Limites da atuação legislativa e sua relação com o processo legislativo adequado. atividade legislastiva baseada em evidências e os diálogos entre os atores sociais.

12/07/2024 às 17:45
Leia nesta página:

1-RESUMO

O texto aborda os limites da atuação legislativa. Competência legislativa, respeito aos direitos fundamentais, separação de poderes e observância do processo legislativo adequado são apenas alguns.

O Legislativo deve seguir um processo legislativo adequado, que inclua transparência, participação popular, debate amplo e plural, tempo adequado, respeito aos procedimentos e deliberação baseada em evidências. Tais limites garantem a proteção dos direitos dos cidadãos e o funcionamento democrático do Estado.

Aborda-se, ainda, a deliberação legislativa baseada em evidências. Tal deliberação fundada em evidências significa a tomada de decisões baseando-se em informações objetivas e análises técnicas. Envolve considerar dados concretos, consultar especialistas e utilizar fontes confiáveis para embasar as políticas públicas e as leis implementadas.

O objetivo é evitar decisões arbitrárias e garantir que as decisões sejam embasadas em conhecimento técnico imparcial, em informações objetivas, afastando-se os vieses. Com isso aumenta-se a eficácia social da produção legislativa.

Por fim, o artigo faz menção aos diálogos entre os atores sociais como necessários para promover respeito, reciprocidade e interação construtiva. Estimular o diálogo entre os poderes, instituições e a sociedade é essencial para a tomada de decisões legislativas. Os diálogos não devem ser tratados apenas como procedimentos a serem cumpridos, mas sim como oportunidades de engajamento, interação e troca de ideias.

Quando bem realizados, os diálogos podem reduzir conflitos e levar à construção de soluções participativas, envolvendo diversos atores. Um dos principais efeitos dos diálogos é a promoção de uma sociedade pacificada.

2- INTRODUÇAÕ

O processo decisório que culmina na aprovação de leis envolve a valoração de fatos. Uma dada realidade passa a ser valorada e digna de incentivos voltados para evitá-la ou promovê-la. É o que defende a professora Roberta Simões em seu artigo “A legislação baseada em evidências empíricas e o controle judicial dos fatos determinantes da decisão legislativa”1

Na etapa pré-legislativa, o que costuma desencadear uma decisão legislativa costuma ser o surgimento de uma discussão sobre uma disfunção social ou um problema. Tal problema exige a intervenção legislativa à luz dos valores, baseados em crenças, ideologias ou interesses da sociedade, diante de um contexto em concreto. Portanto, o descompasso entre uma determinada situação no plano dos fatos e a resposta jurídica dada pelo ordenamento vigente, é o que justificaria a necessidade de inserção de uma nova previsão legal2.

O professor José Alcione Bernardes Júnior, em artigo intitulado “Potencialidades e limites da lei: os paradoxos de nossa produção legislativa” discorre sobre a necessidade da existência de leis; de um arcabouço legislativo de boa qualidade e de normas jurídicas que salvaguardem finalidades públicas.3

Costuma-se conferir importância à lei e menosprezar o processo de sua formação. É o que defende o professor José Alcione citado acima. Trata-se de um paradoxo. Afinal, o prestígio de que goza a lei decorre da observância do procedimento legislativo. No entanto, pouca atenção é dispensada ao processo legislativo.4

Nesse contexto, discorrerá sobre os limites da atuação legislativa. Tais limites são estabelecidos pela Constituição e pelo arcabouço normativo. Os limites têm por escopo garantir a separação de poderes e proteger os direitos e liberdades dos cidadãos.

3- LIMITES DA ATUAÇÃO LEGISLATIVA: BREVE ENUMERAÇÃO.

Competência Legislativa, respeito aos direitos fundamentais, Separação de poderes e a observância do processo legislativo adequado são alguns dos limites à atuação legislativa. Vejamos de forma breve os limites mencionas.

O legislativo pode legislar sobre matérias que lhe são atribuídas pela Constituição, devendo respeitas as matérias que são privativas do Poder Executivo e do Poder Judiciário. Por exemplo, o art. 61 § 1º, II, c) da Constituição de República estatui que é de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre servidores púbicos e seu regime jurídico. Nessa esteira, descabe a iniciativa parlamentar de leis sobre tal matéria.

O Legislativo deve respeitar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, os quais são assegurados pela Constituição da República. A lei que viole esses direitos pode ser considerada inconstitucional. Garantindo-se a proteção dos direito fundamentais, insculpiu-se o art. 60§ 4º, IV da CRFB, o qual veda deliberação de proposta de Emenda Constitucional que tente abolir os direitos e garantias individuais.

O legislativo não pode interferir nas atribuições dos outros poderes (Executivo e Judiciário) nem concentrar excessivamente o poder em suas mãos. O equilíbrio entre os poderes é fundamental para o funcionamento democrático do Estado. O tema é objeto de especial proteção já que é uma cláusula pétrea( Art. 60§4º, III da CREFB).

O legislativo deve seguir um processo adequado para a elaboração e aprovação de leis. Isso inclui a realização de debates, audiências públicas, consulta à sociedade e respeito aos prazos e procedimentos estabelecidos.

José Trindade Monteiro Neto, em dissertação de mestrado sobre o tema “ O conceito judicial do devido processo legislativo” assenta que o processo legislativo não pode se tornar instrumento de imposição arbitrária e absoluta da vontade da maioria, em prejuízo das posições minoritárias, do direito à divergência e do necessário contraditório que deve orientar as deliberações legislativas.

O direito a dar voz aos argumentos, mesmo que minoritários; o direito à participação em igualdade de condições e orientada pela lógica de um efetivo contraditório; o direito a ser ouvido e ter as ponderações consideradas no curso da elaboração normativa; em suma, o direito de não se submeter a um procedimento que não respeite condições mínimas de abertura discursiva. Todos esses são aspectos importantes quando se consideram as garantias mínimas a serem fornecidas aos participantes do processo político de produção normativa. 5

4-PROCESSO LEGISLATIVO ADEQUADO

Roberta Simões leciona o que é imprescindível para uma lei ser considerada corretamente feita. É uma pergunta que admite pelo menos quatro respostas.

Em primeiro lugar, se a lei atendeu as recomendações de técnica legislativa (relacionada à linguagem do texto); Em segundo lugar, se a prévia decisão legislativa resistiu à bateria de perguntas com vistas a tornar claras a necessidade, a eficácia e a inteligibilidade da futura lei o problema a ser resolvido está definido corretamente? Em terceiro lugar, se a lei cumpriu o que se vem chamando devido processo legislativo e em quarto lugar, se a lei satisfez o princípio da deliberação suficiente.6

Para que um processo legislativo seja considerado adequado, é necessário atender a uma série de requisitos. Analisaremos cada um abaixo:

Transparência: O processo legislativo deve ser transparente, permitindo que os cidadãos tenham acesso às informações e possam acompanhar as discussões e deliberações. Isso inclui a publicação prévia dos projetos de lei, a divulgação das atas e registros das sessões, e a disponibilização de informações sobre os parlamentares e suas atividades.

Participação popular: O processo legislativo deve garantir a participação ativa da sociedade civil. Isso pode ser feito por meio de audiências públicas, consultas populares, debates abertos e canais de comunicação acessíveis para receber sugestões e opiniões da população.

Debate amplo e plural: O processo legislativo deve proporcionar um debate amplo e plural, oportunizando que diferentes pontos de vista sejam expressos e considerados. Os parlamentares devem ter a oportunidade de apresentar suas argumentações, ouvir as posições contrárias e buscar consensos.

Tempo adequado: O processo legislativo deve garantir um tempo adequado para a análise e discussão dos projetos de lei. Isso significa que os parlamentares devem ter tempo suficiente para se familiarizarem com o conteúdo das propostas, realizar estudos, ouvir especialistas e discutir os pontos relevantes.

Respeito aos procedimentos: O processo legislativo deve seguir os procedimentos estabelecidos nas normas internas, leis e regulamentos. Isso inclui prazos para apresentação de emendas, votações, quóruns de deliberação, entre outros aspectos formais.

Deliberação baseada em evidências: A tomada de decisões legislativas deve ser embasada em evidências e análises técnicas. Isso significa que os parlamentares devem ter acesso a informações relevantes, estudos e pareceres especializados que subsidiem suas decisões.

5-DELIBERAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS:

Quando dizemos que a deliberação legislativa deve ser baseada em evidências, significa que as decisões tomadas pelos legisladores devem ser fundamentadas em informações concretas, dados e análises técnicas. Isso implica em considerar informações objetivas e confiáveis para embasar as políticas públicas e as leis que serão implementadas.

Ao tomar decisões legislativas, os parlamentares devem buscar compreender as consequências e impactos das propostas em discussão, levando em conta os contextos social, econômico, ambiental e político. Para isso, é necessário contar com informações e análises que permitam avaliar os efeitos potenciais das medidas propostas.

Isso pode envolver a consulta a especialistas, realização de pesquisas, análise de estudos acadêmicos, relatórios técnicos, dados estatísticos e outras fontes de informação relevantes. A ideia é que as decisões sejam embasadas em conhecimento científico e análises imparciais, buscando evitar visões baseadas apenas em opiniões pessoais ou interesses particulares.

Ao adotar a deliberação legislativa baseada em evidências, os legisladores buscam evitar decisões arbitrárias ou baseadas apenas em opiniões pessoais. Em vez disso, eles se baseiam em pesquisas acadêmicas, relatórios técnicos, análises de dados e outras fontes de informação confiáveis para tomar decisões mais informadas e fundamentadas.

Ao basear a deliberação legislativa em evidências, busca-se aumentar a eficácia das políticas públicas, reduzir o impacto de decisões arbitrárias e garantir que as leis sejam formuladas com base em informações sólidas e atualizadas. Isso contribui para uma tomada de decisão mais informada, transparente e responsável, promovendo o bem comum e atendendo às necessidades da sociedade como um todo.

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6-COMO A ATIVIDADE LEGISLATIVA PODE BASEAR-SE EM EVIDÊNCIAS?

Na deliberação legislativa baseada em evidências, são utilizadas diversas fontes de informação confiáveis para embasar as decisões legislativas. Algumas das principais fontes são as Pesquisas acadêmicas; Relatórios Técnicos, Estatísticas oficiais; estudos de impacto e consultas públicas. Vejamos cada um abaixo:

Estudos realizados por pesquisadores e acadêmicos em áreas relevantes podem fornecer dados e análises fundamentadas para embasar as decisões legislativas.

Organizações especializadas, como institutos de pesquisa, agências governamentais ou organizações não governamentais, produzem relatórios técnicos que apresentam análises e recomendações embasadas em evidências.

Dados estatísticos coletados por agências governamentais, como institutos de estatísticas, podem fornecer informações importantes para embasar decisões legislativas.

Avaliações de impacto são realizadas para analisar os possíveis efeitos de uma legislação proposta. Esses estudos consideram evidências sobre os impactos econômicos, sociais, ambientais e de saúde, entre outros.

A participação da sociedade civil e de especialistas por meio de consultas públicas fornecem informações valiosas para embasar projetos de lei.

Observa-se que a confiabilidade das fontes de informação depende da qualidade e da metodologia utilizada em sua produção. Portanto, é essencial que os legisladores avaliem criticamente as fontes e verifiquem sua credibilidade antes de utilizá-las para embasar suas decisões.

7- DOS DIÁLOGOS ENTRE OS ATORES SOCIAIS

A palavra diálogo transmite a ideia de respeito e reciprocidade. Quem dialoga primeiro escuta, ouve, reflete e então responde. No âmbito das instituições, as decisões devem ser precedidas de diálogos entre agentes ou entre estes e os cidadãos.

Compreende-se que os diálogos podem e devem ser estimulados por incentivos normativos que levem os Poderes a interagir uns com os outros, com as instituições e a sociedade. Desse modo, é possível promover, teórica e normativamente, interações em que cada agente não busque se impor pelo exercício de sua competência no processo de análise e aplicação da Constituição, mas que se valha de sua expertise para oferecer uma resposta adequada, porém sempre contingente e provisória, pois passível de superação.

Os diálogos não podem ser tratados como um conjunto de procedimentos a serem cumpridos. Exigem engajamento, interação, interlocução, troca, acatamento ou superação do que é apresentado. Um alerta é, pois, necessário.

Os diálogos entre os atores sociais, caso sejam bem realizados, implica em menor nível de conflito. A partir dos diálogos, constroem-se soluções participativas, isto é, soluções em que um grande número de atores participou da elaboração e conclusão das soluções. E um dos efeitos mais importantes dos diálogos entre os atores sociais é a edificação de uma sociedade pacificada, isto é, uma sociedade que apresentem menor número de conflitos.

8-DA CONCLUSÃO

Este artigo tratou de tema pouco explorado entre os operadores do direito, qual seja, o limite da atuação legislativa. Escreve-se, e discute-se muito sobre os limites da atuação do Poder Judiciário, mas pouco se debate sobre a atividade legislativa.

É certo que há limites na atuação de cada Poder. Limites definidos pela própria Constituição da República, por leis infraconstitucionais e, também, limites desvelados pela doutrina e Jurisprudência.

A Observância da Competência Legislativa; do princípio da legalidade, da separação de poderes; o Respeito aos Direitos Fundamentais, tendo em mira um Processo legislativo adequado, são limites à atuação legislativa.

Por certo que o legislar baseando-se em evidências é uma forma da sociedade entender o porquê da lei em elaboração; compreender o caminho legislativo, isto é, desde a sua concepção até à aprovação do Projeto de lei. No Estado democrático de direito, os Poderes são constituídos para servirem ao cidadão e este tem o direito de conhecer e entender o que se passa em cada Poder da República.

Já as fontes de informação confiáveis para embasar as decisões legislativas são pesquisas acadêmicas; Relatórios técnicos; Estatísticas oficiais; Estudos de impacto; Consultas públicas.

Por fim, os diálogos entre os atores sociais despontam para qualificar a interação entre os Poderes e a sociedade na condução da coisa pública. Compreende-se os diálogos como mecanismos essenciais para a construção e a consolidação da democracia, defendendo a participação ativa dos cidadãos e a busca por consensos inclusivos e igualitários.

Deseja-se com o artigo evidenciar o processo de formação da lei chamando-se a atenção da necessidade de se observar adequadamente o processo legislativo.


  1. NASCIMENTO. Roberta Simões. A legislação baseada em evidências empíricas e o controle judicial dos fatos determinantes da decisão legislativa. Revista Eletrônica PGE RJ. 2021.

  2. Idem. Pág 02.

  3. JÚNIOR, José Alcione Bernardes. Potencialidades e limites da lei: os paradoxos de nossa produção legislativa. Cadernos da Escola do Legislativo. Vol. 17. Número 28. Julho/dezembro 2015. Pág. 85.

  4. Idem. Pág. 89

  5. NETO, José Trindade Monteiro. “ O conceito judicial do devido processo legislativo”, Dissertação de mestrado. Instituto Brasiliense de Direito Público. Escola de direito de Brasília.2020. pág. 66

  6. NASCIMENTO, Roberta Simões. DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO E QUALIDADE DA DELIBERAÇÃO LEGISLATIVA. Revista da Advocacia do Poder Legislativo.

Sobre o autor
Gustavo Januário

Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil pela USP. Pós-graduando em Advocacia Pública pela Escola Superior da AGU. Aluno do curso especializado em Defensa Del Estado: curso ministrado pela ALAP:La Asociación Latino americana de Abogacías y Procuradurías de Estado. Atuação no contencioso previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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