Introdução
A questão da doação de corpos humanos para fins acadêmicos transcende a mera consideração física, adentrando uma esfera ética e científica de grande relevância. Enquanto muitos discutem os benefícios da doação de órgãos para transplante, poucos consideram a opção de doar seus corpos para o avanço da ciência e da medicina após a morte. Neste contexto, surge um debate sobre a importância e os procedimentos envolvidos na doação de corpos para instituições de ensino e pesquisa. Este texto explora não apenas os aspectos legais e práticos desse processo, mas também os motivos pelos quais ele é fundamental para o desenvolvimento de profissionais da saúde e para o progresso científico como um todo. A melhor compreensão do que está envolvido na doação de corpos para fins acadêmicos permite apreciar sua importância e considerar essa opção como um ato de generosidade e contribuição para o bem-estar da humanidade.
Método
Para a realização dessa pesquisa, utilizou-se o método dedutivo, através da revisão bibliográfica, realizadas consultas nas Legislações pertinentes a respeito da regulamentação da doação de corpos para fins de altruísmo no Brasil. Sites oficiais dos estados que divulgam as informações necessárias a respeito e dos programas que existem. Sites científicos onde colegas acadêmicos ajudaram no conhecimento a respeito do tema, com suas publicações. Sites de universidades e de notícias que realizaram publicações de trabalhos e informações a respeito da importância da doação do corpo para estudos acadêmicos. Foram retiradas desses meios, as informações mais relevantes que pudessem explanar para o leitor o entendimento correto de todo o procedimento que envolve a doação de corpos após a morte.
revisão de literatura
Nosso corpo é nosso templo (BÍBLIA, 2014), e cuidar dele em vida é essencial para uma vida saudável e longa. Além de práticas como exercícios, boa alimentação e redução do estresse, também podemos considerar o que acontecerá com nosso corpo após a morte e como isso pode impactar os outros (LELES et al., 2017).
A doação de órgãos é conhecida como um ato de altruísmo, podendo beneficiar várias pessoas (DOAÇÃO [...], 2023). Mas além disso, existe a opção de doar o corpo para fins educacionais e de pesquisa. Isso não só ajuda no avanço da ciência, mas também não interfere na doação de órgãos (MARQUES, 2022).
No Brasil, leis como a Lei n. 8.501/1992 (BRASIL, 1992) e a Lei n. 10.406/2002 (BRASIL, 2002) regulamentam a doação de corpos para estudo. Porém, muitas pessoas desconhecem a possibilidade de se voluntariar, o que resulta em baixa adesão. Campanhas de conscientização são necessárias para informar a população sobre os procedimentos e a importância desse gesto.
A falta de corpos para estudo também é um problema, devido ao avanço da tecnologia na identificação de pessoas e seus familiares, diminuindo o número de corpos não reclamados disponíveis.
Portanto, é fundamental promover a divulgação da prática voluntária para aumentar a adesão da disposição espontânea e contribuir para o avanço científico (LUCAS; DA ROCHA, 2023).
A doação do corpo para a ciência é uma generosidade extraordinária que pode impulsionar avanços médicos significativos, salvando vidas e melhorando a qualidade de vida de muitos. Graças àqueles que fizeram essa doação, a humanidade desfruta de uma expectativa de vida aumentada e melhores cuidados de saúde. Isso porque o estudo com corpos reais possibilita introduzir no mercado de trabalho profissionais com elevado grau de conhecimento da anatomia humana para sua atuação profissional em toda a sociedade (MARQUES, 2022).
A anatomia humana é fundamental para a prática médica e para a pesquisa biomédica. Sem um conhecimento sólido da estrutura do corpo humano, os profissionais de saúde teriam dificuldades em diagnosticar doenças, interpretar exames, realizar cirurgias e desenvolver tratamentos eficazes (PROGRAMA [...], 2021).
Além disso, compreender a anatomia é essencial para promover hábitos saudáveis, prevenir doenças e entender como o corpo humano funciona (LELES et al., 2017).
A doação de corpos para o ensino oferece aos estudantes da área da saúde uma experiência prática e imersiva que complementa sua educação teórica, preparando-os para suas carreiras profissionais (ANATOMIA humana: a real importância de estudar, 2020).
Embora existam alternativas como modelos anatômicos e simuladores computacionais, nada substitui a experiência de trabalhar com corpos reais. A escassez de cadáveres prejudica a formação dos estudantes em algumas regiões, destacando a importância da doação.
Portanto, a cessão do próprio corpo para fins acadêmicos é inestimável. Por mais avançadas que sejam as tecnologias, elas não conseguem replicar completamente a complexidade e a realidade do corpo humano, tornando a doação voluntária uma contribuição vital para o progresso da medicina e da ciência (MARQUES, 2022).
Pois bem. Compreendidos os benefícios da doação de corpos para fins de ensino e pesquisa, fica a dúvida: O que é preciso fazer para doar o corpo?
No Brasil, a falta de um cadastro centralizado dificulta que pessoas interessadas expressem sua intenção de doar seus corpos para a pesquisa científica após o falecimento (BUCIS, 2023). Apesar de o Código Civil permitir que qualquer pessoa disponha de seu próprio corpo para uso científico após a morte, a falta de normatização nacional levou à criação de diversos programas de doação de corpos em nível regional (MARQUES, 2022).
Existem duas comissões centrais responsáveis por captar e distribuir corpos para instituições de ensino superior devidamente cadastradas e habilitadas. No Paraná, temos o Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres do Paraná - CEDC/PR, e em Brasília, o Pró-Vida. Além dessas, existem 39 programas geridos por universidades em todo o país.
Cada região possui suas peculiaridades, e seguir as instruções da entidade selecionada é fundamental. Em geral, o processo envolve escolher uma instituição de ensino na área da saúde, entrar em contato com o responsável, preencher e assinar um Termo de Intenção de Doação, e enviar esse termo para a instituição escolhida, mantendo uma cópia autenticada em família (ENTENDENDO [...], 2024)
Existem duas formas de doação: em vida e familiar. A doação em vida ocorre quando o próprio interessado manifesta a intenção de doação, enquanto a familiar ocorre quando um parente deseja doar o corpo de um falecido, mesmo que a pessoa não tenha autorizado a doação enquanto viva. A concordância da família é essencial para a concretização da doação (PROGRAMA [...], 2023).
Após a morte, a família comunica a instituição escolhida, que realiza os procedimentos necessários para receber o corpo. Não há restrições para a doação de pessoas que morreram de causas naturais, mas casos de mortes não naturais podem exigir investigações policiais, e quanto a essas há limitações (BRASIL, 1992).
Em geral, não há problema, também, caso o doador já seja doador de órgãos para transplante, não havendo necessidade que se escolha entre um e outro. Nessa situação, em primeiro lugar são retirados os órgãos passíveis de doação para transplante, e, após, o corpo é encaminhado para a unidade de educação.
O processo não envolve custos para com a universidade, mas os gastos com o velório e transporte do corpo podem ser cobertos pelos familiares (PROGRAMA [...], 2013). Uma vez recebido, o corpo é submetido a técnicas de conservação pela instituição de ensino, às suas expensas, e utilizado em estudos científicos e aulas práticas de anatomia (MARQUES, 2022).
Após seu uso, o corpo pode ser incinerado ou sepultado pela universidade. Visitas de familiares não são permitidas, e uma vez encaminhado, não é possível reavê-lo (BUCIS, 2023). É importante que a Certidão de Óbito indique a doação para qual instituição (PROGRAMA [...], 2013).
Superadas as explanações acerca dos procedimentos genéricos, e comissões e programas existentes, passemos a entender melhor como funciona o processo de doação especificamente no nosso estado, estado do Paraná.
O estado do Paraná, destaca-se como um dos poucos a contar com uma comissão central para distribuição de corpos para instituições educacionais voltadas para pesquisa e ensino, sendo pioneiro nesse aspecto. Enquanto a comissão de Brasília foi estabelecida por meio de portaria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (DIA [...], 2023), o Paraná possui legislação estadual específica a respeito, datada de 2007, disponível na Lei n. 15.471/2007. Essa legislação autoriza o estabelecimento do Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres (CEDC) pelo Poder Executivo, por meio da Secretaria de Estado de Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (PARANÁ, 2023).
O CEDC, instituído a partir dessa lei e do Decreto Estadual nº 3.332 de 27 de agosto de 2008, iniciou suas atividades em 2009. Funciona como um órgão deliberativo e consultivo, sem fins lucrativos, com atribuições que incluem a divulgação do tema, o estabelecimento de mecanismos para que doadores expressem sua vontade por meio de escritura pública, a distribuição dos corpos cedidos ou não reclamados, entre outras.
A distribuição dos corpos é feita alternadamente às instituições de ensino superior que oferecem disciplinas de Anatomia e/ou Pesquisas Científicas em Cadáveres, seguindo uma ordem de listagem. Os gastos decorrentes de custas de cartório, translado do corpo e funeral após o uso ficam a cargo da instituição de ensino contemplada (PARANÁ, 2007).
No Paraná, o processo de doação em vida segue um ritual semelhante, com a necessidade de esclarecer a intenção do doador à família e expressá-la em declaração, validada por testemunhas. Essa declaração é obrigatória para finalizar os procedimentos legais de doação.
Já a doação feita pelos familiares após o óbito requer que estes entrem em contato com o Conselho ou a instituição de ensino receptora para receber as orientações necessárias. O Conselho estipula que não pode ser doado o corpo quando o óbito resulta de morte violenta ou suicídio (PROCEDIMENTOS [...], 2024).
Quanto à doação de órgãos para transplante, esta não impede a doação do corpo, mas a viabilidade é verificada caso a caso pelos agentes envolvidos no processo.
Após a morte do doador, o corpo é submetido a técnicas adequadas de preparo e conservação para ser utilizado em atividades de estudo e pesquisa (PARANÁ, [s.d.]).
Além do Conselho, três instituições de ensino superior no Paraná possuem programas próprios de doação, seguindo as mesmas premissas estabelecidas, sendo o programa “Doação em Vida”, da UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa; o “Programa de Doação de Corpos do Campus Dois Vizinhos”, da UTFPR – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e; o programa “Doação de Corpos”, da UEM – Universidade Estadual de Maringá (ENTENDENDO [...], 2024)
Portanto, todo cidadão brasileiro tem o direito de doar seu corpo para a ciência, e os programas de doação e o CEDC são meios pelos quais esse direito pode ser exercido. Basta escolher, providenciar a documentação necessária e deixar seu legado para as próximas gerações (PROGRAMA [...], 2021)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, a doação de corpos humanos para fins acadêmicos é um ato de generosidade e altruísmo que desempenha um papel crucial no avanço da educação e da pesquisa científica. Ao permitir que estudantes e pesquisadores tenham acesso a corpos doados, capacita-se a próxima geração de profissionais da saúde e contribui para o desenvolvimento de novos tratamentos e procedimentos médicos. Além disso, a doação de corpos faz lembrar da própria mortalidade e da importância de deixar um legado positivo para as gerações futuras. Portanto, é essencial promover a conscientização sobre a importância da doação de corpos e garantir que os processos envolvidos sejam respeitosos, éticos e transparentes. Ao fazer isso, honra-se o precioso presente que esses doadores concedem para continuar a avançar em direção a um futuro mais saudável e promissor para todos.
PALAVRAS-CHAVE: Doação de corpos. Ensino médico. Pesquisa científica. Altruísmo. Conscientização.
REFERÊNCIAS
ANATOMIA humana: a real importância de estudar. Centro de Estudos de Enfermagem, Nutrição, Medicina e Multiprofissionais - CEEN, Goiânia, 2020. Disponível em: https://www.ceen.com.br/entenda-agora-a-real-importancia-de-estudar-a-anatomia-humana/#qual-a-importancia-da-anatomia-humana. Acesso em 03 abr. 2024.
BÍBLIA, N.T. I Coríntios. In: Nova Bíblia Pastoral. Tradução de Antonio Carlos Frizzo et al. 1ª edição. São Paulo - SP: Editora Paulus, 2014.
BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, Ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 02 abr. 2024.
BRASIL. Lei nº 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Brasília, 1992. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8501.htm. Acesso em 02 abr. 2024.
BUCIS, Bruno. Como doar seu corpo para a ciência (e por que você deve fazê-lo): Doação de cadáveres para a pesquisa está se tornando mais comum no Brasil, mas ainda há muitos entraves burocráticos. In: Metrópoles. Brasília, DF, 24 abr. 2023. Disponível em: https://www.metropoles.com/saude/como-doar-seu-corpo-para-a-ciencia-e-por-que-voce-deve-faze-lo. Acesso em 08 abr. 2024.
DIA do Doador de Corpos: você pode autorizar que seu corpo seja doado para a ciência. In: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília, DF, 25 ago. 2023. Disponível em: https://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/comunicacao-menu/sala-de-imprensa/noticias/noticias-2023/15117-dia-do-doador-de-corpos-voce-pode-autorizar-que-seu-corpo-seja-doado-para-a-ciencia#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20artigo,1%2F2010%20regulamenta%20o%20tema. Acesso em 09 abr. 2024.
DOAÇÃO de órgãos: tire suas dúvidas sobre o assunto. 2023. Publicado por Hospital Israelita Albert Einstein. Disponível em: https://vidasaudavel.einstein.br/doacao-de-orgaos/. Acesso em 02 abr. 2024.
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LELES, Robson Felipe Dos Santos; et.al. Importância do Conhecimento de Anatomia Humana para a Educação Física. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 02, Ed. 12, Vol. 02, pp 21-40. Dezembro de 2017. ISSN:2448-0959. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/saude/anatomia-humana#. Acesso em 02 abr. 2024.
LUCAS, Bárbara de Lima; DA ROCHA, Andréa Oxley. Análise de lacunas e perspectivas sobre programas de doação de corpos: relato de experiência no Brasil. In: SciELO - Scientific Electronic Library Online. Revista Brasileira de Educação Médica, São Paulo, 28 mar. 2023. DOI https://doi.org/10.1590/1981-5271v47.3-2022-0375. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbem/a/5NtgRdMq9hJjwdxHSMRpwds/#. Acesso em 02 abr. 2024.
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