Direito Educação e relações éticas raciais

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1 INTRODUÇÃO

Propiciar condições para o aluno discutir a presença da diferença, da diversidade na sociedade, numa abordagem pluriétnica, multicultural e multidisciplinar, tomando como desafio possibilidades mais democráticas de tratar a diferença, o outro no cotidiano e, ainda, favorecer o aprofundamento da temática da formação cultural brasileira questionando as leituras hegemônicas da nossa cultura e de suas características, assim como das relações entre os diferentes grupos sociais e étnicos, bem como as implicações para o trabalho e desenvolvimento.

O racismo deve ser combatido de forma contundente e não deve, de forma alguma, ser subavaliados ou silenciados pelos quadros de professores. Os educadores devem promover o respeito mutuo e a possibilidade de discussão sobre as diferenças humanas sem nenhum tipo de discriminação. Na rotina escolar, alguns professores e alunos alegam não perceber discriminações raciais, dificultando o desenvolvimento de uma educação anti discriminatória. Entretanto, avaliando a situação de uma forma mais profunda, existem situações em que há um tratamento diferenciado que privilegia o pertencimento racial dos alunos. Sendo assim, esse comportamento contribui para a permanência do racismo nas escolas e na sociedade brasileira como um todo (PINTO e COLABORADORES, 2005).

Deve haver uma conscientização dos profissionais da educação com relação ao favorecimento, de forma proposital ou não, de indução ou propagação de comportamentos racistas dentro da escola, levando os mesmos a realizarem uma auto reflexão no seu papel de educador. A busca dos problemas raciais deve ser uma tarefa não apenas dos negros, pardos e indígenas, mas de todos os cidadãos brasileiros (PINTO e COLABORADORES, 2005).

A educação brasileira, mais especificamente, seus educadores, necessitam urgentemente discutir as questões raciais no Brasil, bem como a diversidade racial do país. Pois uma educação livre de preconceitos raciais promove o bem estar do cidadão e ajuda na construção da cidadania e democracia brasileiras. Além do profissional da educação, materiais didático-pedagógicos e recursos auxiliares devem ser disponibilizados para os educadores.

2 A LEI No 10.639/03 COMO FRUTO DA LUTA ANTIRACISTA DO MOVIMENTO NEGRO

Mesmo com a libertação dos escravos no Brasil em 13 de maio de 1888, a abolição da escravatura não livrou a população negra da discriminação racial e das suas conseqüências negativas, como a pobreza e a exclusão social. O que ocorreu, na verdade, foi uma ascenção da discriminação social após a abolição, tendo como resultado uma grande opressão contra os negros, se tornando, também, fator preponderante do destino social, econômico, político e social dos afro-brasileiros (HASENBALG, 1979; SANTOS, 1997). A população negra fora deixada a própria sorte, ou seja, sem nenhum tipo de relação social influente que uma família ou cidadão tem para a sua preservação e reprodução, onde os ex-escravos se deram conta de que a sua liberdade tinha sido apenas um passo inicial para a obtenção da igualdade como pessoa, e, também, como igualdade racial, onde o racismo cresceu consideravelmente após a abolição, sendo criada uma “segunda abolição”, onde os negros teriam que desenvolver técnicas dentro da sociedade com o objetivo de melhorar a sua posição social e/ou obter mobilidade social vertical, visando a superação da condição de excluídos ou miseráveis.

Uma das formas de técnicas de ascensão da população negra foi através da valorização da educação formal com o objetivo de ascender o status pessoal. Houve um percentual de negros que buscaram valorizar a escola e a aprendizagem escolar como um grande benefício, sendo definida como uma oportunidade de ascensão social, conforme pesquisa realizada pelo sociólogo Florestan Fernandes em 1951. Entretanto, antes desse período, já era indicada uma necessidade da realização de uma educação formal, conforme fora indicado pelo jornalista negro Abdias Nascimento, sendo definida como uma condição necessária à superação da exclusão sócio-racial a que estavam submetidos, onde clamava-se pela inclusão dos negros em diversas esferas de ensino, assim como nos estabelecimentos militares. (QUILOMBO, 2003). A desigualdade social perpetuada nas escolas vem sendo demonstrada por alguns estudos, como por exemplo, Bordieu (1998). No entanto, a busca da população negra por estudos foi considerada uma decisão acertada, mas ainda insuficiente para a ascensão social, onde os negros chegaram a conclusão que seria difícil o seu reconhecimento social em uma sociedade em franco processo de modernização.

A educação formal e a escola não são consideradas a panacéia para os negros brasileiros. A escola também tem grande responsabilidade na propagaççao das desigualdades sociais, de acordo com militantes e intelectuais afro-brasileiros. A escola atual no Brasil ainda prega, há tempos uma educação sem muito sentido amplo e favorecendo a população branca (NASCIMENTO, 1978; MUNANGA, 1996; SILVA, 1996 e 1988).

A educação formal não era só eurocentrista e de ostentação dos Estados Unidos da América, como também menosprezava o continente africano e diminuia racialmente os negros, quer brasileiros, quer africanos ou estadunidenses. De acordo com o militante e intelectual negro Abdias do Nascimento, o sistema educacional implantado no Brasil é usado como ferramenta de controle nesta estrutura de discriminação cultural. No ensino brasileiro (elementar, secundário e universitário) constitui um ritual da formalidade e da ostentação da Europa e dos Estados Unidos. Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. Falar em identidade negra numa universidade brasileira é o mesmo que provocar reações adversas, constituindo um difícil desafio aos universitários afro-brasileiros (NASCIMENTO, 1978: 95).

Contudo, ao perceberem a diminuição, a produção e a disseminação da discriminação racial contra os negros e seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a reivindicar junto ao Estado Brasileiro, no que diz respeito à educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos, bem como a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. Já constando parte desta na declaração final do I Congresso do Negro Brasileiro, que foi promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950, portanto, há quase 70 anos (NASCIMENTO, 1968: 293).

Segundo Carlos Hasenbalg (1987), no que diz respeito a educação as reivindicações foram:

• Combate a discriminação racial e a veiculação de idéias racistas nas escolas;

• Melhorias nas condições de acesso ao ensino à comunidade negra;

• Mudança dos currículos escolares com o objetivo de valorizar o papel do negro na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas;

• Maior participação dos negros no preparo dos currículos em todos os níveis e órgãos escolares.

O sociólogo Carlos Hasenbalg publicou os pontos desta agenda em 1987, mas a Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em BrasíliaDF, nos dias 26 e 27 de agosto de 1986, com representantes de sessenta e três Entidades do Movimento Negro, de dezesseis estados da federação brasileira, com um total de cento e oitenta e cinco inscritos, indicou “aos dirigentes do país, e, em especial deferência, a todos os membros da ‘Assembléia Nacional Constituinte-87’”, as seguintes reivindicações:

• O processo educacional irá respeitar todos os aspectos da cultura brasileira.

É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e III graus, do ensino da história da África e da História do Negro no Brasil;

• Alteração da redação do § 8ª do artigo 153 da Constituição Federal, cuja versão final ficou: “A publicação de livros, jornais e periódicos não dependem de licença da autoridade. Fica proibida a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça, de cor ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes” (CONVENÇÃO, 1986).

2.1 Aspectos gerais sobre o racismo no Brasil

O debate sobre a dinâmica das relações raciais vem ganhando mais espaço na esfera pública devido a divulgação pelos movimentos sociais negros. Sendo assim, o momento atual é considerado proveitoso para ações voltadas para a redução das desigualdades entre negros e brancos na sociedade, mesmo porque, vários tratados de convenções internacionais assinados ao longo dos anos com o propósito de eliminar a discriminação racial da qual a população negra tem sido vitima há tempos (GOMES, 2005).

A participação do Estado brasileiro nessas convenções evidencia uma postura atuante dos governos em assumir a postura de adesão as normas internacionais. Entretanto, observa-se, em nível de políticas públicas de Estado, é a contumaz violação dessa legislação internacional. Constata-se, de acordo com dados fornecidos pelo Estado, que é observada que a realização da igualdade entre os grupos raciais não vem sendo realizada – principalmente entre as populações branca e negra. Uma lógica de segregação amparada em preconceitos e estereótipos raciais estabelecidos e fortalecidos pelas mais diversas instituições sociais e na sociedade, entre elas: a escola, a Igreja, os meios de comunicação e a família, em especial. Esse panorama vai além da questão individual. Na sua forma coletiva, remete ao cotidiano dos negros, onde a cor explica uma parcela significativa das desigualdades encontradas em diversos níveis. A desigualdade racial pode ser facilmente percebida nos indicadores sociais. Apesar das mudanças ocorridas no século XX e parte do século XXI, a situação da população negra brasileira permanece com poucas alterações, reproduzindo um quadro de condição social degradante por causa do racismo contra essa população. No que diz respeito à economia, verifica-se que a população negra apresenta uma participação reduzida nos resultados do desenvolvimento alcançado no país e não apresenta as mesmas condições de crescimento socioeconômico pelo qual passa a população branca. A ascensão social é muito difícil para a maior parte de negros e negras, que, em geral, são vêm de famílias pobres em função do racismo.

2.2 A escola brasileira e os negros: da presença e da participação desigual

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o ensino será baseado nos seguintes tópicos: igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; gestão democrática do ensino público na forma da lei; garantia de padrão de qualidade.

Baseado nos princípios de igualdade o artigo 210 se refere à necessidade de garantia e valorização da diversidade cultural presente na sociedade, dizendo as seguintes palavras: “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica e respeito aos valores culturais e artísticos,nacionais e regionais”. Simultaneamente, o sistema educacional brasileiro, da mesma forma que as demais instituições sociais, está repleto de práticas racistas, discriminatórias e preconceituosas, proporcionando, em muitos momentos, um cotidiano escolar inadequado para o desenvolvimento emocional e cognitivo de todas as crianças e adolescentes, com destaque para os pertencentes à população negra (CAVALLEIRO, 1998). Ao reproduzir e disseminar ideologias e conceitos que desvalorizam o grupo negro, o sistema educacional garante às crianças e aos adolescentes negros um tratamento que prejudica e até mesmo chega a impedir a sua permanência na escola prejudicando, até mesmo, o seu desempenho estudantil (PINTO e COLABORADORES, 2005).

A dificuldade de progressão da população negra não responde apenas por desvantagens vindas da pobreza. Os dados apresentados pelo IBGE (anos 90 em diante) indicam que crianças negras deixam a escola mais cedo que crianças brancas pertencentes à mesma condição social, o que corrobora mais uma vez com a baixa qualidade das oportunidades educacionais oferecidas a população negra (CAVALLEIRO, 2003).

Em decorrência dessa educação discriminatória e, conseqüentemente, desigual, o nível reduzido de escolaridade da população negra contribui para a manutenção da exclusão do mercado de trabalho, aumentada pelas constantes e intensas problemáticas do mundo atual. Somando o fato de que os processos de seleção operam, por vezes, com intervenções racistas. (Inspir,1999).

As desigualdades estampadas em diversos estudos e pesquisas apontam a ineficiência das medidas adotadas pelo Estado brasileiro no que diz respeito à educação. A política educacional não pode se basear apenas em alguns aspectos para a eliminação da discriminação. Como um grande desafio, deve-se elaborar e implementar instrumentos que tenham como objetivo a erradicação completa das desigualdades entre os grupos raciais no Brasil como um todo e no sistema de ensino.

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2.3 Como ficam essas questões para as crianças?

Assim, aparentemente as relações entre as crianças, na compreensão delas e dos adultos que as educam, não se pautam pelo pertencimento racial, mas podem ser justificadas em função do pertencimento social associado ao desempenho escolar. Entretanto, observa-se que os critérios para o estabelecimento das relações de ofensa ou de amizade são, com freqüência, subsidiados pelas referências de pertencimento racial. Para o público infantil, é agradável estar próxima ao referencial de mundo das pessoas brancas. No caso de serem pessoas negras, reconhecem isso como uma desvantagem. E, às vezes, sem a ajuda dos adultos, são submetidas a sessões frequentes de discriminação racial. Essa relação de discriminação é mais acentuada apenas se a criança negra tiver condições de competir e preferencialmente superar o nível de cognição de seus colegas brancos.

2.4 Como os pais percebem as relações raciais?

Apesar de a maioria dos pais apresentarem discurso e prática, no que diz respeito a questões de pertencimento racial, baseados em afirmações sustentadas pelo mito da democracia racial, muitas famílias negras e brancas reconhecem que o racismo apresenta um caráter de retrocesso na sociedade atual e, assim, vem buscando educar seus filhos para uma convivência social mais respeitosa, chegando a reconhecer as necessidades de políticas públicas adequadas para tal questão. Contudo, as intervenções e análises são ainda esparsas e pontuais. Tem-se como evidência uma análise incipiente sobre a educação escolar possibilitada aos seus filhos com relação à diversidade racial presente na sociedade. Percebe-se o mesmo quanto à educação realizada no espaço familiar. Em todo caso, é comum a boa parte das famílias o desejo, mesmo no plano do discurso, de não verem suas crianças praticando algum tipo de discriminação em suas relações sociais. Os cidadãos negros, além disso, expressam não desejar ter suas crianças vivendo situações adversas nas relações com crianças e adultos.

3 CONCLUSÃO

Ao final desta leitura, concluiu-se que as atitudes e comportamentos dos participantes no cotidiano escolar mstraram-se preponderantes para as questões relacionadas a discriminação racial, bem como as políticas envolvidas no combate ao racismo, na medida em que os dados resultantes possibilitam uma contraposição entre discurso e prática. Entretanto, fazendo uma avaliação das declarações de profissionais da educação, familiares e crianças, observa-se no cotidiano escolar uma estrutura racista e a presença de situações de preconceito e de discriminação raciais, em que a cor da pele orienta a qualidade das relações pessoais que são ali estabelecidas.

REFERÊNCIAS

BASTIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. (1955), Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo, Anhembi.

CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. 1998.

CONVENÇÃO Nacional do Negro Pela Constituinte. Brasília: mimeo, agosto de 1986.

HASENBALG, Carlos A. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

INSPIR. Mapa da população negra no mercado de trabalho. São Paulo: Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial, 1999.

FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Ática, 1978.

GOMES, N.L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In: PINTO e COLABORADORES. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Secad/MEC, 2005. p. 39-64.

NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro. Processo de um Racismo Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

PINTO, A.F.M.; SOUSA, A.L.; BOTELHO, D.; SOUZA, E.P.; SILVA, I.S.; CESÁRIO, I.L; BRAGA, M.L.S. Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Secad/MEC, 2005. 236 p.

SANTOS, Normando Batista dos. O educador e a luta contra o racismo. In: LIMA, Ivan Costa e ROMÃO, Jeruse (org). As idéias racistas, os negros e a educação. Série O pensamento negro na educação, nº. 1. Florianópolis: Núcleo de estudos negros/NEN. Maio de 1997. Florianópolis.SILVA, Ana Célia da. A Discriminação do Negro no Livro Didático. Salvador, CEAO-CED, 1995.

REIS, Maria Clareth Gonçalves. Escola e contexto social: um estudo de processos de construção da identidade racial numa comunidade remanescente de quilombo. 2003, 127f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2003

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