV-2 expert government agents. Research, Society and Development, v. 10, n. 6, e28810615860, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i6.15860.

Thali, Michael J.; Dirnhofer, Richard; Vock, Peter. The virtopsy approach 3D: Optical and Radiological Scanning and Reconstruction in Forensic Medicine. 1ª ed. Flórida, EUA: Editora CRC Press LLC, 2009.

Thali, MJ; Jackowski C; Oesterhelweg L; Ross SG; Dirnhofer R. VIRTOPSY - the Swiss virtual autopsy approach. Leg Med (Tokyo), 2007.

Wang, B.; Asayama, Y.; Boussejra, M. O.; Shojo, H.; Adachi, N.; Fujishiro, I. "FORSETI: a visual analysis environment for authoring autopsy reports in extended legal medicine markup language." The Visual Computer: International Journal of Computer Graphics, v. 37, n. 12, p. 2951-2963, dezembro de 2021.

Sobre o autor
Wendell Da Luz Silva

Mestre em Direito Médico pela Universidade de Santo Amaro - UNISA; Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem - SPR; Professor de Radiologia Forense na Escola de Educação Permanente do Hospital das Clínicas - EEP HCFMUSP; CEO da Pétalas de Banzo - Assessoria Técnica e Radiológica; Perito Judicial e Assistente Técnico em Radiologia Legal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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