Legítima defesa do patrimônio

29/07/2024 às 16:28

Resumo:


  • A legítima defesa é uma excludente de ilicitude no direito penal brasileiro que permite a proteção de um bem jurídico através do uso moderado dos meios necessários.

  • Além da integridade física, a legítima defesa também se aplica à defesa do patrimônio, desde que respeitados os requisitos legais.

  • Os requisitos para caracterização da legítima defesa do patrimônio incluem agressão injusta, atual ou iminente, uso moderado dos meios necessários e proteção de direito próprio ou de terceiros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sabemos que a legítima defesa é a mais conhecida excludente de ilicitude no direito penal brasileiro. Ela permite que uma pessoa pratique uma conduta típica que naquela ocasião não pode ser considerada ilícita.

Assim, em nome da proteção de um determinado bem jurídico, a pessoa que age em legítima defesa protege seus direitos sem incorrer em responsabilidade criminal, desde que respeitado os limites legais.

Embora frequentemente associada à proteção da integridade física, a legítima defesa também se aplica à defesa do patrimônio.

Neste artigo, exploraremos os aspectos legais da legítima defesa do patrimônio, conforme a legislação brasileira, com uma análise aprofundada dos princípios, requisitos e jurisprudência.


Fundamento Legal

A legítima defesa está prevista no Código Penal Brasileiro, no artigo 25, que estabelece:

Art. 25: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Temos, portanto, que os requisitos para caracterização da legítima defesa são: i) agressão injusta, ii) atual ou iminente, iii) utilização moderada dos meios necessários, iv) proteção a direito próprio ou alheio.

Apesar de o patrimônio não aparecer expressamente, é plenamente cabível a legítima defesa patrimonial em observância aos requisitos acima. Isso ocorre porque o patrimônio constitui um bem jurídico protegido pelo Estado e, diante de um agressão injusta, poderá ser defendido a quem possui o direito.

Assim, para que o proprietário ou possuidor do bem possa agir em legítima defesa devem ser observados os requisitos essenciais no caso concreto:

1. Agressão Injusta: A agressão ao patrimônio deve ser injusta, ou seja, não pode haver uma justificativa legal para a ação do agressor, como no caso de um arrombamento oriundo de mandado de busca e apreensão.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica ao estabelecer que a legítima defesa só se aplica em casos de agressão ilegítima, sendo imprescindível a análise do contexto fático para determinar a injustiça da agressão.

2. Atual ou Iminente: A agressão deve estar ocorrendo no momento ou prestes a ocorrer. A legítima defesa, em regra, não é admitida em casos de agressões passadas ou futuras. Contudo, há divergência doutrinária, como no caso da tese da legítima defesa preordenada (que abordaremos em outro artigo).

3. Uso Moderado dos Meios Necessários: A defesa deve ser proporcional à agressão, significando que a reação deve ser suficiente para repelir a injustiça, sem excessos. Aqui se aplica o princípio da proporcionalidade, o qual objetiva evitar o cometimento de evita abusos e excessos na reação defensiva.

A jurisprudência estabelece que a análise da moderação deve considerar as circunstâncias concretas do caso, avaliando se os meios empregados eram adequados e suficientes para cessar a agressão. Porém, sabe-se que a legítima defesa não pode – e não deve – ser mensurada de forma aritmética, devendo o caso ser analisado detalhadamente.

4. Proteção de Direito Próprio ou de terceiros: A legítima defesa pode ser exercida tanto para proteger bens próprios quanto de terceiros. Este aspecto é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, que destacam a solidariedade e a proteção de direitos alheios como fundamentos legítimos para a defesa.


Exemplo Prático

Considere a situação em que uma pessoa encontra um ladrão tentando arrombar seu carro. A pessoa pode agir para impedir a ação do criminoso, utilizando os meios necessários e moderados para proteger seu patrimônio. Se essa reação for proporcional à agressão, estará configurada a legítima defesa. A jurisprudência é rica em exemplos similares, em que a análise do contexto e da proporcionalidade da reação são determinantes para a configuração da legítima defesa.


Limites da Legítima Defesa

Entretanto, é importante destacar que a legítima defesa não pode ser utilizada de forma abusiva. Caso a reação seja desproporcional, poderá haver responsabilidade criminal pelos excessos.

Em hipótese alguma a legítima defesa pode ser confundida com a vingança, devendo ser preenchidos todos os requisitos previstos no supracitado artigo 25 do Código Penal.

Recentemente comentei sobre uma situação de um homem que havia danificado um veículo e, logo após, o proprietário havia reagido à injusta agressão (Deixarei o link1 do vídeo no rodapé).

Naquele caso, o requisito da atualidade/iminência não estava presente, visto que, aparentemente, o homem que danificou o veículo não tinha a intenção de continuar danificando. Desse modo, o motorista havia apenas praticado uma lesão corporal.


Jurisprudência e projeto de lei

Indubitavelmente, qualquer bem jurídico pode ser legalmente defendido2, sendo esta premissa disponível com clareza na jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - CONDENAÇÃO PELO DELITO DE DISPARO DE ARMA DE FOGO - LEGÍTIMA DEFESA DE PATRIMÔNIO - EXCLUDENTE DE ILICITUDE CONFIGURADA.

1. Para o reconhecimento da excludente da legítima defesa, é necessária a existência de prova induvidosa de que o agente usando, moderadamente, dos meios necessários, repeliu injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (art. 25. do CP).

2. Qualquer bem jurídico pode ser protegido através da ofensa legítima, não se fazendo distinção entre bens pessoais e impessoais (vida, incolumidade pessoal, honra, pudor, liberdade, tranquilidade doméstica, patrimônio, pátrio poder, etc.).

(TJ-MG - APR: 10521110023889001 MG, Relator: Eduardo Machado, Data de Julgamento: 10/06/2014, Câmaras Criminais / 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/06/2014). (Grifo nosso).

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A legítima defesa do patrimônio é uma expressão da legítima defesa comum, apesar de haver discussão a respeito da sobreposição de bens jurídicos, como no caso de um ladrão perder a vida no momento do furto de um veículo.

Novamente, como já explicitado, cada caso precisa ser analisado de forma concreta e individual, sendo qualquer excesso punível nos termos da lei.

Além disso, há um projeto de lei3 sobre a inclusão da defesa do patrimônio no conceito de legítima defesa, na tentativa de ratificar o direito à proteção patrimonial.

A interpretação doutrinária e jurisprudencial é uníssona quanto a possibilidade de legítima defesa do patrimônio, desde que dentro dos limites legais.

Inclusive, sobre a defesa da propriedade, existe também a questão dos ofendículos, que são os objetos utilizados para evitar o cometimento de crimes, tais como cerca elétrica, arame farpado, etc.


Conclusão

A doutrina e a jurisprudência convergem na necessidade de uma análise contextual e proporcional da reação defensiva do patrimônio, mas reafirmando a importância da legítima defesa como um direito fundamental e uma garantia do Estado Democrático de Direito.


Notas

1 Disponível em: https://www.instagram.com/reel/C97c1OiMSSs/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

2 Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/causas-de-exclusao-da-ilicitude/legitima-defesa

3 Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/834639-comissao-aprova-projeto-que-inclui-a-defesa-do-patrimonio-no-conceito-de-legitima-defesa/

Sobre o autor
Matheus Reis de França

Advogado criminalista, formado pela Universidade Federal do Sul da Bahia, com pós-graduação em Direito Processual Civil Aplicado pela Escola Brasileira de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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