Debates acalorados são travados atualmente sobre os limites da imunidade parlamentar, conforme estabelecido no artigo 53 da Constituição Federal de 1988. Na Era dos Direitos Humanos, qual deve ser o alcance da imunidade parlamentar?
Não precisamos ir muito longe, basta considerar a CRFB de 1988. Ela estabelece a dignidade humana (art. 1º, III), a fraternidade (art. 3º), a proteção da dignidade, da liberdade, da vida, entre outros (art. 5º, XXV), e condena o racismo em todas as suas manifestações, sejam elas recreativas, veladas ou explícitas (art. 5º, XLII).
A redação da norma do “caput”, do art. 53, da CRFB de 1988:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
É possível afirmar, sem grandes esforços, que a imunidade parlamentar não é um direito absoluto, conforme alguns parlamentares sugerem ao acusar censura à liberdade de expressão. O racismo é veementemente repudiado e condenado na República Federativa do Brasil, e, portanto, não se aplica a imunidade parlamentar ao racismo. Comumente, e por muito tempo, consolidou-se no inconsciente coletivo brasileiro a ideia de que o racismo ocorre exclusivamente de pessoas brancas contra pessoas pretas e pardas — categorias estas definidas pelo IBGE. O racismo engloba tanto restrições ao direito de locomoção quanto à dignidade em si. O direito de locomoção é uma manifestação da dignidade humana. Sem o direito de locomoção, a dignidade não é plena.
Se uma pessoa é proibida de ingressar num estabelecimento comercial, por sua cor epitelial, a dignidade ferida. Uma pessoa, como cadeirante, é proibida de ingressar num evento, não há acessibilidade, como rampa de acesso, os amigos ou familiares podem carregar o cadeirante até a mesa reservada, há discriminação e limitação da dignidade da pessoa cadeirante. Uma mulher LGBT+ que quer uma festa de aniversário para um dos filhos, mas a casa de festas se recusa, pela “condição LGBT+”, há coisificação da dignidade da pessoa LGBT+. E há, também, indiretamente, racismo contra criança, ou adolescente, do casal LGBT+, ou família monoparental. Se a ideia é rejeitar contrato de prestação de serviço, pela condição humana, LGBT+, ainda que seja por qualquer ideologia, como religiosa, pseudocientífica etc., impera a ideologia contida na CRFB de 1988 (arts. 1º, III, 3º).
Ora, se os danos morais e os ressarcimentos têm como fundamento a “paz social”, a paz social não pode privilegiar certas comunidades. Se há responsabilidade de danos morais, coletivo, para pessoa que chuta uma imagem católica, em total desrespeito e com intenção de criar menosprezo aos fiéis do catolicismo, pelas imagens católicas, é a imagem dotada de simbolismo. O nazismo é símbolo máximo de todas as pseudociências, assim como os racismos — segregação, inclusão parcial — criados dentro e fora das religiões, da própria espécie humana. Considero, e assim é, pela consequência da primazia dos direitos humanos, também presentes no Direito Internacional Público, a dignidade humana, o real marco definidor de civilização e civilidade — civilização e civilidade era, sinônimos para o eurocentrismo, de cunho racista.
Cada vez mais, é cada vez menos tolerável o racismo por parte das Cortes Superiores em vários Estados. Antes da CRFB de 1988, doutrinadores discutiam sobre filho legítimo ou não, “mulher legítima ou não”, ou mesmo pessoas em caso de “casamento não oficial”; o “querido” pela sociedade, pelo Estado (semiconfessional), o casamento entre homem e mulher cisgêneros. Antes, somente um tipo de casamento, de relação. Atualmente, vários tipos de famílias — o tradicional, homem e mulher cisgêneros, o “moderno” como casais LGBT+, ou ainda, “família” formada por pai, mãe e filhos, e não somente mãe ou somente pai. Se os animais não humanos serão considerados “seres sencientes”, pelas mudanças no Código Civil de 2002, podemos considerar que única pessoa morando com os seus animais queridos, não mais simplesmente de estimação, compõem uma família?
Inq 3948 / DF - DISTRITO FEDERAL
INQUÉRITO
Relator(a): Min. ROSA WEBER
Julgamento: 22/11/2016
Publicação: 07/02/2017
Órgão julgador: Primeira Turma
A verbalização da representação parlamentar não contempla ofensas pessoais, achincalhamento ou libertinagem da fala. Placita, contudo, modelo de expressão menos protocolar, ou mesmo desabrido, via manifestações muitas vezes ácidas, jocosas, mordazes, ou até impiedosas, em que o vernáculo contundente — ainda que acaso deplorável no patamar de respeito mútuo a que se aspira em uma sociedade civilizada —, embala a exposição do ponto de vista do orador.
Para se configurar crime (art. 138 a 140, do CP), a necessidade de “ânimo”, “intenção de ofender”. Ocorre que, numa construção verbal, pode não aparentar ter intenção de ofensa. Ora, uma piada é aceita se o público a aceitar. Deve ter concordância entre quem conta piada e quem ouve. Uma anedota de nazista para nazista não tem nenhuma “negatividade”, mas de nazista para judeu, pode. Dizer que a “sensibilidade” de judeu é demasiada, do ponto de vista de quem é demasiada ou não? Muito humoristas reclamam da “Era da Sensibilidade (Exagerada)” pela ideologia do “Politicamente Correto”.
Uma escultura pode ter várias “mensagens” para cada apreciador. Se escultura nua, isto é, sem roupas, cada pessoa fixará a sua atenção conforme o seu mundo ideológico interior; não se pode esquecer que moral, imoral e amoral são construções particulares de cada comunidade humana.
Ministério dos Esportes faz postagem racista sobre barco do Brasil nas Olimpíadas e apaga depois (msn.com). Uma imagem de um chimpanzé numa lancha. Racismo? Cada Estado é formado pelo respectivo povo. Povo é uma coletividade de pessoas e de ideologias. Qual a ideologia predominante, como ela afeta às relações interpessoais, quais comunidades são segregadas?
Habeas Corpus nº 82.424:
Para a construção da definição jurídico-constitucional do termo “racismo”, o Tribunal concluiu que é necessário, por meio da interpretação teleológica e sistêmica da Constituição, conjugar fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram a sua formação e aplicação. Apenas desta maneira é possível obter o real sentido e alcance da norma, que deve compatibilizar os conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos e biológicos. Asseverou-se que a discriminação contra os judeus, que resulta do fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas, é inconciliável com os padrões éticos e morais definidos na Constituição do Brasil e no mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o Estado Democrático de Direito.
Muitos falam sobre a liberdade de expressão nos EUA, como “absoluta”. Ainda asseveram, os defensores da (plena) liberdade de expressão, que “Dizer tudo” é forma de “avaliar”. Ora, no Brasil, por exemplo, publicidades, nos anos de 1990, jamais seriam aceitos na atualidade, por serem misóginas etc. O Direito é a expressão dos anseios existenciais do povo: paz. Quando se pensa em “maioria”, é perigoso. Assim pensar, é condição do utilitarismo, no qual um grupo domina, ainda que de poucas comunidades no poder, ou de única comunidade, como ocorreu no nazismo. Cada vez mais, é cada vez menos aceitável o utilitarismo. É cada vez mais a predominância das ideologias liberal e libertária. O conceito de existir, sem prejudicar a ninguém, pelo liberalismo ou libertarianismo, diz respeito ao estado pessoal de como se relacionar, existir. Assim, cada ser humano determina para si, por exemplo, qual indumentária usar, qual tipo de relacionamento amoroso quer ter, a liberdade de ter religião ou não etc. Ocorre que uma liberdade plena, como defendem os anarcocapitalistas, pressupõem um domínio do próprio ser sobre os seus desejos. Quem limita uma pessoa? Ela mesma? A sociedade? O Estado? Se o Estado defender “Cada qual faz o que quiser de si”, abre-se um perigoso comportamento. Pluralidades de personalidades existem na espécie humana. Pessoas com Transtorno de Personalidade e sem transtornos. As sem transtornos podem desenvolver, por exemplo, compulsões, como a sexual, a alimentar. Vivemos num ambiente competitivo, de valorização de geração de riquezas, e não da pessoa humana. As publicidades transmitem ideias de liberdade, sem responsabilidades, e ainda criam um orbe distinto da Terra — esta com abissais diferenças sociais, violações dos direitos humanos etc.
Um discurso, qual etnia se refere? Qual a carga negativa para essa etnia? A frase abaixo para análise:
“(...) manifestações muitas vezes ácidas, jocosas, mordazes, ou até impiedosas, em que o vernáculo contundente — ainda que acaso deplorável no patamar de respeito mútuo a que se aspira em uma sociedade civilizada —, embala a exposição do ponto de vista do orador.”
“Ponto de vista do orador”. Uma pessoa é criada num ambiente cuja ideologia condena o gênero feminino por também opinar e determinar no lar. Do ponto de vista de “correto” (cosmovisão), pode-se condenar tal pessoa, ainda que a sua comunidade e seus valores estão incongruentes com o Direito? E se antes o Direito era congruente com a cosmovisão da comunidade sobre o gênero feminino? Esse é o ponto crucial: Direito e os valores sociais.
Direito não pode ser um campo fechado para as diversas realidades humanas pelas suas diversas ideologias. Muito menos o Direito pode ser um campo fechado e somente teórico, isto é, desapartado da realidade da espécie humana pelas diversas ideologias. Assim, comunidades que preferem racismo, por uma ideologia racista, devem ser tratadas, pelo Estado, como violadoras dos direitos humanos, direitos estes como civil, político, cultural, econômico e social. Retornemos para “Uma pessoa é criada num ambiente cuja ideologia condena o gênero feminino de também opinar e determinar no lar”. Se essa pessoa acredita que os valores de sua comunidade são corretos, e que outros valores são desiguais e incompatíveis, como deve ser classificada está pessoa? Semi-imputável, inimputável ou imputável? Se o Estado tão somente condena, sem apresentar, previamente, justificativas, robustas, sobre construções racistas, desprovidas de qualquer embasamento científico e religioso, apenas condena, não educa.
A educação tanto pode ser antidireitos humanos quanto pró-direitos humanos. O DECRETO Nº 7.037, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2009, por exemplo, possui intenção de universalização dos direitos humanos e o desenvolvimento dos direitos humanos. A escravidão, seja por dívida, por simplesmente escravizar, não é mais aceita, por um processo contínuo de justificativas, coerentes, contra a escravidão. No plano teórico, a defesa dos direitos naturais, no plano da realidade material, a dor de outro ser humano. Sim, talvez a grande mudança ocorrida para a não escravidão se deu pelas exposições das crueldades de outros seres humanos considerados “não da espécie humana”, isto é, como seres a parte. Se os animais não humanos podem ser considerados seres sencientes, e assim são — animais, mesmo de espécies diferentes, sentem medo diante de crueldades perpetradas por alguns seres humanos —, a espécie humana reconhece que os animais não humanos não são meras mercadorias desprovidas de sentimentos. Essa é a questão, sentimentos. Diante das normas jurídicas, os sentimentos estão neutralizados? Por muito tempo se pensou que os sentimentos, até na medicina, fossem desfavoráveis para a “evolução” da espécie humana, para a aplicação "justa" do Direito. Vigorou a “letra da lei”, fria, calculista, sem se basear nos sentimentos. E foram os sentimentos que garantiram a abolição da escravatura, não tão somente a necessidade do mercado. Foram os sentimentos, e não um revanchismo dos Aliados, no Tribunal de Nuremberg, que condenaram os nazistas. Posteriormente, a proteção da dignidade humana, internacionalmente.
Pensemos, somente pela lógica. Não há crime de racismo na CRFB de 1988, logo, não se pode condenar quem assim age. Não há uma definição sobre racismo. Constitucionalmente, "todos são iguais". A Lei Maria da Penha é um "privilégio" para o gênero masculino, o gênero masculino perdeu um pouco de sua dignidade. A criminalização da homofobia e transfobia nada mais é do que um "privilégio", enquanto os heterossexuais são desprovidos de suas dignidades. Largamente difundidas nas redes sociais. Vamos analisar sobre hegemonia ideológica. Se as mulheres, cisgênero, tinham que se submeter ao pátrio poder, este modelo familiar era de igualdade? Não deve ser difícil compreender, na atualidade, que o patriarcado tirava os direitos políticos e civis das mulheres. Esse novo entendimento teve embasamentos tanto no direito natural quanto na exposição dos sentimentos das mulheres, por elas mesmas, diante da ideologia limitadora da dignidade da mulher.
Sim, sentimentos. Quais sentimentos estão presentes na sociedade brasileira? O narrador, qual a sua intenção? Tão somente ter público e, consequentemente, o retorno financeiro? Ou defender uma ideologia que possa ser compartilhada? Por muito tempo se invocou "razão" sobre "sentimentos". Se uma idosa não pode ser retirada para fora de hospital particular, por não ter quitado mensalidade, tão somente a razão impedirá de ela ser retirada? Ou existe um sentimento além da razão? Pela razão, a indenização em caso de motorista avançar sinal do semáforo, na cor vermelha, e atropelar pedestre. Como ser humano, o pedestre pode ter família, e a família depende da força de trabalho do único provedor do lar, o pedestre atropelado. Poderá o pedestre não mais trabalhar e, assim, não mais contribuir, economicamente, para o desenvolvimento econômico regional e nacional. Essa simplista observação é desprovida de sentimentos, apenas se verifica o "custo-benefício" (capital).
Mesmo que uma Constituição, como Lei Suprema, nada diz sobre dignidade humana, sobre fato humano, são juízes, os desembargadores e os magistrados responsáveis pela manutenção da dignidade? Não somente os "homens e mulheres da Justiça": os parlamentares e, principalmente, as diversas comunidades que formam o povo. Quanto maior a participação das diversas comunidades que formam o povo brasileiro, maior será o sentimento de justiça.
O contexto dos direitos humanos, a imunidade parlamentar pode ser vista como uma forma de proteção da liberdade de expressão e de manifestação política dos representantes do povo, garantindo que possam expressar suas opiniões sem medo de retaliação ou prisões injustas. Isso é especialmente importante em regimes autoritários ou em situações em que exista o risco de perseguição política.
No entanto, é necessário reconhecer que, historicamente, muitos grupos marginalizados, como mulheres, pessoas LGBT+ e pessoas com necessidades especiais, foram excluídos dessas mesmas liberdades individuais. A “minoria” não possuía os mesmos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos que outros membros da sociedade ditos "civilizados", "capacitados" etc. Podemos ver avanços significativos quanto às pessoas com necessidades especiais pela LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015 e, consequentemente, revogações dos incisos do art. 3º, da LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.
À medida que avançamos para uma sociedade mais inclusiva e igualitária, é necessário repensar a imunidade parlamentar, garantindo que ela não seja usada como um instrumento de impunidade para discursos de ódio, discriminação ou outras formas de violência simbólica. É fundamental considerar os direitos e a dignidade de todos os cidadãos, incluindo aqueles que historicamente foram marginalizados.
A imunidade parlamentar deve ser equilibrada com a responsabilidade e prestação de contas dos representantes do povo. Isso implica em estabelecer limites claros para as declarações e ações dos parlamentares, de modo a garantir que eles não abusem de sua liberdade de expressão para promover discursos de ódio ou violações dos direitos humanos.
Em suma, a imunidade parlamentar na era dos direitos humanos deve ser entendida como uma salvaguarda da liberdade de expressão dos representantes do povo, mas precisa ser reformulada para garantir que todos os grupos da sociedade sejam respeitados e incluídos em um ambiente político democrático e igualitário.