É cabível Usucapião Extrajudicial para regularizar apartamento cujo prédio nem mesmo existe no RGI?

22/07/2024 às 16:15
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"É MELHOR PREVENIR do que remediar" - esse é um ditado que muito provavelmente você já deve ter ouvido. Com toda certeza ele também se aplica nas questões relativas a imóveis, principalmente na AQUISIÇÃO, afinal de contas, a compra de um imóvel costuma ser um fato muito importante na vida das pessoas, não só pelo valor despendido mas principalmente por tudo que significa a aquisição de uma moradia. Quando tratamos de prevenção na aquisição de imóveis estamos referindo diretamente à assistência por profissional especializado nessas questões e não apenas àqueles que estão interessados unicamente na sua comissão pela conclusão do negócio; a assistência preventiva que realmente importa e fará diferença é aquela que começará no exame inicial da documentação e terminará com a entrega da certidão do RGI ostentando o nome do adquirente como último registro, atualizado, buscando reduzir os riscos inerentes às transações imobiliárias.

Como já destacamos em muitas outras passagens, a Usucapião - excepcionalmente - pode representar também "remédio" para resolver a aquisição de imóveis desde que "evidenciada a EXCESSIVA DIFICULDADE ou impedimento de realizá-la pelas vias administrativas" (TJSC. 5001268-92.2020.8.24.0055. J. em: 22/02/2024). Não são poucos os casos onde a aquisição de imóveis é feita de forma atrapalhada sobre imóveis irregulares, por exemplo aqueles situados em ditos "empreendimentos imobiliários" irregulares ou até mesmo clandestinos. Com toda razão um exame prévio da documentação deveria ter sido feito no momento que antecede a aquisição porém, como vimos no início desse texto, nem sempre as partes (principalmente o adquirente) estão acompanhadas de um advogado especialista para aclarar seus olhos sobre os riscos do negócio que estão prestes a fechar. É nesse cenário que, infelizmente, pode ocorrer a aquisição de uma unidade autônoma (apartamento) estabelecido em Condomínio irregular/clandestino uma vez constatada sua inexistência formal perante o Cartório do Registro Imobiliário (RGI). Nesse caso será possível a regularização via Usucapião, inclusive a Usucapião Extrajudicial que dispensa processo judicial?

A reposta é afirmativa já que, como se sabe as questões relativas à regularidade da ocupação do solo assim como observações à regulações urbanísticas não são nem nunca foram requisitos para o reconhecimento da Usucapião, razão pela qual não podem mesmo representar empecilho tanto na via judicial quanto na via extrajudicial. Nesse sentido a doutrina abalizada do Professor e Desembargador do TJSP, Dr. FRANCISCO LOUREIRO ( Código Civil Comentado - doutrina e jurisprudência. 2021):

"Controverte a doutrina sobre questões atinentes a parcelamentos do solo clandestinos, ocupação de áreas ele mananciais e ele proteção ambiental, de risco ou inadequadas para moradias. É preciso entender, porém, que eventuais ilegalidades dizem respeito à ocupação do solo e não à declaração de propriedade. Parece pouco lógico que se negue a usucapião, mas se mantenham as posses sobre imóveis irregulares, perpetuando situação de incerteza. A usucapião NÃO GERA A OCUPAÇÃO IRREGULAR do solo, mas apenas é o primeiro passo para futura reurbanização".

De fato, a Usucapião pode ser apenas o PRIMEIRO PASSO para alcançar a regularização do bem. Não podemos perder isso de vista. Nesse sentido, decisão paradigmática do STJ nos autos do REsp 1818564/DF (j. em: 09/06/2021):

"RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE IRDR. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM IMÓVEL URBANO. ÁREA INTEGRANTE DE LOTEAMENTO IRREGULAR. (...). O RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO DO IMÓVEL NÃO INTERFERE NA DIMENSÃO URBANÍSTICA DO USO DA PROPRIEDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. (...) 3. A prescrição aquisitiva é forma originária de aquisição da propriedade e a sentença judicial que a reconhece tem natureza eminentemente declaratória, mas também com carga constitutiva. 4. Não se deve confundir o direito de propriedade declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística). 5. O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização. (...) 7. Recurso especial não provido, mantida a tese jurídica fixada no acórdão recorrido: É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística".

Com toda razão, especialmente amparado nesta importante orientação do STJ (que inclusive teve tese firmada no Tema Repetitivo 1025) se mostra possível a regularização de unidade autônoma (apartamento) em condomínio cuja regularização esteja pendente perante o Registro de Imóveis inclusive - desde que é claro estejam presentes e devidamente comprovados os REQUISITOS exigidos em lei para o reconhecimento da aquisição via USUCAPIÃO. Não é demais ressaltar que inclusive o Provimento CNJ 149/2023 reconhece a possibilidade da Usucapião Extrajudicial nesses casos no par.4º do art. 417, verbis:

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"§ 4.º Tratando-se de usucapião de unidade autônoma localizada em condomínio edilício objeto de incorporação, mas ainda não instituído ou sem a devida averbação de construção, a matrícula será aberta para a respectiva fração ideal, mencionando-se a unidade a que se refere".

POR FIM, decisão recente do TJSP que prestigiando o entendimento firmado no STJ e no STF cassou a sentença do juízo de piso que extinguia o processo diante de alegada "impossibilidade jurídica" do pedido:

"TJSP. 1020859-46.2019.8.26.0554. J. em: 04/05/2022. USUCAPIÃO – CONDOMÍNIO IRREGULAR - Sentença de extinção por impossibilidade jurídica do pedido - Recurso dos autores - Possibilidade de usucapião de apartamento em condomínio edilício irregular, ainda que este não tenha inscrição no registro de imóvel - Modo de aquisição originária - Mitigação das restrições normalmente aplicáveis ao registro – Precedentes - SENTENÇA ANULADA para prosseguimento do feito - Recurso provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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