Legitimidade do ordenamento jurídico: entre Kelsen e Habermas

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RESUMO

A legitimidade é um dos pilares de validez de uma norma jurídica, é através dela que os direitos dos cidadãos são conquistados. Para um governo ser eficaz ele necessita ser legítimo e, infelizmente, não é isso que ocorre no Brasil. A corrupção é a principal consequência da crise da legitimidade, a qual os direitos da população são totalmente esquecidos por conta da ambição e ganância daqueles que estão no poder. É objetivo deste apresentar os problemas que a crise da legitimidade, gerada pela corrupção, tem causado à população brasileira e como ela corrompe o ordenamento jurídico, demonstrando através do conceito dos pensadores Kelsen e Habermas. Por meio da metodologia de pesquisa quantitativa e do método hipotético-dedutivo uma crítica para fazer uma análise crítica a respeito do tema.

Palavras-chave: Legitimidade – Corrupção – Ordenamento jurídico­ – Efetividade

ABSTRACT

Legitimacy is one of the pillars of validity of a legal norm, and through it the rights of citizens are won. For a government to be effective it needs to be legitimate and, unfortunately, this is not the case in Brazil. Corruption is the main consequence of the crisis of legitimacy, which the rights of the population are totally forgotten because of the ambition and greed of those in power. It aims to present the problems that the crisis of legitimacy, generated by corruption, has caused the Brazilian population and how it corrupts the legal system, demonstrating through the concept of the thinkers Kelsen and Habermas. Through the methodology of quantitative research and the hypothetical-deductive method a critique to make a critical analysis on the subject.

Key words: Legitimacy - Corruption - Legal order – Effectiveness

  1. INTRODUÇÃO

O conceito de legitimidade ganhou grande relevância com os estudos do sociólogo alemão Max Weber. Posteriormente, com a influência de Weber, veio Kelsen com a Teoria Pura do Direito a qual defendia que a legitimidade seria determinada pelo próprio procedimento previsto no ordenamento, ou seja, para ele a validade das normas independia do conteúdo, desde que retirassem o fundamento da validade numa norma superior, nesse contexto, conluia-se, tudo que é legal também é legítimo. Habermas contrapõe o pensamento de Kelsen, pois para ele a legalidade necessita de um fundamento moral. Visto o conceito de legitimidade, tem-se uma base que para um ordenamento jurídico ser legítimo é necessário unir os conceitos de Kelsen, que defende uma norma extremamente positiva, com os de Habermas, que defende a norma atrelada aos preceitos éticos e morais. E quando em um Estado não existe embasamento ético e moral há uma crise na legitimidade, causado pela corrupção. É nesse contexto que será demonstrado no decorrer deste artigo que nos governos vigentes no Brasil, o poder político não é legítimo nem na visão de Kelsen, pois não seguem a norma superior; nem na visão de Habermas visto que é destituído de valores ético e morais, além de não existir a autolegislação, pois quem faz as leis realmente é um grupo minoritário que legislam em prol do individual, e não do social. Isso mostra a grande relevância social no que diz respeito às consequências negativas trazidas por tais atos.

  1. DESENVOLVIMENTO

Aprofundando o conceito de legitimidade na visão de Kelsen, a principal linha de pensamento deste era purificar o direito de toda influência externa, pregando que a legitimidade seria determinada pelo próprio funcionamento do direito, ou seja, pelo próprio procedimento previsto no ordenamento. Para Kelsen, o ordenamento jurídico era como um escalonamento hierárquico de normas, o qual cada norma tem o fundamento de validade em outra norma, até chegar à norma fundamental, que será a Constituição original. Também o interessa o procedimento de produção de uma norma jurídica, de tal modo que tudo que é legal também é legítimo.

No entanto, essa análise só vale para um governo estável; em situação oposta, em caso de alteração da ordem, a norma fundamental se modifica, e o fator de legitimação é a efetividade de um novo governo. Concluindo que a validade das normas jurídicas independia do seu conteúdo, desde que retirassem seu fundamento da validade de uma norma superior, obedecendo aos procedimentos previstos no sistema.

Habermas tem uma linha de pensamento diferente de Kelsen, para ele a ordem social só será válida se suas normas, do ponto de vista moral e racional, forem consideradas justas e corretas por todos e para todos, sem excluir minorias e suas opiniões, sob pena de haver uma ditadura da maioria. Afirma que não tem como extrair a fé na legalidade na força legitimadora se não houver uma justificação prático-moral.

O pensador ao buscar um fundamento racional para a legitimação encontra o discurso. Para Habermas, cada membro da sociedade participa de um procedimento discursivo, o qual os coloca em condições de igualdade e lhes dá liberdade de argumentação, assim as normas resultantes do processo de argumentação são legitimadas na medida em que intersubjetivamente formadas e reciprocamente obedecidas e respeitadas, criando um conceito de autolegislação, pois quem elabora as normas é, simultaneamente, autor e destinatário.

A ideia extraordinária de Habermas é vincular o cidadão à lei, de modo que o mesmo se veja como fruto de sua autoria, assim será aceito e aplicado por ele.

Contextualizando a teoria de Habermas com o sistema jurídico brasileiro, há muita influência dele na Constituição de 1988. Como exemplo, a República Federativa do Brasil tem como um de seus objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e reduzindo as desigualdade sociais e regionais. Cabe ao governante, não só cumprir a lei, mas sim se manter no poder e conferir primazia ao discurso para a efetiva participação popular dos cidadãos brasileiros, em busca de um país mais estável, garantindo o desenvolvimento econômico.

Fundações foram criadas com o intuito de defender os interesses de comunidades minoritárias e mais frágeis, como exemplo, a Fundação Cultural Palmares (FCP) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com o fim de proteger a organização social, costumes, línguas e proteger o patrimônio histórico-cultural.

Após visto o conceito que permeia o pensamento de Hans Helsen e Habermas, é possível afirmar que a política atual do Brasil não é legitimo comparado à opinião de ambos.

Por mais que o Processo Legislativo brasileiro esteja na forma correta e bem positivada, como defende a Teoria Pura do Direito, ele peca no que diz respeito ao seguimento das normas. Não é legítimo na visão de Kelsen, pois o mesmo defende que devemos seguir a norma fundamental, a Constituição. No entanto, vimos com os casos de corrupção cada vez mais frequente na sociedade que os governantes não seguem os ditames constitucionais.

A Constituição tem como objetivo reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos. Mas o que vemos são desvios do dinheiro público, que deveriam ser investidos em saúde, educação e infraestrutura básica para a população, e são usados para o interesse de uma minoria, alimentando a fartura e a ambição dos governantes corruptos.

No discurso habermasiano, também não há legitimidade no governo, pois Habermas defende que as normas devem ser feitas a partir do conceito de autolegislação, o qual o cidadão é autor e destinatário da lei, dessa forma não haveria motivo para o mesmo ir contra ela, sendo a ordem válida se suas normas, do ponto de vista moral e racional, forem consideradas justas para todos, sem excluir minorias.

Mais uma vez, há uma oposição com a política brasileira em relação ao conceito de legitimidade, visto que, os parlamentares eleitos pelo povo são levados a fazer as leis por motivos individuas, muitas vezes influenciados por outros dentro desse meio, deixando os motivos sociais e o bem comum em segundo plano.

Ou seja, para um governo ser legítimo não basta só seguir as leis, é preciso apoio das massas, a satisfação popular, a preocupação em “ouvir” efetivamente a população e buscar concretizar seus anseios.

Segundo o autor Fernando Filgueiras, autor do livro “Corrupção, democracia e legitimidade”, existe uma vinculação entre corrupção e moral política. Para ele, é necessário analisar a corrupção como um fenômeno, primeiro fazendo uma análise no contexto da crise de legitimidade, em razão da corrupção ser um qualitativo da ordem política, que tem como base valores e normas.

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Começando sua formulação teórica, ele coloca a corrupção atrelada ao plano da moralidade, porque é através da moral que poderá visualizar se uma determinada instituição é corrompida ou íntegra, logo essa moral é expressa por atores que estão em constante interação social, por sua vez irá remeter um juízo de valor que será o principal norteador da boa conduta do corpo político. Após a formulação desses juízos morais, os atores compreendem o alcance da corrupção na esfera pública.

Por causa desse consenso constitucional sobreposto, é desenvolvido outro ponto argumentativo, que são os juízos morais e os consensos normativos. Para estabelecer um juízo moral, é preciso que exista um acordo de forma consensual por partes dos atores envolvidos. Isso acontece para que a legitimidade apareça como uma forma racional da razão pública que fará os homens construírem uma comunicação utilizada na fixação das normas regendo as instituições e servindo como um padrão da universalização da aceitação racional das normas para o corpo social.

A linha de raciocínio de Filgueiras é a mesma de Habermas, a qual mostra a relação direta da legitimação com a moral, e que esta é o ponto principal para que haja corrupção em uma sociedade.

Podemos citar outro pensador que refletiu o agir humano com a moralidade: Nicolau Maquiavel. Este dizia que as características da natureza humanas são imutáveis, em razão de o homem ter uma tendência desviante da moral padronizada em um contexto social, tendo uma busca desenfreada pela riqueza ou outros benefícios, como também egoísta, individualistas e outras formas negativas. Para ele a moral do homem é decaída, ou seja, ela é bastante volátil e torna-se a repetir através de várias épocas na história, portanto, isso faz com que a corrupção sempre esteja em destaque em uma república. A partir desse contexto, mostra a importância da existência de juízos de valor que irá transformá-lo em um ordenamento jurídico ajudando a sociedade viver com sua imensa complexidade social.

No Brasil, há leis, apesar de falhas, que visam o combate à corrupção, muitas delas recentemente aprovadas pelo Congresso. Um exemplo é a Lei Anticorrupção, que prevê a punição de pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras, punindo empresas corruptoras. Entidades da sociedade civil dedicadas ao combate à corrupção consideram outros avanços na legislação: a Lei de Acesso à Informação, que facilita o acesso às informações públicas e dá prazo de até 30 dias para resposta; e a Lei da Transparência, que obriga as prefeituras a colocar suas contas na internet. No entanto, essas leis não tem a fiscalização adequada e raramente são cumpridas pelos estados e municípios.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo justifica-se pelo crescente aumento de casos de corrupção ocorridos nos últimos anos no Brasil e como isso tem afetado diretamente a população economicamente e socialmente. Visando que enquanto o poder político for guiado por uma pequena parte da população que detém o poder aquisitivo, nosso sistema nunca se tornará efetivamente legítimo, pois sempre haverá ilegalidade e o não cumprimento da Constituição.

É necessário para um governo ser legítimo a participação efetiva da população, como dizia Habermas, exercendo a autolegislação, para assim, não haver inconformidade dos cidadãos perante as normas, pois eles terão consciência de quem as fez foram eles mesmos. Além do cumprimento efetivo da Constituição, a norma superior, que para Kelsen, é a norma que rege todas as outras. Para tanto, essa pesquisa procura atingir os cidadãos para que se mobilizem e se disponham a conhecer mais sobre o assunto com a finalidade de uma possível mudança no futuro.

Esse estudo tem como objetivo mostrar que a corrupção, tão presente e desfreada em nossa sociedade, possui mecanismos que visam seu combate, porém, muitas vezes é em vão, pois não há correta aplicação nas leis. Infelizmente esse problema sempre irá se pendurar na sociedade brasileira enquanto a cultura de impunidade for vigente no

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Evandro. O problema da legitimidade do direito em Kant e Habermas.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de Outubro de 1988. Legislação. [Brasília].

CELLA, José Renato Gaziero. Weber, Kelsen, Habermas e o problema da legitimidade.

CELLA, José Renato Gaziero. A Crítica de Habermas para a ideia de legitimidade em Weber e Kelsen.

FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção, democracia e legitimidade.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Traduzido por João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MIRANDA, Maressa da Silva. O mundo da vida e o Direito na obra de Jürgen Habermas. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 97-119, jan./jun. 2009.

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