Por: Estela Riggio1
NATUREZA JURÍDICA DO DEPÓSITO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
Embora a obrigação tributária advenha da ocorrência do fato gerador, a exigência do pagamento do tributo só pode surgir após a constituição definitiva do crédito tributário com o lançamento.
É a partir daí que passa a ser possível a suspensão da exigibilidade, conforme expressa previsão legal já vista anteriormente, por meio de, dentre outras depósito do montante integral do débito, sendo este uma faculdade do contribuinte.
Basicamente, o depósito em matéria tributária possui a natureza jurídica de uma garantia, prestada pelo contribuinte para suspender a exigibilidade do crédito tributário, conforme previsto no artigo 151, II do CTN.
Paulo de Barros Carvalho (2021) assim afirma:
O depósito, pelo sujeito passivo, da importância relativa ao crédito tributário, pode ser promovido em dois momentos distintos: a) no curso do procedimento administrativo; e b) no processo judicial. Não se configura uma diligência obrigatória e, na primeira eventualidade, tem unicamente o efeito de evitar a atualização do valor monetário da dívida (correção monetária). Na segunda hipótese, além do depósito impedir o ajuizamento da ação de execução, por parte da Fazenda Pública, manifestando seu efeito suspensivo da exigibilidade, também previne a incidência da correção monetária.
É somente quando efetuado na esfera judiciária que surge o depósito do montante integral da dívida como causa suspensiva da exigibilidade, posto que feito perante a Administração, seja ao impugnar o lançamento, seja ao interpor recurso aos órgãos superiores, a virtude suspensiva já está assegurada por tais expedientes.2
O depósito, além de gerar automaticamente a suspensão da exigibilidade, permite ao contribuinte contestar a cobrança sem sofrer imediatamente as consequências do não pagamento. Este mecanismo é importante, pois é uma maneira de equilibrar os interesses do Fisco e dos contribuintes, garantindo a segurança jurídica e a justiça na cobrança de tributos.
Ressalte-se, no entanto, que o depósito não pode ser tido como pagamento do tributo, sob pena de configurar modalidade de extinção do crédito tributário (artigo 156, I do CTN), ao invés de suspensão. Além disso, não se confunde com a ação de consignação em pagamento em matéria tributária, caso em que o contribuinte deseja pagar o tributo em face de uma recusa do Fisco. Não há suspensão da exigibilidade do crédito tributário na ação consignatória, pois o contribuinte deposita o valor que considera devido justamente com o intuito de quitar o débito.
Neste viés, Luciano Amaro (2011) afirma que o depósito não é o pagamento, mas a garantia dada ao credor por um devedor, decorrente de uma obrigação tributária. Portanto, se o depositante sucumbe, o valor depositado será levantado pelo credor após decisão definitiva, extinguindo-se a obrigação tributária em questão.3
Hugo de Brito Machado, por sua vez, reforça essa natureza de garantia do depósito quando leciona, em sua obra, que o depósito é ato do contribuinte que,
(...) O depósito a que se refere o artigo 151, II do CTN é um ato voluntário do sujeito passivo da obrigação tributária que pretenda ter suspensa a exigibilidade do crédito tributário ou do dever de efetuar o pagamento antecipado do tributo, nos casos em que este e legalmente exigido.4
No entanto, entendemos que o objetivo do depósito é suspender a exigibilidade do crédito tributário sendo, nada mais que um pagamento antecipado da dívida tributária sob condição resolutória. Se o tributo for considerado indevido, o valor será devolvido ao depositante e, se a cobrança for considerada legítima, o pagamento será convertido em renda para o Fisco.
DEPÓSITO ADMINISTRATIVO X DEPÓSITO JUDICIAL
A diferença entre depósito judicial e administrativo em matéria tributária está relacionada ao momento e aos efeitos dessas medidas nestas esferas. Apesar do foco do presente trabalho ser o depósito realizado no curso de processo judicial, que será melhor destrinchado nos capítulos posteriores, para facilitar a compreensão e a visualização, abaixo as principais distinções entre ambos:
Depósito Administrativo:
Finalidade: O depósito administrativo é realizado perante a autoridade fiscal (como a Receita Federal e as Secretarias de Fazenda Estaduais), após a constituição do crédito tributário pelo lançamento, pois é somente após a inserção da norma individual e concreta é que o contribuinte saberá o valor que estará sendo cobrado e poderá efetivar o depósito;
Requisitos e Procedimento: O depósito administrativo segue requisitos estabelecidos pela legislação tributária e é feito diretamente na repartição fiscal competente. Geralmente, o contribuinte realiza o depósito acompanhado de uma impugnação/defesa administrativa formal.
Suspensão da Exigibilidade: O depósito administrativo suspende automaticamente a exigibilidade do crédito tributário, podendo evitar até o aforamento de Execução Fiscal por parte do Fisco.
Depósito Judicial:
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Finalidade: O depósito judicial é realizado perante o Poder Judiciário como parte de um processo judicial em curso. Ele é utilizado pelo contribuinte para contestar judicialmente a exigibilidade ou legalidade de um crédito tributário;
Requisitos e Procedimento: O depósito judicial deve seguir os requisitos estabelecidos pela legislação processual e tributária aplicável. Geralmente, o contribuinte deposita o valor contestado em uma conta judicial específica, autorizada pelo tribunal competente.
Suspensão da Exigibilidade: O depósito judicial tem suspende automaticamente a exigibilidade do crédito tributário discutido, enquanto o processo está em andamento. Isso evita que o fisco adote medidas coercitivas de cobrança, como protesto ou inscrição em dívida ativa, exceto se for realizado no curso de uma Execução Fiscal.5
Em resumo, o depósito administrativo ocorre no âmbito da administração tributária como parte do procedimento de impugnação administrativa após a constituição do crédito tributário, enquanto o depósito judicial em matéria ocorre no âmbito de um processo judicial para contestar a exigência do tributo.6
O DEPÓSITO JUDICIAL COMO DIREITO SUBJETIVO DO CONTRIBUINTE (SÚMULA VINCULANTE 28 DO STF)
A respeito do art. 151, II, do CTN, é consenso entre a jurisprudência e a doutrina brasileira, que o contribuinte tem o direito subjetivo de realizar o depósito do valor considerado devido pelo Fisco. Isso significa que ele pode, mediante este ato, suspender automaticamente a exigibilidade do crédito tributário, independentemente de decisão judicial homologatória, para evitar a cobrança do tributo e a incidência da correção monetária.
Oportuno consignar que o tema em questão recebe o seguinte tratamento por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR. DEPÓSITO INTEGRAL DO VALOR DA DÍVIDA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DESNECESSIDADE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. 1. O depósito de que trata o art. 151, II, do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo. 2. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação. 3. Agravo Regimental não provido.7
Nesta linha de pensamento, reforçando ainda mais este direito subjetivo e a não obrigatoriedade do depósito, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 28 que assim dispõe: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.”
A exigência de depósito prévio como requisito para o manejo de ações viola não só o referido direito subjetivo mencionado anteriormente, como o princípio do acesso à justiça, consubstanciado no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. O precedente base desta súmula é a ADI nº 1074, na qual o STF julgou ser inconstitucional o art. 19 da Lei n. 8.870/94, que impunha a realização de depósito prévio do valor supostamente devido como condição para propor eventual ação que tenha por objeto discutir crédito tributário.
FORMA, REQUISITOS E EFEITOS DO DEPÓSITO JUDICIAL (SÚMULA 112 DO STJ)
Atualmente, é pacífico o entendimento manifestado na jurisprudência pátria no sentido de que somente o depósito integral e em dinheiro é capaz de desempenhar o objetivo principal deste mecanismo, que é impedir a exigibilidade do crédito tributário.
Neste sentido é que foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 112 que dispõe que “depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”.
O termo “montante integral” expresso tanto na Súmula quanto na lei (artigo 151, II), é aquele calculado pela Fazenda Pública, e não o valor que o contribuinte considera justo. Para que suspenda a exigibilidade do crédito, o depósito tem de ser suficiente, a fim de garantir o crédito tributário, acautelando os interesses fazendários8. Aliás, neste sentido, expressa Hugo de Brito Machado (2022), que a efetivação do depósito:
(...) não significa, de modo algum, que o depositante esteja de acordo com a pretensão da Fazenda. Muito pelo contrário, o depositante geralmente se opõe a ela. Ou, mais exatamente, o valor a ser depositado para suspender a exigibilidade do crédito tributário ou do dever jurídico de fazer o pagamento antecipado é aquele que o depositante considera indevido.9
Com relação à forma que o depósito judicial deve ser realizado, a Súmula acima transcrita não deixa dúvidas que deve ser em espécie, dinheiro, que traduz sua característica mais marcante: a liquidez.
Pois bem. Para que o depósito judicial nas ações tributárias surta o efeito pretendido é necessário que se cumpram alguns requisitos:
Valor Correto: O depósito deve ser feito no valor integral do tributo. É fundamental que o valor depositado seja exato e corresponda ao montante devido conforme o lançamento fiscal, calculado pela autoridade fiscalizadora. Caso o depósito seja realizado em valor parcial, o contribuinte corre o risco de não ter a exigibilidade do crédito suspensa;
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Instituição Financeira Autorizada: O depósito deve ser feito em instituição financeira autorizada pelo Poder Judiciário e estará vinculado, obrigatoriamente, a um processo judicial;
Identificação Correta: O depósito deve ser identificado corretamente, indicando a natureza do tributo, o período de apuração, o valor exato e a identificação do contribuinte;
Motivo e Fundamentação: É essencial que o depósito seja acompanhado de uma fundamentação jurídica sólida, demonstrando os motivos de sua realização;
Petição ou Manifestação Judicial: Em alguns casos, o depósito judicial pode requerer uma petição ou manifestação judicial formalizando sua realização e, eventualmente, a contestação do tributo.10
Já os efeitos do depósito, de acordo com o entendimento de Hugo de Brito Machado (2022), podem ser os seguintes:
Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário: O depósito judicial suspende a exigibilidade do crédito tributário. Isso significa que o Fisco não pode executar a cobrança do tributo, nem praticar qualquer ato de constrição patrimonial enquanto o depósito estiver válido e eficaz;
Garantia do Juízo: O depósito em juízo funciona como garantia para o discutir do tributo cobrado, assegurando que o valor correspondente esteja disponível caso a decisão judicial seja desfavorável ao contribuinte;
Impedimento de Protesto ou Inscrição em Dívida Ativa: Enquanto o depósito judicial estiver em vigor, o débito em questão não pode ser protestado em cartório ou inscrito em dívida ativa pelo Fisco. Exceto quando for realizado após o aforamento da Execução, como veremos mais adiante.
Paralisação de Execuções Fiscais: Se houver uma Execução Fiscal em curso relacionada ao tributo depositado judicialmente, esta será suspensa temporariamente, possibilitando, ainda a oposição de Embargos à Execução Fiscal.
Possibilidade de Levantamento ou Conversão em Renda: Caso o contribuinte obtenha uma decisão favorável no processo judicial, o valor depositado em juízo pode ser levantado por este. Caso contrário, a Fazenda poderá convertê-lo em renda a seu favor.11
CONCLUSÃO
Ainda há muitas questões relacionadas à realização de depósito pelo contribuinte em matéria tributária, que ainda estão sendo e serão enfrentadas pelo Poder Judiciário.
O fato é que, caso o contribuinte opte por apresentar esse tipo de garantia, deve ser feito uma análise detida dos impactos que isso pode causar ao seu patrimônio ou eventualmente à atividade econômica exercida, pois, apesar das claras vantagens que traz, é a forma mais onerosa de caução.
Advogada tributarista, mestranda no Instituto Nacional de Estudos Tributários – IBET.︎
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 31ª ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 478.︎
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011.︎
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2022, p. 192.︎
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2022.︎
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 33ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2021.︎
STJ, AgRg no REsp n. 517.937/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe de 17/6/2009.︎
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 8ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, p. 265.︎
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 42ª. ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores, 2022, p. 195.︎
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 33ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2021.︎
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2022.︎