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A inaplicabilidade do art. 1.302 do novo Código Civil

14/07/2024 às 11:16

Resumo:


  • O Código Civil institui normas relacionadas à construção de edificações e direitos de vizinhança.

  • O prazo para exigir que se desfaça janelas, sacadas, terraços ou goteiras sobre o prédio vizinho é de um ano e um dia após a conclusão da obra.

  • Para construir um imóvel, é necessário possuir terreno, contratar profissional habilitado, apresentar projetos à prefeitura, obter licença de edificação e habite-se, e passar por vistoria final da prefeitura.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Institui o Código Civil:

Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.

Parágrafo único . Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.

Analisemos o que prevê em termos de prazo este artigo:

“...., lapso de ano e dia após a conclusão da obra

E pergunto aos leitores: Qual a data de conclusão da obra? Qual o mínimo de construção para se definir sua finalização? Quando das paredes levantadas com telhado? Só estrutura e o telhado sem paredes vedadas? Paredes externas emboçadas? Com portas? Com janelas? Piso feito?

Ou seja, muito subjetiva esta expectativa do que vem a ser a consideração de uma obra pronta.

É cediço que muitos advogados não estão familiarizados com o termo “HABITE-SE”, tanto que no próprio Código Civil não fixam este ato de outorga do Município como sendo a abertura do prazo decadencial.

Antes de entrarmos no cerne da questão (inaplicabilidade) vejamos alguns outros preceitos legais para termos uma idéia bem nítida sobre o que se falará.

Na Constituição Federal temos a competência absoluta dos municípios na questão do ordenamento do solo de sua circunscrição e reconhecimento do seu poder de polícia.

Art. 30. Compete aos Municípios:

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

Portanto qualquer prazo de assuntos ligados à ocupação do solo só começará a fruir após a ciência, fiscalização e outorga do município.

O que quer dizer que, em contrário senso, edificações que não sofreram a fiscalização e não receberam a outorga municipal não gozarão do benefício do “direito adquirido”.

Por sua vez, para o município conceder esta permissão de fruição de uso do solo ao proprietário (ou requerente) tem que existir o planejamento e ordenamento do solo (obrigatório para municípios com mais de 20.000 habitantes conforme a Constituição Federal).

Portanto e para tanto, deverão existir duas leis básicas (Leis Edilícias) nos municípios enquadrados neste número de habitantes: Planejamento urbano e o código de obras.

O primeiro cuida da setorização e aponta o tipo de uso que poderá ser exercido pelos habitantes. Ou seja, dentro dos setores de residência, comércio, indústria e serviços, serão determinados onde e de que maneira se instalarão.

Poderão ser mesclados, mas sempre com a preocupação de não exposição dos habitantes em sistemas de possibilidade de comprometimento da saúde física e mental.

Podemos ter setores somente residenciais, somente comerciais, somente de abastecimento ou com aceitabilidade de outras atividades.

Dentro dessa setorização também fazem parte dos estudos e planejamentos a preservação do meio ambiente (da fauna e flora). Preservação dos rios e das linhas de talvegue.

O que vem a ser “linhas de talvegue”? - Parte mais baixa do relevo e caminho natural das águas de superfície.

Todo rio é existente numa linha de talvegue, mas nem todo talvegue é um rio. Podendo ser apenas um alívio nos dias de deflúvios, mas igualmente importantes e preservados pela legislação.

Já o código de obras, pormenoriza detalhes das obras, primando pela iluminação, ventilação e insolação, pois a saúde coletiva se inicia em cada local de moradia, trabalho e diversão.

Necessitamos de ambientes arejados, livres de fungos e bactérias para mantermos nossa saúde perfeita.

Essas imposições se originam no código de obras, onde impõe áreas mínimas de ocupação do solo de acordo com cada uso, bem como áreas mínimas de iluminação e ventilação.

E poderás a esta altura da leitura ter elaborado a seguinte pergunta: E nos municípios com menos de 20.000 habitantes? Não existem limitações de uso?

Nas cidades com número de habitantes menor ao indicado, o Código Civil impinge um mínimo de ordenamento nestas questões principalmente sobre algumas limitações ao uso pleno da propriedade, especialmente com relação aos vizinhos, visando reduzir ao máximo os conflitos entre eles.

Isto está apresentado nos artigos 1.277 a 1.313:

  • CAPÍTULO V - Dos Direitos de Vizinhança (em sete seções):

    • Seção I - Do Uso Anormal da Propriedade

    • Seção II - Das Árvores Limítrofes

    • Seção III - Da Passagem Forçada

    • Seção IV - Da Passagem de Cabos e Tubulações

    • Seção V - Das Águas

    • Seção VI - Dos Limites entre Prédios e do Direito de Tapagem

    • Seção VII - Do Direito de Construir

Lembrando que decorrente à verticalização das Leis, as leis edilícias terão, no mínimo, iguais limitações às do Código Civil.

Poderão ser mais restringentes, mas jamais benevolentes aos ditames deste diploma legal.

Por mais incrível que possa parecer, existem ainda municípios que se servem de “permissões de vizinhos” para que possam ser construídas verdadeiras aberrações edilícias totalmente confrontantes com o Código Civil. Às vezes, até mesmo em confronto com o ordenamento edilício. Essas aberrações não ensejam direito adquirido.

Analisemos agora o que prevê o artigo anterior ao que hora estamos combalindo:

Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho.(grifamos)

Lembrando o significado de DEFESO:

adjetivo

1. Que é alvo de uma proibição (ex.: tempo defeso; terreno defeso; apreenderam objetos defesos). = INTERDITO, PROIBIDO, VEDADO

"defeso", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/defeso.

Essa situação não dá para se entender. Se não pode ser construído: janelas, sacadas, terraços ou telheiro no mínimo a menos de metro e meio da linha divisória do terreno, por que da existência do artigo 1302?

Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio;

Como é isto então? Se a construção é feita de maneira errada é de responsabilidade do lindeiro prejudicado coibir? (esqueçamos do art 30 VIII da CF?)

Chegamos ao ponto de interesse de apresentação e alerta deste trabalho.


COMO SE CONSTRÓI UM IMÓVEL?

Para se construir e habitar um imóvel existem as seguintes obrigações:

  1. Possuir terreno;

  2. Contratação de profissional habilitado (Engenheiro Civil e/ou Arquiteto);

  3. Apresentação ao município dos projetos de arquitetura para conferência e liberação para obra;

  4. Licença de edificar outorgado pelo Poder Público Municipal;

  5. Finalizados os serviços, chama-se o município para vistoria final onde serão confrontados todos os parâmetros de projetos aprovados inicialmente;

  6. Conferido e reconhecido que tudo foi realizado de acordo com o liberado inicialmente, será concedido o HABITE-SE

Sendo, portanto um ato jurídico perfeito e criando no mundo dos homens direitos e deveres.

Inexistindo qualquer necessidade do vizinho ter que recorrer ao artigo 1.302 do CC para lhe ajudar a estancar qualquer ilicitude do confrontante, pois o poder público irá conferir a legalidade da obra no que tange dentre esses, os afastamentos das divisas ou, se construída no rumo, sem a existência de eirados, varandas e janelas para o lado do vizinho.

Tanto que, caso a legislação seja alterada e parâmetros sejam mexidos, se forem mais restringentes dos que os da época da aprovação e outorga do HABITE-SE, será o caso de ato jurídico perfeito garantido ao detentor à manutenção do realizado.

Toda e qualquer obra não feita nesses termos, será INEVITAVELMENTE um ATO NULO.

Lembremos do que vem a ser um ato nulo:

No Direito, a nulidade é um vício que compromete a validade de um ato jurídico, seja por falta ou irregularidade de um de seus elementos essenciais (como vontade, objeto, forma ou causa), seja por violação de uma norma imperativa (uma lei, por exemplo). Os atos nulos são aqueles que contêm vícios tão graves que não produzem efeitos jurídicos, a não ser que sejam convalidados (corrigidos ou confirmados).

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Para que serve a Nulidade?

A nulidade serve para proteger a legalidade e a segurança jurídica , garantindo que os atos jurídicos sejam realizados de acordo com as normas previstas na legislação. Quando um ato jurídico é nulo, isso significa que ele não cumpre as condições necessárias para a sua validade e, portanto, não pode produzir os efeitos desejados.1

A garantia que irá ser concedida é que, após toda a tramitação de um pedido de construção de imóvel, a prefeitura, depois da vistoria final, permitirá o uso do imóvel através do verbo HABITAR.

Dirá aos proprietários que reconhece que tudo que foi construído está dentro das previsões da legislação edilícia e que pode ser usado: HABITE-SE.

Portanto, existem duas situações que ocorrem independentemente entre si, quando da construção de um imóvel que podem permitir o surgimento de aberrações que descumprem a legislação edilícia, mas não criando diretos.

Caso 1: Tramitação irregular na prefeitura, com aprovações ilegais pelo órgão público.

Fácil lembrar que se trata de ATO NULO, sem direito a qualquer proteção e beneficie.

Caso 2: Após tudo feito e aprovado pela prefeitura, recebimento de habite-se o proprietário resolve aumentar o imóvel, abrir janelas na divisa ou qualquer outro ato que conflita com a legislação.

Mais uma ocorrência de ATO NULO.


CONCLUSÃO

Como demonstrado, apenas o Caso que tramita regularmente na prefeitura irá criar a data inicial que garantirá qualquer temporalidade argüida. Porém estarão garantidos todos os ditames legais.

Todos os demais casos se transfigurarão em ATOS NULOS não criando nenhum direito no mundo jurídico.

Sendo essas obras irregulares, a QUALQUER TEMPO, passíveis de desfazimento.

Infelizmente existem julgados que não observam por este viés, e sim considerando que a ilegalidade está correta. Julgados que não apresentam uma dedução lógica de data inicial de contagem da prescrição e nem tão pouco a falta de um pressuposto necessário para dar conotação legal à edificação.

Em momento algum aparece o chamamento da existência ou não da carta de HABITE-SE.

Em todos estes exemplos, reparem que assumem um prazo pautado em subjetividade e reconhecem que a obra irregular estaria protegida pelo lapso temporal de ano e dia.

Obras que não foram reconhecidas pelo detentor da obrigação de gerir o uso do solo. Este, por exemplo, em nenhuma das peças aparece como terceiro chamado ao processo para explicar sobre a obra em questão.

Pelo até aqui demonstrado, urge uma reforma do entendimento à matéria, pois da maneira que é vista hoje esta prática só tem fomentado a explosão de obras irregulares.

Decorrente desta seara, o objetivo do ordenamento jurídico da pacificação entre vizinhos vem se definhando e o mais lamentável, estamos perdendo a almejada SEGURANÇA JURÍDICA.


Notas

1 artigo extraído do site https://www.aurum.com.br/blog/glossario-juridico/nulidade/

Sobre o autor
Mario Jorge Bandarra

Engenheiro Civil (UGF), Pós Graduado em Engenharia Sanitária (UERJ) com especializações diversas e, dentre estas, em Avaliação de imóveis (ILA - Maer).Bacharel em Direito (UCP). OAB-RJ 186.846

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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