O instituto do criminal compliance: Análise conforme a criminalidade econômica no Brasil

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RESUMO

A corriqueira ocorrência de práticas delitivas de ordem econômica tem asseverado uma irresponsabilidade organizada, ao mesmo tempo em que vem aumentando a percepção coletiva acerca das constantes ameaças da denominada sociedade de risco que amplia o nível de insegurança e de exigência de uma regulação estatal mais efetiva. Outrossim, a ideia de liberdade de atuação na economia vem sucumbindo aos anseios por intervenções governamentais, em defesa do restabelecimento do equilíbrio no mercado e da constatação de que o poder político passou a ser exercido por grandes conglomerados econômicos, criando a capacidade de ação da pessoa jurídica em autorresponsabilidade, nos chamados programas de integridade, ocasionando transferência do poderio em responsabilização e mesmo a mudança de paradigma penal, restando indagar acerca da real efetividade de tais medidas quanto à diminuição dos crimes que assolam, sobretudo, o sistema público financeiro do Brasil. Questiona-se acerca da função preventiva do instituto Criminal Compliance, fazendo uma diferenciação entre a prevenção penal por meio da aplicação de uma pena, a qual é precedida de todo um contraditório judicial, com a prevenção utilizada pelo compliance program, uma espécie de prevenção anterior ao evento danoso, inquirindo, assim, acerca dos impactos da globalização na minoração da criminalidade econômica.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas delitivas; Criminal compliance; autorresponsabilidade; criminalidade econômica.

ABSTRACT

The common occurrence of criminal practices of an economic order has asserted an organized irresponsibility, at the same time that the collective perception of the constants of the so-called risk society, which increases the level of insecurity and demand for more effective state regulation, has been increasing. . Furthermore, the idea of freedom of action in the economy has been succumbing to the desires of government officials, in defense of the re- establishment of balance in the market and the realization that political power is now being exercised by large conglomerates, creating the capacity for action of the legal entity in self- responsibility, in the so-called integrity programs, causing a transfer of power in accountability and even a change in the penal paradigm, leaving to inquire about the real effectiveness of such measures in terms of reducing crimes that affect, above all, the public financial system in Brazil. Questions are raised about the preventive function of the Criminal Compliance institute, making a distinction between criminal prevention through the application of a penalty, which is preceded by a whole judicial adversary, with prevention used by the compliance program, a kind of previous prevention to the harmful event, thus inquiring about the impacts of globalization on the reduction of economic crime.

KEYWORDS: Criminal practices; Criminal compliance; self-responsibility; economic crime.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

  1. CRIMINAL COMPLIANCE: CONCEITUAÇÃO PRELIMINAR E ANÁLISE HISTÓRICA

    1. A figura do Compliance officer como instrumento de prevenção criminal

      1. Conceito de Compliance officer e sua área de atuação

    2. Compliance officer como garantidor e sua responsabilidade penal pelo non compliance

    3. Diferença entre Compliance officer e auditor interno

  2. REFLEXOS DE UM DIREITO PENAL GLOBALIZADO: CAMINHO ATÉ A ADOÇÃO DO CRIMINAL COMPLIANCE

    1. O dinamismo social, a expansão, economicização e administrativização do Direito Penal traduzidos à luz da macrocriminalidade

    2. Aproximação entre os sistemas common law e civil law

    3. Da responsabilização da pessoa jurídica

    4. Da mudança de paradigma no Direito Penal: ex post para um ponto de vista ex ante.

  3. Transferência da responsabilização estatal no controle das atividades e do jus puniend

  1. IMPACTOS DO CRIMINAL COMPLIANCE NOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE ECONÔMICA

    1. Criminalidade econômica: conceituação primária

    2. Corrupção: parte do DNA brasileiro

    3. Da superação da corrupção sistêmica

  2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ANEXOS

ANEXO A - Os maiores escândalos de corrupção do Brasil eleitos pela CGU

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Índice de Percepção da Corrupção 2020

Figura 2 - Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC) 2021

INTRODUÇÃO

Ante aos anseios sociais por medidas que diligenciem ao conserto das práticas delitivas no Brasil, e face também ao aparecimento de novas modalidades criminógenas, urge, pois, a necessidade de dar proteção a novos bens jurídicos de cunho supraindividuais, e, na busca da satisfação coletiva pautada na punição dos agentes e na ulterior minoração dos números em criminalidade econômica, exigiu-se do direito penal uma mudança em seu paradigma, uma vez que tais bens jurídicos não se enquadravam no conceito de bem jurídico adotado pelo direito penal de bases iluministas tradicionais, voltado à proteção individual e para a sanção post delictum.

Neste passo, partindo-se da premissa que a metodologia científica é o conjunto de processos escolhidos para investigar um fenômeno com rigor científico, este trabalho terá natureza exploratória e consistirá em uma pesquisa bibliográfica acerca do instituto do Criminal Compliance , onde tentar-se-á responder ao questionamento se é mesmo eficaz a adoção de medidas que se valem do viés punitivo para diminuir os índices de corrupção no país, valendo-se predominantemente do método qualitativo, o qual busca produzir informações aprofundadas e ilustrativas com a análise de livros, teses, artigos científicos, doutrinas, legislação penal brasileira positivada, extravagante, e, à luz, sobretudo, da Carta Magna que rege o Brasil. Essa indagação guiará a sequência desta obra, mesmo que não se pretenda formular respostas definitivas para ele.

Tratado nacionalmente como programa de integridade, o Compliance é amplamente demonstrado no primeiro capítulo através de suas raízes americanas, e é traçada a linha até sua chegada e implementação no âmbito legislativo brasileiro, onde é trazida à análise também a figura do Compliance officer como garante, a diferenciação de sua tarefa para o papel do auditor interno, e sua responsabilidade penal diante do non compliance, ou seja, do não cumprimento das regras de boa governança corporativa.

O segundo capítulo traz em tópicos os reflexos de um Direito Penal abarcado pelo fenômeno da globalização, que tem como consequência expansão do aparato legislativo, de forma a alcançar e punir os defeitos de integridade, para que reverbere de forma preventiva e, como caráter educativo passe a inibir a prática reiterada de crimes como a lavagem de capitais, sonegação de impostos e desvios de verbas públicas, assim como observa a possível transferência do poder de punir do Estado diante da auto regulação regulada em uma perspectiva ex ante.

A carência de abordagens doutrinárias e de fontes para pesquisa traz avidez e serve como combustível para o deslinde deste tema, de forma que o terceiro capítulo levanta posições sociofilosóficas acerca da ilustração gráfica da situação do Brasil perante o mundo, no que diz respeito aos índices de criminalidade econômica, e, por conseguinte, parte-se para as considerações finais que, por sua vez, traz à tona a falibilidade do Estado em coibir práticas corruptivas e as reais medidas que trazem superação a este elemento sistêmico, que, para muitos, está arraigado ao DNA do brasileiro.

CRIMINAL COMPLIANCE: CONCEITUAÇÃO PRELIMINAR E ANÁLISE HISTÓRICA

Primariamente cumpre salientar a corriqueira surpresa entre os leitores quando se deparam com uma nomenclatura inglesa e ainda pouco conhecida como o Compliance, posto que ainda seja objeto de pouco estudo, é válido esclarecê-lo e conceituá-lo, ainda que etimologicamente.

Termo este que saiu do âmbito universitário para ganhar as páginas de jornal e reuniões de empresas, oriundo da língua inglesa, remonta ao termo to comply, denotando cumprimento, ação em conformidade, revestir de regularidade à ação, respeitando regras atinentes a um determinado ordenamento jurídico (DIB; LIMA, 2015, p. 238). Na prática se mostram como programas de cumprimento, pautados na auto regulação regulada, como meio de aplicabilidade de sanções jurídicas, credibilidade, regulamentos, códigos de conduta e prevenção da lavagem de capitais, os quais servem como mecanismo para o afastamento da responsabilização penal, inibindo riscos e ameaças que eventualmente possam macular a atividade empresarial e trazendo uma nova percepção de responsabilidade individual e coletiva.

De acordo Benedetti (2014, p.75), o compliance é o sistema interno de uma instituição que permite dar segurança àquele que se utiliza de ativos econômico-financeiros para gerenciar riscos e prevenir a realização de eventuais operações ilegais, que podem culminar em desfalques, não somente à instituição, como também, aos seus clientes, investidores e fornecedores.

Partindo-se da premissa que as organizações empresariais são uma nova realidade emergente e nos termos de Silveira (2015, p. 698) poder-se-ia dizer que compliance diz respeito a uma prática corporativa que pretende colocar padrões internos de acordo e em cumprimento de dados normativos, se referindo não só à observância de leis, estandartes e diretrizes, mas também de caráter ético e político, com uma proposta eminentemente preventiva. Configura-se, pois como um novo diferencial competitivo das empresas que se preocupam com sua reputação no mercado.

Na visão de Giovanni (2014, p.20), está ligado a estar em conformidade com as leis e regulamentos internos e externos à organização. [...] vai além do simples atendimento à legislação, busca consonância com os princípios da empresa, alcançando a ética, a moral, a honestidade e a transparência, não só na condução dos negócios, mas em todas as atitudes das pessoas, e, corroborando com essa premissa, Bottini (2013, online) acaba por definir

compliance como um conceito introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento de normas não necessariamente de natureza jurídica.

Depois deste breve excurso conceitual, no panorama histórico, por sua vez, a Conferência de Haia de 1907 criou uma corte internacional de Justiça com o fito de investigar conflitos internacionais e fundação do Bank for International Settlements (Banco de Compensações internacionais) que consistiu na cooperação entre bancos centrais para obtenção de maior estabilidade financeira, irrompendo assim, as primeiras raízes do Compliance.

A Organization of American States (Organização dos Estados Americanos - OEA) datada de 1948 tem incluída nela a Convenção Interamericana contra a Corrupção, firmada em 1996, que visa promover e fortalecer mecanismos necessários à prevenção, detecção e punição à corrupção no exercício das funções públicas, também traz em seu escopo orientações iniciais acerca do instituto Compliance.

Contudo, friso que não há uma vertente majoritária no tocante a sua origem, no entanto, há indícios reais de seu surgimento na legislação americana, com a criação da Prudential Secutities, uma das principais corretoras e firmas de banco de investimento de Nova York, em 1950, investigada e regulada em auge de fraude pela Securities and Exchange Commission (SEC) em 1960 em razão do escândalo que resultou m prejuízo de cerca de US $ 8 bilhões aos seus investidores, assim como o pragmático caso político de Watergate que revelaram a difusão de práticas corruptivas nos EUA e colaboraram como ulterior elaboração do Foregian Corrupt Practies Act (FCPA) em 1977, lei federal dos Estados Unidos que estabeleceu disposições anti suborno, estrelando a “Era Compliance” e se espalhando no mercado de atividades e valores imobiliários, ganhando força significativa em 1980. Em 1991 a Comissão de penas dos EUA publicou o documento Diretrizes Federais para a Condenação de Organizações, articulando os elementos específicos de um programa de compliance e ética diferente.

No Brasil, a Lei de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei n. 9.613 de 1998) inaugura o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e obriga a adoção de controles internos, estabelecendo penalidades, de modo a salvaguardar a economia do país contra crimes de ordem financeira como a lavagem de dinheiro ilícito.

Em 2012, com o advento da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro, houve uma alteração na Lei nº 9.613/98, tornando-a mais severa e incisiva no tocante a punição dos atos de branqueamento de capitais, o que fortifica diretamente os pilares do Compliance no Brasil. No ano seguinte, 2013, é promulgada a Lei Anti Corrupção (12.846/13) que é, sobretudo, a

mais determinante em regramentos e normativos para o combate da criminalidade econômica, fornecendo mais lucidez à, até então pouco conhecida palavra Compliance no país, visto que adere ao programa de integridade, tratando da responsabilização objetiva administrativa e civil de empresas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, da adoção de condutas éticas e instituição do Acordo de Leniência que visam reparação integral do dano, cooperaração com as investigações e cessação a prática irregular – o que facilitam o mecanismo de atenuação das penas, além de proporcionar oportunidades para que a empresa-parte seja reconhecida por certificadoras, como ocorre com as instituições participantes do projeto de Compliance no Programa "Empresa Pró-Ética", iniciativa do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (antiga Controladoria-Geral da União) que promove a constatação pública de empresas comprometidas com a prevenção e combate à corrupção e que empenham-se para conservar um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente – o que melhora diretamente sua imagem no mercado nacional e estrangeiro.

Outro avanço significativo se deu no ano de 2017, com o avanço da adoção aprimorada dos termos de governança pública, fora promulgado o Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017, que dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e aclara em seus artigos instituidores o programa de integridade que deve promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção, estruturado nos seguintes eixos: I) comprometimento e apoio da alta administração; II) existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade; III) análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e, IV) monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade (BRASIL, 2017, Art. 19).

Nesse sentido, ao entrar na seara de riscos, faz-se essencial citar os efeitos da modernidade líquida estudada por Bauman (2007, p. 13), que apresenta uma sociedade insegura em tempos líquidos, onde nada mais é estável, nem mesmo a confiança no poder repressivo do Estado às modalidades criminosas, principalmente quando cometidas pelos próprios entes investidos de poder político que ocupam os altos postos de representação do povo. Bauman afirma que com a globalização e a abertura social, por ser incompleta, tornou- se uma “sociedade impotente como nunca antes”, tem dificuldade em decidir com certeza o caminho a seguir.

Assim, é interessante o questionamento quanto ao que seria mesmo confiável estabelecer mais um instituto preventivo ou apenas esperar mais um fracasso que culmine na

decadencial confiabilidade nos institutos, quer sejam repressivos ou preventivos do crime, posto que, na prática, pouco mostram eficácia perante aqueles de colarinho branco.

Ressalta-se, porém, que, embora traga uma nova percepção de responsabilidade individual e coletiva por parte dos colaboradores, não é o fim último do Compliance eliminar completamente a chance de ocorrência de um ilícito, mas sim minorar as chances de que ele ocorra, e propor ferramentas para que a empresa rapidamente identifique sua ocorrência e lide da forma mais adequada possível com o problema.

Nessa continuidade, afirma ainda Silveira:

O tema, recente, atual e que convida a tantos debates, como aqui se defende, deve ser trabalhado em sede penal especificamente por sua umbilical ligação com o ramo criminal, aos interesses dos envolvidos, à lógica, enfim, já assumida na realidade comparada (2014, p.130).

No tocante ao afastamento da responsabilização penal, acentua-se a mudança do paradigma penal, na visão de Teixeira e Rios (2017, p. 07), volve o Direito Penal, de uma perspectiva predominantemente ex post, para um ponto de vista ex ante, já que o fato delituoso é punido após ter sido concretizado no plano fático, comprovadas sua autoria e materialidade, porém, com o desiderato de prevenir o cultivo de eventuais delitivos como fraudes, corrupção e sonegação fiscal, e de uma possível responsabilização penal, institui-se o Compliance como instrumento de resguardo, principalmente no âmbito empresarial onde se tem a maior incidência de crimes econômicos como a lavagem de capitais.

  1. A figura do Compliance officer como instrumento de prevenção criminal

Face a sociedade contemporânea descrita pelo sociólogo alemão Ulrich Beck (2002, p. 63) como sendo aquela que os aspectos negativos superam os positivos e escapam do controle das instituições, caracterizada por ele como sociedade de risco, o Direito Penal tem se tornado um arcabouço de riscos, principalmente pela multiplicidade de ocorrências não identificáveis pelos tipos incriminadores já legislados e pelas novidades que lhe são impostas, ensejando novos campos, formas de tratamento e tipificação, esboçando o que Nieto Martín (2013, p.11) chama de darwinismo jurídico no direito penal econômico.

Nesse diapasão, é inegável a importância de se estabelecer programas organizacionais que sirvam de modelo preventivo, de forma a mitigar os riscos de ocorrência de infrações penais, por consequência da hiperinflação legislativa na criação de tipos penais incriminadores, em especial contra a ordem econômica. É expressa também a falibilidade do

Estado no tocante aos aspectos essenciais à prevenção criminal, tais como a supervisão, vigilância e controle dos ilícitos penais – o que exige a tão esperada mudança de estratégia –, que culmina na descontinuação da regulação estatal a fim de estabelecer novos tipos preventivos como a autorregulação.

Assim, no momento da delegação conferida às organizações pelo Estado para atuar na própria regulação e controles dos riscos, surge a figura do profissional de compliance, que atua diretamente na adoção dos pilares do instituto em tela, quais sejam, a disclosure (transparência) e accountability (prestação de contas), e implementa mecanismos internos que atuam na fase anti delictum, ou seja, no estágio acautelar, prevenindo, detectando e corrigindo as não conformidades de índole penal.

  1. Conceito de Compliance officer e sua área de atuação

Dentre tantos quesitos apresentados no subtítulo anterior, é válido o questionamento por parte dos leitores de quem ou que seria este Compliance officer, que esta obra não poderia de antemão conceituar apenas com mero cumpridor dos requisitos estabelecidos pelo instituto do Compliance, vez que vai além.

De início, é visto que nas relações humanas é imprescindível, na esfera da mediação e controle das ações, sobretudo empresariais, a figura de um profissional íntegro, autêntico e capacitado, a fim de aplicar os ditames legais e então atingir a finalidade precípua de evitar o cometimento de delitos no âmbito das instituições. As interações relacionais, mesmo diante do avanço tecnológico, até então, não são passíveis de mediação através da robótica, visto que há uma diversidade genuína de opiniões, atitudes e comportamentos, havendo, portanto, a necessidade de presença daquele capaz de estabelecer os melhores pontos, estratégias de controle, e facilite a comunicação no ambiente organizacional.

Na teoria clássica da Administração Geral constam os pilares principiológicos, criados pelo francês Henry Fayol, há um espelho das qualidades precípuas ao Compliance officer como a unidade de gestão, controle da divisão do trabalho, autoridade e responsabilidade – o que, também objeto deste estudo em capítulo específico – pode figurar como transferência da responsabilização estatal no controle das atividades e mesmo do jus puniendi, haja vista que, diante do mau desempenho da equipe empregada no cumprimento das regras de compliance, há o dever de aplicar as sanções, embora administrativas.

Também conhecida como governança corporativa, a responsabilidade de garantir que todos os regulamentos internos e externos à empresa sejam cumpridos, é do Compliance

officer. Conforme Blok (2018, pág. 61), ele é o profissional responsável pela avaliação dos riscos empresariais, incumbindo-lhe a elaboração de controles internos com o objetivo de evitar ou diminuir os riscos de uma futura responsabilização, civil, administrativa ou penal, atuando, em síntese, na prevenção, detecção e informação dos riscos nas instituições, bem como na implementação de uma cultura ética e de cumprimento das normas figurando primordialmente o primeiro ponto que trataremos acerca da mudança de paradigma ex post para um ponto de vista ex ante.

Vejamos no conceito de Vieira e Barreto

A governança é a estrutura que abarca os processos de direção e controle. A estrutura de governança (corporativa ou das sociedades) estabelece os modos de interação entre os gestores (agentes), os proprietários (shareholders) e as partes interessadas (stakeholders) visando garantir o respeito dos agentes aos interesses dos proprietários e das partes interessadas (alinhando desempenho e conformidade) (2019. p. 11).

O profissional de compliance deve conhecer as atividades diárias da empresa, seus funcionários e averiguar a que tipo de situações de risco ela está exposta, como, por exemplo, um risco financeiro. Isso o faz atuar em cargo de confiança com a diretoria da empresa, agindo como um verdadeiro conselheiro, de forma a proteger a empresa ou instituição e avisar à Justiça do descumprimento da lei, ou seja, das atitudes contra legi, e da violação dos princípios éticos necessários.

Desse modo, deve executar o processo contínuo que envolve a identificação das exigências (éticas, administrativas e legais), a perquirição e mitigação dos riscos de não conformidade (non compliance) e a adoção das diligências preventivas e corretivas cabíveis, de maneira a cumprir respectivamente com a tríade “prevenir, detectar e responder”, vigas mestras e esteio do Mecanismo de Integridade e Sistema de Compliance.

E por fim, no que se refere à formação deste profissional, o ramo de atuação da empresa é que definirá, seja advogado, administrador, contador, engenheiro, entre outras, o importante a ser levado em conta é a facilidade com a lida diária e caráter idôneo, por se tratar de arquétipo para os demais colaboradores.

  1. Compliance officer como garantidor e sua responsabilidade penal pelo non compliance

Em razão das atividades profissionais desempenhadas por este profissional, surge uma discussão acerca da responsabilidade penal por suas atitudes, em razão do não cumprimento dos deveres de vigilância, especificamente se ele pode ser responsabilizado por crimes

omissivos impróprios a partir de sua classificação como garante. Visto que, a omissão de um garantidor equivale a uma ação e, por isso, a sua omissão pode levar a responsabilidade por um crime por ação (por exemplo, lavagem de dinheiro). Em contrapartida, se o sujeito não é garantidor, a sua omissão levará à responsabilidade por um crime cujo tipo descreva uma omissão, sendo válido pormenorizar o que seria esse garante, a saber, é aquele que tem a obrigação legal de cuidado proteção e vigilância como é o caso dos policiais e bombeiros, também pode ser aquele que assumiu a responsabilidade de evitar o resultado (garante por assunção) ou mesmo o que é garante em razão de responsabilidade por ingerência, que existe quando o sujeito deixa de administrar a fonte de perigo, por exemplo.

O Código Penal Brasileiro, em seu art. 13, §2º dispõe (in verbis) traz a relevância da omissão na seara criminal, o que, por esta esfera, deixaria claro o seu papel diante da prevenção do cometimento de delitos, vez que, quando não é omisso, cumpre com seus deveres previamente estabelecidos e move toda a máquina corporativa para este fim, há o bom funcionamento das estratégias traçadas:

Art. 13 [...]

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

  1. tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

  2. de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

  3. com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Assim, é possível afirmar é que o compliance officer está sujeito à responsabilidade penal, e, diante do descumprimento de seu dever jurídico, pode ser caracterizado como coautor nos delitos praticados pelos entes da companhia, porém os meandros dessa responsabilidade ainda são um tema em desenvolvimento e dependerão das circunstâncias do caso concreto, não podendo este profissional ser automaticamente responsabilizado penalmente apenas por ter assumido tal cargo, sob pena da instituição de uma responsabilidade objetiva em matéria incriminadora, contrariando, assim, a doutrina do Direito Penal fundada na responsabilidade pessoal e na culpabilidade, tendo em vista que não tem o poder de evitar condutas ilícitas, mas o dever de comunicar a Alta Direção sobre eventuais inconformidades para que esta atue a fim de evitá-las ou estancá-las.

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Faz-se importante também a divisão eficaz das atividades propostas, de modo que no estabelecimento do compliance programme haja a fragmentação de responsabilidades, tendo o compliance officer a função como uma espécie de vigilante dos demais vigilantes, ou seja, um vigilante geral no esquema de prevenção de ilícitos, cuja atribuição é coordenar e fiscalizar o bom exercício das funções dos vigilantes específicos. Reforçando tal ideia, na visão de

Silveira (2014, p. 151), a posição do compliance officer excede a de um mero delegado de vigilância, e o seu papel em si não é de estipular recomendações, mas de real controle, mesmo que não tenha ele o poder de mando final, [...] pois ele se mostra como filtro às responsabilidades da alta cúpula empresarial.

Nesse sentido, no tocante à responsabilidade derivada dos erros, o exercício da posição do profissional de compliance, não pode o tornar como uma espécie de laranja ou testa de ferro, isto é, como um indivíduo que cede seu nome para ser usado em negócios ilícitos ou mesmo quem se faz passar responsável de ato ou empreendimento de outrem (LARANJA, 2021), escolhido pelo empresário ou ente coletivo para a linha de frente nas demandas criminais, de modo a apresentar-se responsável por atos de outrem (TESTA DE FERRO, 2021). Planas (2013) anuncia que “a delegação corretamente efetuada modifica a posição jurídica do delegante, liberando-o dos deveres inerentes âmbito de competência”, devendo ser os atos delegados dotados de independência e autonomia, passando o compliance officer a responder no limite dos deveres por ele efetivamente assumidos.

Leandro Sarcedo faz uma relevante colocação relativa acerca dos pressupostos fundamentadores da responsabilidade penal do profissional de compliance:

Dentro dessa perspectiva, os pressupostos fundamentadores da responsabilidade penal do chief compliance officer são:

  1. que sua omissão refira-se a um delito que ainda não foi cometido, pois, no caso de delitos já consumados, haveria omissão na sua denúncia, ação não punível nas relações privadas;

  2. a omissão tem que se dar em relação a uma conduta cuja realização, pelo menos em tese, faria supor a não ocorrência do delito;

  3. o risco do delito a ser evitado tem que integrar o rol daquelas atividades ou condutas que o encarregado de cumprimento normativo comprometeu-se concretamente a impedir que ocorressem (2014, p.72).

Desta feita, o Compliance officer não deve ser visto como inimigo da corporação, pois é um profissional multidisciplinar que percorre em todas as áreas da empresa, desde a administração às finanças, que cumprirá com o desiderato de estabelecer a melhor atitude e defesa da companhia, fazendo se, pois necessária à indicação e delimitação de suas funções, capacidades e deveres.

  1. Diferença entre Compliance officer e auditor interno

Como visto, à medida que as organizações quanto empresas crescem e tornam volumosas e complexas as suas operações, surge a necessidade da boa governança para o seu bom funcionamento, e diante disso, hodiernamente cumpre explicar o que seria auditoria, ou

mesmo auditoria interna, tendo em vista que fora tratado anteriormente da função do profissional de compliance.

Auditoria é sinônimo de fiscalização, atividade objetiva e independente, se configurando como um conjunto de ações cujo alvo é averiguar erros e incorreções em procedimentos realizados pela empresa. Ela pode ser oficial, executada por um órgão específico, devidamente legalizado para tal fim, a exemplo, a Receita Federal, ou mesmo exercido internamente por profissionais selecionados pela própria corporação – e aqui surge o papel dos auditores internos.

Completa Franco e Marra (2001):

Através de procedimentos específicos que lhe são peculiares, aplicados no exame de registros e documentos, inspeções, e na obtenção de informações e confirmações, relacionadas com o controle de informações da entidade objetiva obter elementos de convicção que permitam julgar se os registros contábeis foram efetuados de acordo com princípios fundamentais e normas de Contabilidade e se as demonstrações contábeis deles decorrentes refletem adequadamente a situação econômico- financeira do patrimônio, os resultados do período administrativo examinado e as demais situações nelas demonstradas (p. 28).

Enquanto o compliance officer, em termos de gestão, é responsável por elaborar formas de fazer com que os colaboradores executem as atividades pautadas nas normas, o objetivo principal do auditor interno é levantar pontos que possam ser utilizados para aplicar sanções à empresa, e mesmo verificar gargalos em processos ou localizar problemas causados por terceiros vinculados que pretendam obter vantagem financeira ilícita utilizando recursos da instituição.

E por fim, fixando a missão do profissional de compliance define a Associação Brasileira de Bancos Internacionais - ABBI:

Assegurar um conjunto com as demais áreas, a adequação, fortalecimento e o funcionamento do sistema de controles internos da instituição, procurando mitigar os riscos de acordo com a complexidade de seus negócios, bem como, disseminar a cultura de controles para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos existentes. (p. 09).

Logo, incumbe-lhe a implementação de novas diretrizes e ações que vão desde a criação de um novo código de ética e conduta, detalhamento dos dados financistas da empresa à instauração de investigações internas, canais de denúncia, realizando acompanhamento efetivo de executivos e funcionários, de modo a inibir ou frear os riscos que resultam na responsabilização da entidade por atos ilícitos.

  1. REFLEXOS DE UM DIREITO PENAL GLOBALIZADO: CAMINHO ATÉ A ADOÇÃO DO CRIMINAL COMPLIANCE

Como dito alhures, as conjunturas surgidas em um novo espaço globalizado e cheio de novas perspectivas, possibilidades de ações, força o dinamismo do ordenamento jurídico para acompanha-las, e, em especial, serão descritas aqui as mudanças causadas no Direito Penal com o advento da economicização deste diploma, verificando até mesmo a incidência da ideia denominada por Silveira (2015, p. 48) de um Direito Penal transnacional, que regule ações e eventos que transcendem as fronteiras nacionais.

Diante desse cenário, é imperiosa a ascensão de um direito penal moderno, cujo fito não recai apenas na criminalidade individual, que é base do direito penal clássico, e sim com o foco dirigido para a criminalidade coletiva, que guarnece bens jurídicos supraindividuais e intangíveis, conforme esclarece Gloeckner (2012, p. 4):

No que diz respeito ao direito penal, a complexidade das relações sociais e os processos de globalização permitiram o surgimento de práticas delitivas transnacionais. Este novo cenário sobre o qual se passou a exigir do direito penal econômico uma nova roupagem de suas categorias como tipo objetivo, dolo, causalidade, concurso de pessoas, etc., também exigiu que fossem objeto de estudo determinados deveres de informação e de atuação sobre certos agentes, quando se tratar de relações de mercado e práticas de transação econômica.

No tocante ao sistema de fontes do Direito Penal e mesmo em relação a uma nova configuração a formular um Direito (mundial), considerando a ingerência de organismos internacionais em sua produção, Navarro Dolmestch (2004, p. 102) inicia um interessante trabalho e aponta que a globalização, como fenômeno econômico, caracteriza-se pela criação, em escala mundial, de redes de intercambio, gerando uma verdadeira e nova ordenação mundial, que reflete no Direito, em especial na produção legislativa – e que, dentro de uma perspectiva globalizada, essa transnacionalização jurídica abala o próprio sistema de fontes e consequentemente o princípio da legalidade.

Todavia, na perspectiva de Zugaldía Espinar (2008, p. 28), diante das necessidades variáveis, seria desejável que as categorias dogmáticas se adaptassem mesmo às novas situações e exigências político-criminais para que o que se mostre conveniente do ponto de vista político-criminal também o seja desde um ponto de vista dogmático.

O dinamismo social, a expansão, economicização e administrativização do Direito Penal traduzidos à luz da macrocriminalidade

Quando falamos em Direito Penal quanto órgão controlador e fiscalizador das relações sociais, o entendemos como um instituto que deve acompanhar os anseios da sociedade que variam constantemente, e, ante ao aumento da percepção da corrupção e do volume dos comportamentos desviantes, cresce também o anseio por repeli-los, apresentando as normas penais incriminadoras à sociedade como solução de tudo, ocasionando o que podemos chamar de expansionismo ou mesmo inflacionismo penal, que atualmente se traduz na criação de vários tipos penais de perigo abstrato, isto é, que não se exige a comprovação da produção da situação de perigo (Masson, 2020, p. 177).

Nesse sentido, os crescentes tipos penais proibitivos volvem o Direito Penal de sua característica de ultima ratio (última alternativa) para se tornar prima ratio (primeira alternativa) na resolução de conflitos.

Em uma análise inicial, a economicização do Direito Penal ocorre justamente quando a economia trata o Direito Penal como um modo de controle das atividades que se apresentam nocivas e contrárias às normas, e a espelho do mencionado direito penal mundial que abrange vários campos, tutela a economia como bem jurídico penalmente protegido.

Neste passo, Silveira opina:

Apesar de se esperar (e bradar) por uma otimização das questões criminais, buscando uma mais pronta resposta por parte do Estado, tem-se, em verdade, a cessão de espaços consagrados pela ciência penal a outras áreas. Dessa forma, para além de se dizer que o Direito Penal não é mais senhor de sua própria casa, tem-se a curiosa situação onde todos os ramos jurídicos solicitam o amparo e o reforço de previsões penais, sem, contudo, permitir que a órbita penal venha a gerenciar como deve ser dada tal resposta (2017, p. 409).

Desse modo, por um olhar geral, ainda na seara dos neologismos advindos da globalização, vemos também o processo de administrativização do Direito Penal, também resultado dos avanços sociais e tecnológicos ao mundo, que com a transformação dos ordenamentos jurídicos, deixa o Direito Penal clássico, de intervenção mínima, cada vez mais para trás, sobretudo a partir da persecução penal e administrativa decorrentes de atos de corrupção. E na sociedade de risco outrora assinalada, há a potencialização dos bens jurídicos coletivos, exigindo a proteção máxima destes, resultando na utilização crescente dos crimes de perigo, situação esta que legitima a aceitação do crescimento da antecipação da punibilidade.

Nas palavras de Diniz Neto (2010, p. 210)

O fenômeno da administrativização do direito penal caracteriza-se, eminentemente, pela combinação de fatores como a introdução de novos objetos de proteção, a antecipação das fronteiras de proteção penal e a transição definitiva do modelo de “delito de lesão de bens individuais” para o modelo de “delito de perigo de bens supra-individuais”, nas acepções já analisadas.

Dessa forma, a administrativização do Direito Penal ocasiona, pois, a mudança no modus operandi do Direito Penal clássico e adoção da macrocriminalidade, que se resume nos crimes praticados com um elevado número de vítimas e afetados direta ou indiretamente, abarcando os delitos lesam a administração incolumidade pública, capazes de extrair grandes montantes de dinheiro do patrimônio, seja do Estado ou de particulares. Com efeito, temos os crimes econômicos, marcados pela delinquência empresarial, ou, numa definição mais genérica e estereotipada, pela delinquência do colarinho branco (White Collars), e também pela dissemelhança na forma de violência dos crimes mais comuns (microcriminalidade – normalmente designada pelos crimes do colarinho azul, termo usado em contraponto aos colarinhos brancos já famigerados), vez que crimes como o roubo ou homicídio são ditos mais violentos, por assim dizer.

Nesses macrocrimes, onde se situam a lavagem de dinheiro, corrupção, improbidade e fraude, os agentes se baseiam em um modus multifacetado, que envolve, por conseguinte o crime de organização criminosa – e o combate, tratamento destes, obriga um sistema bem mais audaz e eficiente, que não se traduz no Direito Penal moderno apenas em legislação que abarque penas proporcionais ao achaque desses crimes.

  1. Aproximação entre os sistemas common law e civil law

Em decorrência da globalização, o emprego dos sistemas da common law e civil law converteu-se em algo flexível, tendo em vista que é comum encontrar países que, embora acompanhem um sistema de forma predominante, contam com normas, preceitos e fundamentos ou institutos trazidos de outros sistemas, como o que acontece atualmente com ordenamento jurídico brasileiro que, embora siga o sistema romano-germânico civil law – derivado da colonização pela coroa portuguesa – possui alguns institutos trazidos do inglês common law.

A título de esclarecimento, como bem sintetizado por Helga Bevilacqua (2021, online), enquanto o common law é baseado em decisões proferidas pelos Tribunais, no civil law prioriza-se o Direito codificado e a interpretação da lei orienta a atuação do operador do Direito.

Da responsabilização da pessoa jurídica

Acerca da possibilidade responsabilização da pessoa jurídica, embora não haja transformação da estrutura dos sistemas jurídicos, são misturados os temas particulares de common law e civil law e de Direito administrativo e de Direito Penal.

Nesta linha de raciocínio e em termos de Teoria Geral do Crime, os indiferentes à responsabilização penal dos entes erguem a bandeira do princípio societas delinquere non potest, fundamentado na ausência de capacidade de ação, de capacidade de culpabilidade e de capacidade de pena por parte das empresas – coadunado por Juarez Cirino que sustenta:

A pessoa jurídica não tem capacidade penal (ou capacidade de culpabilidade), porque os requisitos de maturidade e sanidade mental que fundamentam a capacidade penal de seres humanos são inaplicáveis à entidade incorpórea da pessoa jurídica (2013, p. 287).

Os pesquisadores favoráveis como Francisco Muñoz (1993, p. 26), por seu turno, caucionam a necessidade de responsabiliza-las pelos delitos socioeconômicos e financeiros, a aludida delinquência de colarinho branco e visionam a urgência de buscar novas vias de luta contra a criminalidade organizada, bem como a objetiva preservação do capital mediante a punição efetuada como caráter pedagógico de forma de inibir novas práticas, assim como afirmam que insistir em uma estrutura individual de imputação para tratar da responsabilidade por infrações realizadas no âmbito de pessoas jurídicas nos levaria a um estado de “irresponsabilidade organizada” (Schünemann, 1979, p. 30).

Tratando do tema, Sarcedo (2015, p. 79) esclarece que:

Dentro dessa lógica, a ideia embutida na responsabilização criminal das pessoas jurídicas, reforçada pela possibilidade de punição pessoal de seus dirigentes, é reforçar no ambiente corporativo, pela intimidação exercida pela pena, a mentalidade de obediência às normas jurídicas, num efeito de prevenção geral. A possibilidade de condenação criminal da empresa deixa claro que a norma jurídica violada dirige-se a toda coletividade da organização e merece uma reprovação social. Tem, também, essa apenação uma função preventiva especial, na medida em que visa a intimidar a empresa, considerada em sua coletividade, para que não reincida no delito. Em vista disso, a cominação da pena em face de pessoas jurídicas tem, consequentemente, o efeito de persuadir as empresas a monitorar suas atividades internas, para manter sua conformidade com o sistema jurídico.

Nessa perspectiva, se faz útil destacar que entre os diplomas legislativos brasileiros há lei que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, a exemplo, temos a Lei nº 12.846, sancionada em agosto de 2013. No entanto, em respeito princípio da anterioridade da Lei Penal, consagrado nos termos do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, no qual prevê que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, ratificado pelo art. 1º do Código Penal, em se tratando de ilícitos de natureza financeira, as empresas ainda não podem ser consideradas sujeito ativo e, portanto não podem ser responsabilizadas penalmente, sob pena de verdadeira analogia in malam partem, em clara e evidente afronta ao princípio da legalidade.

Da mudança de paradigma no Direito Penal: ex post para um ponto de vista ex ante

Neste ponto será tratado da relativamente nova postura do ordenamento jurídico que, com o fito de abarcar de forma típica o máximo de delitos possível, passa a sofrer uma revolução paradigmática no plano do direito penal, pois na medida em que a protege os denominados bens jurídicos, passa de uma perspectiva ex post, repressiva, voltada a uma resposta posterior à prática do delito, para um ponto de vista ex ante, pautada na antecipação e minimização de potenciais eventos delitivos decorrentes das atividades corporativas.

Assim, com a promessa de contribuir sobremaneira com a minoração das práticas delitivas, surge o instituto do Criminal Compliance no Brasil face a criminalidade perigosa que não mais surge das áreas marginais, mas sim das elites dirigentes, econômicas e políticas, denominada por sua vez de criminalidade econômica, como bem esclarece Guaragni (2017, p. 21):

Diversamente da criminalidade tradicional, a criminalidade econômica é praticada por pessoas que ostentam uma posição social e status mais elevados, sendo o ato típico comumente praticado por empregados de firmas comerciais ou pelos próprios empresários no exercício do cargo ocupado. É por essa razão que Tiedemann caracteriza essa infração como fruto do abuso de confiança socialmente exigível na vida econômica, por meio de condutas que contradizem o comportamento do correto comerciante e que lesionam interesses individuais e a correlata ordem econômica.

Então, os mecanismos penais tradicionais e as clássicas técnicas de investigação policial, não se mostram as melhores formas de combatê-las, pois o combate de poder, em que a força de corromper encontra níveis elevados, auxiliaria os criminosos a reduzirem os riscos decorrentes da aplicação das leis (CARDOSO, 2015, p. 24), sendo, pois necessária, para o enfrentamento e redução dos altos índices dessa espécie de crime, de modo a reajustar o controle a formas compartilhadas.

Transferência da responsabilização estatal no controle das atividades e do jus puniend

A Lei de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro, como supradito, fortificou os pilares do Compliance no Brasil, e decerto, estreou na normativa nacional as condutas

preventivas cumuladas com os deveres de informação de atividades suspeitas, a serem obedecidas pelos órgãos financeiros e relacionados colaboradores, que passaram a ter o dever de atuar como cooperadores do sistema punitivo, ensejando implicações nas esferas administrativa e penal podem ocorrer, nos casos de não cumprimento de tal incumbência.

Ao que tudo indica, o desiderato da Lei 12.846/2013 seria atalhar comportamentos com algum potencial lesivo, priorizando seus efeitos preventivos, empregando o Direito Penal numa característica nova, diferente de suas características tradicionais, porém, configura-se tal perspectiva como perigosa, vez que um programa de compliance quando não efetivo, pode acarretar efeito inverso para a empresa, já que ela mesma estaria investigando e destacando as condutas indevidas praticadas por seus membros, numa espécie de autoincriminação (Ventura, 2018, online).

Isto posto, depreende-se a intenção do Estado de transferir ao particular a responsabilidade de inibir e coibir as práticas delitivas, pessoas físicas e jurídicas elencadas no art. 9º da Lei 9.613/98, alterada pela Lei 12.643/13, de modo a também aplicar sanções quando deixarem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 do mesmo diploma legal, tais como aplicação de multa pecuniária, inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, e a cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento. Tal entendimento acaba por se firmar nos apontamentos de Benedetti (2014, p. 92), “o criminal compliance surge como uma ferramenta de prevenção de ilícitos criminais, mas, também e principalmente, como instituto de transferência de responsabilidade penal”.

O artigo 7º, inciso VIII da Lei Anticorrupção, a qual prevê que serão levados em consideração na aplicação das sanções: “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. Por sua vez, para que as empresas possam usufruir dos benefícios contidos nesse inciso, deverão observar os requisitos indicados no inciso 42 do Decreto Federal nº 8.420/2015, quais sejam:

Art. 42.

Para fins do disposto no § 4° do art. 5°, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

[...]

IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

[...]

XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

Dessa forma, configurando incisivamente também a transferência do jus puniend, expressão latina que pode ser traduzida literalmente como direito de punir do Estado.

  1. IMPACTOS DO CRIMINAL COMPLIANCE NOS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE ECONÔMICA

Neste capítulo é imperioso tratar da real eficácia da adoção do instituto do Criminal Compliance no Brasil no que concerne à minoração dos índices de crimes contra a ordem econômica, priorizando o que diz respeito à diminuição de práticas delitivas como o branqueamento de capitais e a corrupção ativa e passiva, vez que o cenário corporativo global se mostra gradualmente mais integrado, volátil, imprevisível e complexo, demandando a adequação das organizações, sob pena de insucesso e exclusão do mercado.

Criminalidade econômica: conceituação primária

Os crimes econômicos incluem uma série de crimes que põem em perigo a economia. Regulado principalmente por leis especiais, existe uma parte disciplinar no direito penal. Embora a lista seja diversificada, é claro que vem principalmente de relações de consumo, tributação, economia, finanças públicas/privadas e outros campos. E, aprioristicamente, de forma a trazer solidez a nossa estrutura basilar de definições, vemos o penalista Cleber Masson (2020) que faz uma interessante disposição em seu Manual de Direito Penal no capítulo de classificação crimes

Crimes de rua são os praticados pelas pessoas de classes sociais desfavorecidas, a exemplo dos furtos executados por miseráveis, andarilhos e mendigos. Esses delitos são cometidos aos olhos da sociedade, em locais supervisionados pelo Estado (praças, parques, favelas etc.), e por essa razão são frequentemente objeto das instâncias de proteção (Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário). Quando ficam alheios ao conhecimento do Poder Público, integram as cifras negras do Direito Penal. Os crimes de rua se contrapõem aos "crimes do colarinho branco" (white collar crime), cometidos por aqueles que gozam e abusam da elevada condição econômica e do poder daí decorrente, como é o caso dos delitos contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986), de lavagem de capitais (Lei 9.613/1998) e contra a ordem econômica (Lei 8.176/1991), entre tantos outros. Nesses crimes socioeconômicos, surgem as "cifras douradas do Direito Penal”, indicativas da diferença apresentada entre a criminalidade real e a criminalidade conhecida e enfrentada pelo Estado. Raramente existem registros envolvendo delitos dessa natureza, inviabilizando a persecução penal e acarretando a impunidade das pessoas e privilegiadas no âmbito econômico. De fato, em tais crimes o Poder Público pouco interfere, pois são praticados em locais privados (escritórios, restaurantes de luxo, casas, apartamentos etc.), resultando no desconhecimento pelo Estado e, consequentemente, na ausência do correspondente registro para viabilizar a persecução penal. Se os crimes econômicos são etiquetados como crimes do colarinho branco, os crimes de rua são rotulados como crimes do “colarinho azul" aqueles fazem alusão às finas camisas utilizadas pelos executivos das grandes empresas, enquanto estes se referem à cor dos macacões utilizados pelos operários norte-americanos da década de 1940. (p. 191)

Assim, como supramencionado, tem-se o branqueamento de capitais, fenômeno global também conhecido como lavagem de dinheiro e a corrupção, nas modalidades ativas e passiva, regulados em lei específica, como os mais famosos da seara financeira, dentre outros delitos que não serão parte deste estudo de forma pormenorizada.

Corrupção: parte do DNA brasileiro

O fenômeno da corrupção vem em processo acumulativo desde muito longe e se disseminou nos últimos tempos em níveis e endêmicos, não se tratando de falhas individuais pontuais, mas sim de um fenômeno generalizado, sistêmico plural, que envolve desde o simples prócer, aos membros de partidos políticos, agentes públicos, privados, membros do Executivo, Legislativo e mesmo, do Judiciário – espelhando, na voz de Cueva (2018), um pacto oligárquico celebrado entre boa parte da classe política, do empresariado e da burocracia estatal para o saque do Estado brasileiro (p. 675).

Frisou ele também que

O modo de fazer política e de fazer negócios no país passou a funcionar mais ou menos assim: (I) o agente político relevante indica o dirigente do órgão ou da empresa estatal, com metas de desvio de dinheiro; (II) o dirigente indicado frauda a licitação para contratar empresa que seja parte no esquema; (III) a empresa contratada superfatura o contrato para gerar o excedente do dinheiro que vai ser destinado ao agente político que fez a indicação, ao partido e aos correligionários. Note- se bem: este não foi um esquema isolado! Este é o modelo padrão. A ele se somam a cobrança de propinas em empréstimos públicos, a venda de dispositivos em medidas provisórias, leis ou decretos; os achaques em comissões parlamentares de inquérito, para citar alguns exemplos mais visíveis. Nesse ambiente, faz pouca diferença saber se o dinheiro vai para a campanha, para o bolso ou um pouco para cada um. Porque o problema maior não é para onde o dinheiro vai, e sim de onde ele vem: de uma cultura de desonestidade que foi naturalizada e passou a ser a regra geral. (p. 711 e 712)

E nesse diapasão, Cueva (2018) traz ainda uma reflexão acerca das circunstâncias reais brasileiras no que se refere às práticas corruptivas e seus agentes, afirmando que há o surgimento de uma Nova Ordem que pretende atingir aqueles que se imaginaram imunes e impunes, mesmo que parte do pensamento progressista no Brasil vislumbre a corrupção como uma nota de pé na história do país e passe a acreditar que os fins justificam os meios. Trata ele que há um sentimento republicano e igualitário crescente disposto a vencer essa triste realidade, tendo em vista que em uma democracia, política é gênero de primeira necessidade e que não podemos simplesmente demonizá-la, ao tempo em que também não se deve politizar o crime, diz mais ele:

No entanto , o parlamentar que vende dispositivos em medidas provisórias, cobra participação em desonerações tributárias ou canaliza emendas orçamentárias para instituições fantasmas (e embolsa o dinheiro) comete um crime mesmo. Não há como “glamourizar” a desonestidade (p. 700)

Assim, de forma intrigante até, vê-se que a mesma multidão que toma as ruas do país com pedidos de moralização, é a mesma que preza pelo jeitinho favorável que estampa a desonestidade, e embora as pessoas fiquem chocadas com os sucessivos escândalos de corrupção, há, e não são poucos, aqueles que veem como comum a prática cotidiana da corrupção.

Da superação da corrupção sistêmica

É válida a indagação acerca da possibilidade de um caminho eficiente, com o advento do compliance e a adoção de medidas ex ante, para superação dos atos e efeitos corruptivos de nosso país, vez que se suscita que este mal súbito consta desde a colonização pela coroa portuguesa – ideia sustentada pelo antropólogo Unifra Guilherme Howes (2021) – que afirma que a trajetória e a formação histórica do Brasil apontam que, aqui, o compadrio, a troca de favores, o "toma lá, dá cá" são práticas que marcam a construção de nossa identidade social – herança deixada pelo mundo ibérico. O autor também se atenta para uma construção social, ao longo dos cinco séculos, que permite que sejamos tolerantes à corrupção.

E, diante da criação de um número sem fim de leis penais, e outras que visem suprir a lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a administração pública, em especial por atos de corrupção, que reverberem de toda forma no âmbito punitivo faz com que as condutas conformadas legalmente sejam discutidas pelo Poder Judiciário com tanta frequência que torna a jurisdição criminal uma verdadeira repartição da Administração Pública, banalizando- a, não gerando superação efetiva ao problema exaustivamente declamado, de forma a tratar apenas a “ponta do iceberg”, demonstrando assim que na prática se prefere procurar um paliativo legislativo a enfrentar as causas mais profundas que encampam a criminalidade.

De tal modo, na voz de Hevelin Agostinelli (2016, online), importante se torna refletir e considerar a discussão acerca da moralidade social, e não apenas pública (do funcionalismo público), quanto aos desígnios de condutas que, sendo ou não consideradas criminosas, podem causar danos sociais dificilmente reversíveis, pois, por trás das empresas que por

intermédio das quais são cometidos os danosos atos ilícitos, há pessoas com caráter farrusco, que, por sua desonestidade intrínseca, são os protagonistas do cenário antiético no Brasil.

Vemos em continuidade a falta de superação gravada em Índice de Percepção, o principal indicador de corrupção do mundo, produzido desde 1995 pela Transparência Internacional. O IPC (Índice de Percepção 2020) avalia 180 países e territórios e os atribui notas em uma escala entre 0 (quando o país é percebido como altamente corrupto) e 100 (quando o país é percebido como muito íntegro), vejamos na Figura 1:

Fonte: Transparência Internacional

Em termos interpretativos, vê-se justamente uma análise perquirida no ínterim que corresponde à adoção mais sagaz do Compliance no Brasil, em meados de 2012 e curiosamente a queda da pontuação que aproximaria nosso país da almejada integridade, do conjecturado destaque em honestidade por parte de sua gente.

Noutro levantamento denominado Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC), desta vez realizado pela Americas Society/Council of the Americas e pela Control Risks, são analisadas 14 variáveis, incluindo a independência das instituições jurídicas e a quantidade de recursos disponíveis para combater crimes de colarinho branco, avaliam e classificam os países com base na eficácia com que podem combater a corrupção, onde "os países com uma pontuação mais alta são considerados mais propensos a ver atores corruptos processados e punidos" – e, na outra ponta, "uma continuação da impunidade é mais provável em países no extremo inferior da escala" (p. 05). No relatório correspondente ao ano de 2021, o Brasil, que ocupa a sexta posição do ranking, teve a maior queda entre os 15 países latino- americanos analisados (p. 15) quanto à capacidade de detectar, punir e prevenir a corrupção, e sua pior nota do país foi na categoria "democracia e instituições políticas", como podemos vislumbrar na Figura 2:

Figura 2 - Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC) 2021

Fonte: American Quarterly

Em suma, o acima enxergado é traduzido em forma de indignação em virtude de o Estado preocupar-se diretamente com as operações econômicas, criando leis em demasia que por muitas vezes se chocam e suscitam crimes muito semelhantes entre si, atribuindo penas e mais penas, trazendo por vezes revogações tácitas, por outras, revogações expressas umas das outras, pondo em xeque a atividade jurisdicional – onde se deve realizar o árduo ofício de interpretação de leis no tempo e no espaço para verificar sua aplicabilidade – e provando que, embora punições assustem determinadas práticas, o Direito Penal não é a salvação da moralidade.

São corriqueiros os escândalos de ordem econômica no Brasil, o que faz com que a história política do fique marcada por inúmeros casos de corrupção, dentre os quais, é evidente a forma como a apropriação indevida do dinheiro público está enraizada nos brasileiros e, quase que plenamente, ligada ao aspecto político da sociedade nacional. O passado é assinalado por diversos acontecimentos que envolveram pagamento de propinas a políticos por empresários que desejavam (e desejam, haja vista estar muito claro que estas práticas continuam ocorrendo Brasil a fora) enriquecer às custas do patrimônio público.

Nesse sentido, se faz importante trazer no anexo A desta obra, a título de exemplificação, os cinco mais emblemáticos desvios de já investigados em nosso país pela Controladoria Geral da União (CGU), identificados por este órgão em levantamento feito a pedido de Época NEGÓCIOS em 2015 – o que destaca ao longo dos anos a dificuldade se de combater a corrupção no cenário brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em verdade, pouco ainda se pode afirmar acerca da realidade do instituto criminal compliance no Brasil. Conclui-se, assim, o susodito estudo, afirmando que, embora traga acertados avanços e incentive condutas socialmente desejáveis, muito ainda há de ser feito no sentido de um eficaz modelo de compliance como mecanismo de prevenção da delinquência empresarial no Brasil. Inequívoca é, contudo, a necessidade de aprofundamento dos estudos criminológicos e científico-filosóficos no âmbito da compreensão e prevenção dessa variante criminógena que é a corrupção. Faz-se essencial a aproximação entre os estudos jurídicos e a base sociológica dos problemas, com o fito na melhora da nossa sociedade, pois, em um olhar não muito distante percebemos que a raiz do problema é muito mais profunda para ser combatida com medidas superficiais. O percalço em questão é, sobretudo, originário da – como muitos outros problemas do brasileiro – moralidade, ou melhor, da falta dela, que corrigida será, se cultivada desde a tenra idade.

Há, por isto, várias críticas consistentes contra a grande quantidade de leis existentes no em nosso país, mesmo estas sendo produzidas para atender aos anseios da sociedade, pois não se vê a sua real efetividade no tocante ao combate e prevenção do crime, ineficácia esta que fica mais latente ao fracassar na busca pela integridade ética das negociações. O Estado utiliza seu poder de intervenção em várias searas, acreditando apaziguar os ânimos sociais diante de escândalos políticos, representantes do Legislativo abarrotam a sociedade com leis impraticáveis, adotando o viés punitivo, tem-se a atitude extrema e severa do Estado sobre as mais diversas atividades, gerando exacerbado número de sanções administrativas e penais, que na verdade passam a tapar o sol com a peneira, se é que assim pode dizer.

Além disto, e aí está o cerne da questão, quando, enfim, o julgamento das ações penais sobre delitos para os quais a lei determina sanções prisionais geram, na verdade, condenações a penas restritivas de direito, a sociedade tem a sensação de que os crimes econômicos nunca são punidos e que seus agentes, em geral, saem impunes, por se tratar do alto escalão que sempre tem meios para corromper até mesmo doutos julgadores e operadores do Direito. Ou seja, a própria lei burocratiza a atuação do Judiciário e, por fim, o descredibiliza, promovendo o sentimento social de ausência de punição e de incompetência de um poder que deveria ser extremamente respeitado.

No âmbito empresarial, por exemplo, o criminoso possui alto grau de racionalidade e calcula a quantidade de ganho com a probabilidade de ser pego e condenado. O custo marginal muitas vezes é internalizado pela empresa, exercendo suas funções de maneira a incorporar o possível custo da pena a ser aplicada. De outro turno, uma pena para os crimes patrimoniais e as pessoas jurídicas – em um olhar econômico – também deve levar em consideração seu caráter inibidor. Deve uma punição estar relacionada ao prejuízo causado pelo cometimento do crime e pelo prejuízo causado.

Portanto, o que se deve ter presente é que a criminalidade é um fenômeno complexo, tendo o direito penal, necessariamente, papel secundário – de utilização mínima; o que deve ser máximo é o atuar do Estado na concretização de políticas públicas e sociais que visem construir um Estado Social, pautado sobretudo, na educação e no culto à moral e às virtudes, pois um movimento repressivista é a tradução evidente do afastamento do Estado de suas funções sociais, com o consequente aumento do Estado penal como forma de contenção da marginalização, que somente tem o condão de explicitar a inoperância do poder público em gerir políticas sociais que solucionem as causas da criminalidade.

A corrupção tem altos custos financeiros, sociais e morais para o país, e o enfrentamento da mesma tem encontrado resistências diversas, ostensivas e dissimuladas, diante da falta de educação moral e não meramente tecnicista, que sirva para conscientização e mudança da essência, que seja útil à fortificação da base da ética pública.

Como um câncer em metástase, o corrompimento daqueles que poderíamos contar (representantes do povo, ocupantes de grandes cargos, detentores de altas responsabilidades), compromete a qualidade dos serviços públicos como um todo, nas maiores e relevantes áreas como saúde, educação, segurança pública, estradas, as consequências são desastrosas, seja ele no nosso trivial dia a dia ou nos gabinetes de Brasília, não terá fim por meio de atos políticos, decretos ou leis, a reversão desse quadro de falta de ética passa, basicamente, por uma mudança de comportamento.

A cidadania no Brasil vive um momento de tristeza e angústia, que por olhos gerais pode parecer que o mal venceu, e nessa acepção, o pior dos custos é o moral, que favorece uma cultura de desonestidade e esperteza, fomentada pelo famoso “jeitinho brasileiro”, quecontamina as pessoas e espalha letargia, nos fazendo talvez apontar que esse jeitinho enraizado não tem mais jeito. Mas, ao olhar para sociedades vizinhas, bem colonizadas e sucedidas, para os ditos países de primeiro mundo, vemos que a adoção de outras medidas tais como educar nossos próceres ao comprometimento com a nação por meio da educação, trará em longo prazo cidadãos empenhados em zelar pelo seu país, aptos a olhar além do próprio umbigo e entender que um meio social salutar se faz com lisura, honestidade, integridade e honradez.

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ANEXOS

ANEXO A - Os maiores escândalos de corrupção do Brasil eleitos pela CGU

  1. OPERAÇÃO NAVALHA

A investigação da Polícia Federal, que começou em 2004 na Bahia, apontou a existência de um sofisticado grupo organizado voltado a obtenção ilícita de lucros por meio da contratação e execução de obras públicas. Diversos crimes autônomos teriam sido praticados, como fraude a licitações, peculato, corrupção ativa e passiva, crimes contra o sistema financeiro nacional e outros. O suposto esquema teve início no Poder Executivo federal. Em troca de vantagem indevida, servidores e agentes políticos de diversos ministérios direcionavam verbas da União para obras em locais onde havia atuação da construtora Gautama. Os prejuízos chegam a mais de R$ 154 milhões.

  1. MÁFIA DOS SANGUESSUGAS (OU DA AMBULÂNCIA)

Apesar de existir desde 2001, o esquema foi deflagrado pela PF, em parceria com a CGU, em maio de 2006 e prendeu assessores e servidores públicos acusados de desviar mais de R$ 110 milhões do Orçamento destinado à saúde pública na compra de ambulâncias superfaturadas em até 120%. A propina era paga pela empresa Planam. Mais de 70 parlamentares foram denunciados como integrantes da quadrilha, que atuou durante cinco anos em Mato Grosso, Acre, Amapá, Distrito Federal, Paraná e Rio de Janeiro. O esquema ocorreu durante o período em que quatro ministros ficaram à frente da pasta: José Serra e Barjas Negri, no governo FHC, e Humberto Costa e Saraiva Felipe, do governo Lula.

  1. CASO FURNAS

O esquema levantou indícios de superfaturamento na construção de duas hidrelétricas, Batalha e Simplício, que começou em 2008, pela empresa estatal Furnas Centrais Elétricas. Na época, o Tribunal de Contas da União (TCU) levantou que o estudo de viabilidade de Batalha (na divisa entre MG e GO) orçava a obra em R$ 460 milhões. Depois, o valor pulou para R$ 868 milhões e chegou quase a R$ 1 bilhão. Analisando a relação custo da obra e do retorno, o prejuízo estimado foi de, no mínimo, R$ 177 milhões. No mesmo período, também foram levantadas irregularidades em atos administrativos praticados pela gestão da Sociedade de Propósito Específico (SPE) Serra do Facão, que ocasionou perdas financeiras de R$ 8,4 milhões.

  1. MÁFIA DOS TRANSPORTES

Uma série de denúncias de superfaturamento foi levantada em julho de 2011. No foco, estavam a estatal das ferrovias Valec e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), comandado por Luiz Antonio Pagot (PR). Conforme relatos apurados pela imprensa da época, o PR cobrava 4% de propina de empreiteiras interessadas em contratos com o governo. A maior parte do dinheiro ia para o caixa do partido, sob a direção do então ministro Alfredo Nascimento e do deputado Valdemar Costa Neto. O restante era destinado aos parlamentares dos estados em que as obras deveriam ser feitas. O rombo ultrapassou os R$ 23 milhões.

  1. FRAUDE EM LICITAÇÕES DA SAÚDE PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO

No início de 2012, um repórter do Fantástico se infiltrou no setor de compras do Hospital Federal Infantil do Rio de Janeiro durante dois meses. A reportagem, que foi ao ar em março, revelou um poderoso esquema de fraudes em contratos e licitações, pagamentos de propinas, pagamentos sem serviços prestados ou sem cobertura contratual. Além de funcionários públicos, quatro empresas, que estão entre os maiores fornecedores do governo federal, foram investigadas. Entre elas estava a Locanty, que, em 2010, doou mais de R$ 1,4 milhão para quatro campanhas eleitorais: a do governador Sérgio Cabral (R$1,3 milhão), dos deputados estaduais Alcebíades Sabino (PSC) e Bebeto (PDT), que receberam R$ 50 mil cada, e à direção nacional do PSDB, que também recebeu contribuição de R$50 mil. O prejuízo aos cofres públicos foi de R$ 22 milhões.

Além destes temos os mais recentes e famigerados casos do Mensalão e Petrolão, descobertos através da operação Lava Jato e expostos no site da Gazeta do Povo, esquemas envolveram o desvio de dinheiro público, recebimento de propina e lavagem de dinheiro. O primeiro foi um esquema envolvendo desvio do dinheiro público arquitetado por integrantes do PT, que utilizavam um montante adquirido com intuito de pagar propina a deputados federais na Câmara com o intuito de obter votos favoráveis para projetos propostos para o grupo de situação. O segundo e bem semelhante, foi um esquema de proporções bilionárias envolvendo a Petrobras. Durante os governos Lula e Dilma, o esquema envolvia cobrança de propinas de empreiteiras, evasão de dívidas, superfaturamento e lavagem de dinheiro.

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