Resumo
O presente trabalho aborda um questionamento relativo ao extravio de material bélico no contexto militar, focando na perspectiva do agente que enfrenta processos disciplinares e legais devido a esse tipo de incidente, abordando aspectos legais, psicológicos e institucionais. Por se tratar de uma questão relevante, tanto do ponto de vista operacional quanto jurídico, através do recurso de revisão literária, este estudo analisa as causas subjacentes ao extravio, as implicações jurídicas e disciplinares para os militares envolvidos, bem como as políticas e práticas atuais relacionadas ao controle de material bélico nas Forças Armadas, haja vista as repercussões significativas para a segurança nacional, a integridade das operações militares e reflexos psicossomáticos na vida do militar processado.
Palavras-chave: Extravio de material bélico. Processos disciplinares. Implicações jurídicas. Reflexos psicossomáticos.
Abstract
The present work addresses a question regarding the loss of war material in the military context, focusing on the perspective of the agent who faces disciplinary and legal proceedings due to this type of incident, addressing legal, psychological and institutional aspects. As this is a relevant issue, both from an operational and legal point of view, through the use of literary review, this study analyzes the causes underlying the loss, the legal and disciplinary implications for the military personnel involved, as well as current policies and practices. related to the control of war material in the Armed Forces, given the significant repercussions for national security, the integrity of military operations and the psychosomatic consequences in the life of the military defendant.
Key-words: Loss of military material. Disciplinary processes. Legal implications. Psychosomatic reflexes.
Sumário
Introdução
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Conceituação prévia
Crime militar
Material bélico
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Consequências legais do extravio de material bélico
Punição administrativa
Punição criminal
Reparação cível
O viés do rito processualista penal e a exposição do militar réu
Reflexos psicológicos na vida do militar processado
Conclusões
Introdução
O extravio de material bélico em serviço é um assunto extremamente sério e delicado dentro das Forças Armadas. Quando um militar se vê envolvido nesse tipo de situação, enfrenta não apenas consequências disciplinares severas, mas também implicações legais significativas.
Primeiramente, é importante destacar que o material bélico perdido pode variar em natureza e gravidade, indo desde armamentos individuais até veículos ou equipamentos sensíveis. A responsabilidade sobre esses itens é absolutamente crucial para a segurança nacional e para a integridade operacional das unidades militares.
Para o militar envolvido, o processo que se segue após o extravio envolve uma investigação rigorosa para determinar as circunstâncias exatas do incidente. Isso inclui avaliar se houve negligência, falha de protocolo ou mesmo a possibilidade de ação criminosa. Dependendo da gravidade do caso, o militar pode ser sujeito a um Conselho de Justificação ou a um Conselho de Disciplina, que decidirá sobre medidas disciplinares apropriadas.
Além das consequências disciplinares internas, há também implicações legais, pois o extravio de material bélico pode configurar crime militar, sujeito a punições que vão desde detenção até prisão, dependendo das leis e regulamentos aplicáveis ao país em questão.
Nesse sentido, este artigo se propõe a explorar o tema do extravio de material bélico sob a óptica do militar processado, abrange uma série de situações relacionadas à má gestão de material militar, incluindo o extravio, a sonegação (ocultação) ou a inutilização (danificação) desses materiais. Serão discutidos os contextos em que esses incidentes ocorrem, as causas subjacentes, as consequências jurídicas e disciplinares enfrentadas pelos militares, bem como as políticas atuais adotadas para prevenir e lidar com tais eventos.
Baseiando-se em uma revisão detalhada da literatura existente sobre o tema, utilizando uma abordagem qualitativa, incluindo artigos acadêmicos, doutrinas, relatórios institucionais e legislação pertinente, bem como em análise de casos documentados de extravio de material bélico em diferentes contextos militares, para compreender melhor as circunstâncias e as consequências desses incidentes.
Portanto, vê-se que o extravio de material bélico não é um fenômeno novo, e vários estudos e casos históricos destacam a gravidade desses incidentes. A literatura existente aborda tanto as causas técnicas, como falhas em procedimentos de controle e manutenção, quanto as causas comportamentais, incluindo negligência e possíveis desvios éticos por parte dos militares responsáveis pela guarda e gestão do material.
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CONCEITUAÇÃO PRÉVIA
Crime militar
As Políticas militares vigentes estabelecem diretrizes rígidas para o manejo de material bélico, visando mitigar o risco de extravios. No entanto, a eficácia dessas políticas pode variar significativamente de acordo com a implementação e o cumprimento rigoroso por parte dos militares em serviço.
Então, a priori, é oportuno definir o que são crimes militares, ainda que não se pretenda axaurir tal conceituação, traz-se de maneira genérica que trata-se de dispositos que tipificam condutas ilícitas e culpáveis, as quais ofedem a ordem a hierarquia e a disciplina da Corporação, sendo que, confirmada a tipificação do fato como crime, devemos verificar se o conceito se amolda às hipóteses descritas no art. 9º do Código Penal Militar (CPM) ou do art. 10 desse mesmo diploma legal, qual seja, crimes militares em tempo de paz e crimes militares em tempo de guerra, respectivamente.
Em tese, o conceito material de crime é a conduta que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais e relevantes à sociedsde. No tocante ao Direito Penal Militar, para que ocorra o crime militar, objeto deste estudo, além dos três fragmentos atinentes ao crime comum – tipicidade, ilicitude e culpabilidade –, é imprescindível ainda que essa conduta amolde-se ao artigo 9º do CPM.
De forma didática, Santos (2013, p.69) expõe: “Para sintetizar, a fórmula do crime militar é: FATO TÍPICO + ANTIJURÍDICO + CULPÁVEL + ART. 9º do CPM".
Ainda, nas palavras de Costa (2010), o crime será evidentemente militar quando atentar contra os bens ou interesses jurídicos de ordem militar, sejam quais forem os seus agentes (militares ou civis).
Material bélico
Essencial para a capacidade de defesa e operação das forças armadas, desde combate direto até missões de suporte e logística, material bélico se refere a equipamentos, armamentos e suprimentos militares utilizados em atividades de defesa nacional, sejam elas operacionais ou de defesa.
Esse termo abrange uma ampla gama de itens, como armas de fogo, munições, veículos militares (como tanques, aviões de combate e navios de guerra), equipamentos táticos (como coletes à prova de balas e capacetes), além de equipamentos de comunicação e outros dispositivos usados para fins militares.
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CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DO EXTRAVIO DE MATERIAL BÉLICO
Punição administrativa
A punição administrativa de funcionário público refere-se às sanções aplicadas pela Administração Pública em decorrência de infrações cometidas por servidores no exercício de suas funções. Estas punições, em tese, tem o condão de preservar a moralidade administrativa, a eficiência do serviço público e o cumprimento das normas legais e regulamentares.
Além das consequências criminais, os responsáveis pelo extravio de material bélico também podem enfrentar medidas de caráter administrativo dentro das instituições militares. Isso pode incluir a abertura de processos administrativos disciplinares, que podem resultar em advertências, suspensões, transferências ou até mesmo demissões.
Tais medidas se justificam em razão de danos à imagem institucional, visto que o extravio de material bélico pode causar sérios danos à imagem e reputação das forças armadas ou instituições responsáveis. A perda de armas ou equipamentos militares pode gerar desconfiança da sociedade em relação à capacidade de proteção e segurança dessas organizações.
Ainda, em razão do comprometimento da segurança nacional, pois esta conduta pode representar uma ameaça à sociedade como um todo, visti o armamento ou equipamento perdido pode cair nas mãos de criminosos, terroristas ou grupos hostis. Isso pode resultar em graves consequências, como ataques armados, aumento da criminalidade ou até mesmo atentados terroristas.
Além do que, pode resultar inclusive na responsabilidade civil do agente, nos casos em que o extravio de material bélico que cause danos a terceiros, fazendo com que as instituições militares ou os responsáveis sejam responsabilizadas civilmente e serem obrigados a indenizar as vítimas pelos danos materiais e morais causados.
À vista disso, e em homenagem ao princípio da independência entre as instâncias, sejam elas administrativas ou judiciais, denota-se que uma conduta pode ser caracterizada simultaneamente como ilícito penal, civil e administrativo. Nesse cenário, é possível ocorrer condenação em uma ou mais esferas, enquanto na outra pode resultar em absolvição.
Ainda em decorrência da independência e autonomia entre as instâncias, onde cada uma decide de forma independente e baseada nas circunstâncias específicas do caso, há exceções, nas quais haverá vinculação entre as instâncias, o que significa que não poderá ser condenado na esfera civil ou administrativa quando for absolvido na esfera penal por inexistência de fato ou mesmo negativa de autoria.
Quanto ao processamento, o Conselho de Justificação e Conselho de Disciplina são os órgãos administrativos e disciplinares das Forças Armadas que podem ser convocados para investigar e deliberar sobre casos específicos, determinando medidas administrativas disciplinares antes de um possível julgamento na esfera penal militar.
Punição criminal
O princípio da subsidiariedade no direito penal estabelece que este ramo do direito deve ser aplicado apenas quando outras formas de controle social, como o direito administrativo, civil ou disciplinar, não forem suficientes para sanar a conduta considerada ilícita. Em outras palavras, o direito penal só deve intervir quando os meios menos gravosos não forem eficazes para proteger os bens jurídicos fundamentais ou quando a gravidade da conduta justificar uma intervenção penal.
No contexto militar, por exemplo, muitas condutas disciplinares são reguladas por normas internas das Forças Armadas, e apenas condutas mais graves, que afetem diretamente a segurança nacional ou a disciplina militar, são tipificadas como crimes militares passíveis de julgamento na esfera penal militar.
O extravio de material bélico, por sua vez, é considerado um crime militar de natureza grave, sujeito a punições penais correspondentes. Os responsáveis pelo extravio podem ser processados e condenados por crimes como furto, roubo, receptação, tráfico de armas, entre outros.
No Código Penal Militar brasileiro (CPM), o extravio de material bélico está previsto no artigo 303, que trata da "Extravio, sonegação ou inutilização de material". Este artigo especifica que:
“Art. 303. Extraviar, sonegar ou inutilizar, conscientemente e sem justa causa, material, armamento, munição, equipamento, combustível, lubrificante, manutenção de viatura, peça de equipamento ou de qualquer outro material pertencente às Forças Armadas:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano”.
É importante observar que a pena prevista pode variar dependendo das circunstâncias específicas do caso, como a gravidade do material perdido e as consequências potenciais para a segurança nacional e para as operações militares.
Portanto, com a justificação da busca pelo compromisso com a disciplina e a eficácia das Forças Armadas no cumprimento de suas missões, o artigo 303 do Código Penal Militar brasileiro é o dispositivo legal específico que trata do extravio de material bélico e de outros materiais pertencentes às Forças Armadas.
Ainda, segundo o art. 265 do CPM, tipificando a modalidade em que não houve dolo, nos casos de perda, deterioração ou destruição culposa de material bélico, pode resultar em pena de reclusão, variando conforme a extensão do dano e a intenção do infrator. O artigo aborda especificamente as condutas que resultam em perda, deterioração ou destruição de material bélico por negligência. Isso significa que não há intenção deliberada de cometer o ato, mas a falta de cuidado ou atenção adequada resulta na ocorrência do evento. Assim, a legislação busca, assim, manter a disciplina e a responsabilidade no manejo dos recursos bélicos.
No Brasil, o extravio de material bélico é considerado crime militar conforme o Código Penal Militar (CPM), especificamente nos artigos que tratam da violação de dever militar e da má administração de material ou serviço da administração militar. As penas podem incluir desde detenção até a prisão, dependendo da gravidade do caso.
Em ambos os casos, a natureza do crime militar reflete a importância crítica de manter a segurança e a responsabilidade na gestão do material bélico, essencial para o funcionamento e a eficácia das operações militares. A tipificação como crime militar também implica procedimentos legais específicos e pode envolver julgamentos por tribunais militares, onde são aplicados os princípios e as leis que regem as Forças Armadas.
Reparação cível
O dever de idenizar decorrente da perda do material bélico extraviado é parte das punições relativas ao cometimento do tipo penal. Com reflexos criminais e administrativos, o extravio de material bélico tem repercussões inclusive na seara cível, naquilo que diz respeito à responsabilidade subsidiária do agente público em indenizar a vítima de sua conduta.
Ao ser referido o termo subsidiário, diz-se que é um conceito jurídico que define as circunstâncias em que um servidor público pode ser responsabilizado por danos causados a terceiros durante o exercício de suas funções, especialmente quando atuam em nome do Estado ou de uma entidade pública.
A responsabilidade é subsidiária quando recai sobre o Estado ou a entidade pública em que o servidor está vinculado, e nos casos de extravio do material ora cautelado pelo agente público, poderá o ente federativo acionar o Poder Judiciário, a fim de obteção do valor gasto, como forma de ressarcimento aos cofres públicos e responsabilizar subsidiariamente o agente do ato ilícito.
Para que ocorra o ressarcimento, é necessário que o dano ao erário seja devidamente apurado por meio de processos administrativos, auditorias ou investigações específicas. A Administração Pública pode instaurar procedimentos para investigar e calcular o valor do dano causado.
Desse modo, diz-se que tal exigência visa não apenas recuperar os recursos, mas também tem o fito de fortalecer a integridade na gestão pública e desencorajar condutas ilícitas por parte dos agentes públicos.
O VIÉS DO RITO PROCESSUALISTA PENAL E A EXPOSIÇÃO DO MILITAR RÉU
Os crimes militares, ante a sua natureza especial, são processados e julgados pela Justiça Militar, a qual tem previsão expressa na Constituição Federal de 1988 nos artigos 122 a 124, a saber, dela fazem parte o Superior Tribunal Militar (STM) e os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei, sendo estes últimos, compreendidos pela Justiça Militar no âmbito dos Estados.
Nas palavras de RÍO e GOMES, é uma justiça corporativa, formada em sua imensa maioria por militares da ativa (sem formação jurídica e sujeitos à hierarquia e à disciplina castrenses) cujo trabalho consiste em aplicar legislação especial editada em 1969, no auge da ditadura civil-militar: o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar. (RÍO e GOMES, 2018, p. 4-5).
No processo penal militar, as instâncias envolvidas são organizadas de maneira específica para lidar com crimes cometidos por militares contra a ordem militar ou civil, especialmente aqueles relacionados a condutas que afetam a disciplina e a segurança das Forças Armadas.
A Justiça Militar da União é a primeira instância responsável pelo julgamento de crimes militares cometidos por militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). É composta pelo Superior Tribunal Militar (STM) e pelos juízes e tribunais militares. Já para os crimes militares cometidos por militares estaduais (policiais militares e bombeiros militares), existe a Justiça Militar estadual. Esta instância opera dentro dos estados brasileiros e possui suas próprias estruturas e procedimentos, mas também segue normas semelhantes à Justiça Militar da União.
Além do mais, tem se a figura do Ministério Público Militar (MPM), incubido de representar a sociedade nos processos criminais militares, atuando como parte acusadora, e por sua vez, como parte defensora, tem-se a Defensoria Pública da União (DPU, a qual defende os militares acusados nos processos criminais militares em âmbito federal, assegurando que tenham acesso à defesa adequada e representação legal durante todo o processo.
Quanto ao rito, não existe resposta à acusação, a citação é apenas para ciência formal da tramitação/acusação. O procedimento comum ordinário de primeiro grau inicia com oferecimento da denúncia pelo parquet (Ministério Público), que se utiliza da fundada apuração através de procedimento administrativo de Inquérito Policial Militar.
Como o recebimento da denúncia pelo juiz, que é a peça formal de acusação oferecida pelo MP, o militar passa de indiciado a réu, onde é dado prosseguimento da instrução até a prolação da sentença condenatória ou de absolvição.
Nas sessões de julgamento nos casos julgados pelo Conselho, por exemplo, há oportunidade para as partes ofereçam oralmente suas sustentações, com similaridade ao procedimento adotado do júri. Findo os debates, cada um dos componentes dos conselhos externa suas decisões.
REFLEXOS PSICOLÓGICOS NA VIDA DO MILITAR PROCESSADO
Em regra, diante de fato noticiado como crime, ainda mais por aquele que tem por dever legal evitar condutas crimosas, os olhares se voltam para a punição objetiva, e sustentados pelo argumento mais líndima justiça, clamam pela resposta penal correspondente, passando desapercebidas as repercussões geradas na vida do agente, ainda mais sendo o crime praticado sem dolo, podem incluir ansiedade, depressão e transtornos de estresse pós-traumático (TEPT), devido à pressão institucional e ao estigma associado ao processo.
Os reflexos psicológicos na vida de um militar processado por crime militar podem ser profundos e variados, afetando tanto o indivíduo quanto seu ambiente social e profissional de várias maneiras. Aqui estão alguns aspectos importantes a serem considerados:
Estresse e Ansiedade: O processo judicial em si pode gerar altos níveis de estresse e ansiedade. A incerteza quanto ao futuro, o medo das consequências legais e o impacto na carreira militar são fontes significativas de preocupação.
Autoimagem e Identidade Profissional: Para muitos militares, a identidade está intimamente ligada à sua profissão. Ser processado por um crime militar pode abalar profundamente a autoimagem, levando a sentimentos de vergonha, culpa e inadequação.
Impacto na Carreira: O processo judicial e qualquer condenação têm implicações diretas na carreira militar. Isso pode resultar em rebaixamento de patente, perda de benefícios, restrições ao serviço ativo e até mesmo a expulsão das Forças Armadas.
Relações Interpessoais: A repercussão do processo pode afetar as relações pessoais e profissionais do militar. Colegas de trabalho, amigos e familiares podem mudar sua percepção e comportamento em relação ao indivíduo acusado, o que pode levar a um sentimento de isolamento e alienação.
Estigma e Preconceito: Existe um estigma associado a ser processado por um crime militar, tanto dentro quanto fora das Forças Armadas. Isso pode prejudicar as oportunidades futuras de emprego e a reinserção na sociedade após o serviço militar.
Reações Emocionais: Os reflexos emocionais podem variar de pessoa para pessoa, incluindo sentimentos de raiva, desamparo, tristeza e até mesmo depressão. O impacto psicológico pode ser duradouro, especialmente se houver uma condenação severa.
Logo, é crucial que os militares enfrentando processos criminais recebam suporte adequado. Isso pode incluir acompanhamento psicológico para lidar com o estresse e a ansiedade, além de apoio jurídico para garantir que seus direitos sejam protegidos durante o processo legal.
ANÁLISE DE CASOS
Nesta análise, serão abordados casos específicos de processos judiciais, destacando-se os aspectos cruciais dos litígios, as estratégias jurídicas adotadas pelas partes e os desfechos alcançados pelos tribunais. A metodologia incluirá uma revisão detalhada dos autos, análise de argumentos apresentados pelas partes e uma reflexão crítica sobre as razões por trás das decisões judiciais proferidas.
Abaixo, ementa do acórdão proferido em sede de recurso de apelação criminal, o qual tramitou no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO), vejamos:
“Apelação Criminal do Ministério Público. Crime Militar. Extravio de Munição. Sentença Absolutória. Extravio culposo. Negligência. Infringência do art. 265 c/c. art. 266 do Código Penal Militar. Conjunto probatório robusto. Condenação. Recurso Provido. Age com negligência o policial militar, ao deixar munições e demais materiais bélicos no interior de veículo automotor sem os cuidados exigidos, ocorrendo o extravio desses materiais.O Policial Militar tem o dever de cuidado acerca dos materiais bélicos que lhes são entregues pela Corporação e, ao agir de forma negligente dando ensejo à subtração desses bens, incide no delito previsto no art. 265 c/c art. 266 do Código Penal Militar.É de se aplicar a reprimenda no mínimo legal permitido quando favoráveis as circunstâncias fáticas, concedendo-se, por preenchimento dos requisitos, o benefício de suspensão condicional da pena.Recurso ministerial provido. APELAÇÃO CRIMINAL, Processo nº 0002853-18.2018.822.0501, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. Álvaro Kalix Ferro, Data de julgamento: 09/02/2023 (TJ-RO - APR: 00028531820188220501, Relator: Des. Álvaro Kalix Ferro, Data de Julgamento: 09/02/2023)”.
Inicialmente, denota-se que se trata de condenação em segunda instância, onde o acusado, incorformado com a sentença de origem, interpôs recurso, contudo, sem obtenção de êxito em seu apelo, julgado improcedente, para manter a decisão do juiz de piso. O julgado reconhece a persistência do jus puniendi, uma vez que houve provas da negligência, não sendo, pois, reconhecida a modalidade dolosa, mas por ocasião da culpa, foi condenado pelo crime, com aplicação da pena mínima.
Aqui, traz-se o cerne da questão trazida no prosente trabalho, o policial acusado, que deixou o cinto de guarnição no interior do seu veículo, sendo que o mesmo estava carregado com munições, e após o carro ter sido arrombado, os agentes daquele crime levaram consigo o material bélico ora cautelado pelo militar.
Por coseguinte, nesta mesma senda, traz-se o precedente judicial obtido junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), em que, a primeira Câmara Criminal, em 2013, absolveu o militar que estava acusado pelo crime previsto no art. 265 do CPM, em razão do furto de material bélico do interior de sua residência, qual seja, uma pistola de propriedade da Polícia Militar do Estado do Paraná , o correspondente carregador de doze (12) munições intactas, avaliados globalmente em R$ 1.535,95 (hum mil quinhentos e trinta e cinco reais e noventa e cinco centavos).
“APELAÇÃO CRIME - JUSTIÇA MILITAR - EXTRAVIO DE ARMA DE FOGO DA CORPORAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR - FURTO NA RESIDÊNCIA DO MILICIANO - AUSÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA - CULPA INOCORRENTE - ABSOLVIÇAO DECRETADA - RECURSO PROVIDO. (TJPR - 1ª C. Criminal - AC - 1005820-3 - Curitiba - Rel.: Desembargador Marcos S. Galliano Daros - Unânime - J. 07.06.2013). (TJ-PR - APL: 10058203 PR 1005820-3 (Acórdão), Relator: Desembargador Marcos S. Galliano Daros, Data de Julgamento: 07/06/2013, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1124 21/06/2013)”.
Acolhido por unanimidade, o voto do relator opiniou que condenar um soldado que teve furtado do interior de sua residência armamento sob sua custódia, do interior de sua humilde residência, não lhe pareceu adequado, máxime se não nos afastarmos da noção exata do país em que vivemos, da insegurança, do pão e do circo para o povo.
Entendeu não se tratar de negligência, pois aquele militar havia deixado o armamento seguro, dentro de seu domicílio, guardado entre roupas, em um local de difícil acesso. Contudo, por mera força do acaso e tão vítima quanto o Estado no crime de furto do material cautelado, teve subtraído a referida pistola e as munições enquanto viajava com a família.
Do mesmo tribunal, outro caso concreto, julgado em 2014 pela Primeira Câmara Cível, desta vez, em autos que tratavam de reparação pelos danos ocasionados em razão do furto de material bélico por policial milutar, veja-se:
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - FURTO DE MATERIAL BÉLICO (ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES) - ARMA QUE SE ENCONTRAVA NA RESIDÊNCIA DO POLICIAL NO MOMENTO DO FURTO - DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA DO POLICIAL MILITAR - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO - AUSÊNCIA DE PROVAS SOBRE A O ACONDICIONAMENTO DO ARMAMENTO DE FORMA SEGURA E FORA DO ALCANCE DE TERCEIROS - ARTIGO 333, II, DO CPC - INDENIZAÇÃO DEVIDA EM DECORRÊNCIA DA CONDUTA NEGLIGENTE DO MILICIANO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C. Cível - AC - 1084711-9 - Curitiba - Rel.: Desembargador Renato Braga Bettega - Unânime - J. 11.02.2014). (TJ-PR - APL: 10847119 PR 1084711-9 (Acórdão), Relator: Desembargador Renato Braga Bettega, Data de Julgamento: 11/02/2014, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1289 27/02/2014)”.
Naquela lide, em autos de Ação de Reparação de Danos proposta pelo Estado do Paraná em face do acusado de inciais L.C.M.P, tendo em vista que objetiva é a responsabilidade atribuída ao ente federativo, uma vez sendo subjetiva a responsabilidade do agente, que pode ser processado como no presente caso, para fins de punibilidade regressiva pelos danos por ele perpetrados em caso de cometimento de crime. O ato ilegal que também tenha gerado consequências civis, havendo, pois a necessidade de indenizar do Estado, e para o caso de culpa do agente do crime, é passível do dever de indenizar a terceiros prejudicados por ocasião da conduta ilícita.
A reparação cível nestes casos tem por objetivo ressarcir ao ente processante o valor que lhe foi tomado dos cofres públicos, qual seja, a quantia relativa ao valor do material bélico extraviado, e caso haja comprovação que houve responsabilidade civil, em razão da egligência, por exemplo, o militar ou a instituição militar pode ser obrigado a indenizar financeiramente os prejuízos causados pela perda ou dano do material bélico. Isso pode incluir tanto danos materiais (como o custo de reposição do equipamento perdido) quanto danos morais.
É importante destacar ainda que a absolvição em casos desse tipo pode ocorrer por diferentes razões, incluindo a falta de prova suficiente para estabelecer a culpa do militar, a demonstração de que o extravio ocorreu sem negligência ou intenção criminosa, ou ainda devido a erros processuais durante a investigação ou o julgamento.
Cada caso é único e depende das circunstâncias específicas, das leis aplicáveis e das evidências apresentadas durante o processo judicial, cabendo à Justiça Militar julga-los, seguindo procedimentos rigorosos para garantir que a justiça seja feita de acordo com as normas legais e regulamentares vigentes.
Conclusões
Em suma, conclui-se que o processo judicial afeta de maneira demasiada a vida pessoal do militar, incluindo sua saúde mental e relações familiares. Os reflexos psicológicos são significativos e complexos, afetando todos os aspectos pessoaiss e profissionais.
Importante, pois, estabelecer durante o processo de apuração do delito questionamentos como aqueles relativos aos procedimentos de manuseio e custódia, para verificar o padrão adotado em relação ao material bélico daquela respectiva corporação, bem como se o militar recebeu instruções claras e adequadas sobre a gestão do material bélico por ele cautelados, e se houve capacitação suficiente para prevenir incidentes desse tipo.
Ainda, verificar quais ações o militar tomou imediatamente após descobrir o extravio, se informou imediatamente os superiores e seguiu os protocolos de reporte, haja vista a possibilidade de tratar de mera fatalidade de serviço não simpolesmente uma irresponsabilidade desmedida.
Então, o suporte emocional, social e legal adequado desempenha um papel fundamental na mitigação desses efeitos e na promoção da resiliência durante esse período desafiador.
Além de políticas de prevenção do extravio de material bélico, que envolvem uma gestão rigorosa e eficiente dos estoques, além de treinamento contínuo dos militares, através de programas de conscientização e protocolos de segurança são fundamentais para minimizar os riscos do aludido tipo penal.
Dito isso, vê que é medida essencial compreender as circunstâncias exatas sob as quais ocorreu o extravio. Fatores como o ambiente operacional, as condições de segurança e as medidas preventivas adotadas desempenham um papel crucial. Ressalta-se, o que é diferente de coadunar com condutas ilícitas e perigosas, mas de apoio ao profissional que foi surpreendida pelo cometimento de uma conduta que pode assolar sua carreira profissional.
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