Byung-Chul Han, sociedade paliativa e a reforma do Código Civil: o estudo do Direito não é para os fracos

28/07/2024 às 17:46
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No dia 04 de setembro de 2023, foi instalada a Comissão Temporária Interna do Senado incumbida da hercúlea missão de apresentar, no prazo de 180 dias, anteprojeto de Lei para revisão e atualização do Código Civil.

Desde essa data, ouvi numerosos comentários, sobretudo daqueles que estudam para concursos públicos, no sentido de que o Código ora vigente não merecia reparos. Diversas falas do seguinte jaez foram a mim direcionadas: “Quando consigo decorar os artigos do Código atual, me vêm com uma alteração desse tamanho. Isso é um absurdo”! Bem vistas as coisas, e sempre com o devido respeito à classe dos concurseiros (a que também pertenço), absurdo é pretender que o Direito se mantenha estático, alheio às mudanças sociais. O título do presente texto fará sentido até o fim das linhas aqui digitadas, prometo.

Byung-Chul Han, na magistral obra “Sociedade paliativa: a dor hoje”, descreve, de maneira acurada, e em uma reduzida quantidade de páginas, o tipo de sociedade em que vivemos. É uma sociedade direcionada à curtição (em suas multívocas acepções). A dor é evitada a todo custo. Nas palavras do filósofo sul-coreano, “o dispositivo de felicidade individualiza o ser humano e leva à despolitização e à dessolidarização da sociedade. Cada um tem que cuidar da própria felicidade. Ela se torna um assunto privado” (Han, 2023, p. 30).  É a partir desses dizeres que pretendo estabelecer uma relação com a reforma do Código.

À guisa de introdução, e em complemento ao comentário citado suso, Bauman (2008, p. 68) esclarece que “o que mais possa significar a felicidade, ela sempre quis dizer ser livre das inconveniências; e, entre os modernos significados do conceito de ‘inconveniente’, o Oxford English Dictionary relaciona [...] ‘desfavorável ao conforto’”. Daqui, é facilmente extraível o íntimo liame de subjetividade entre a felicidade e a dor.

Ao buscar tudo aquilo que seja favorável aos seus interesses, as pessoas, por comodismo, dizem que o Código atual não deveria ser alterado. Evitam a dor de ter que aprender algumas disposições novas, fazendo um cotejo com o que já havia sido aprendido (ou, em alguns casos, decorado). No entanto, esquecem que a dor é catártica, purifica. O propósito do Direito não é ser copiado e colado em provas, mas servir à sociedade, buscando a paz. Como diria Miguel Reale (1999, p. 2), “o Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social”.

Nessa ordem de ideias, chega-se à ilação de que o Direito é condicionado pelos dados vigentes em determinado espaço-tempo. Trocando em miúdos, deve acompanhar a sociedade, dinâmica que é. Em razão disso que Reale, com o brilhantismo que lhe era inerente, pontuava que o Direito deve ser estável sem ser estático, e dinâmico sem ser frenético.

O Código de 2002 veio para substituir as disposições patrimonialistas e patriarcais do Código de 1916, e em que pese ter ocasionado inovações substanciais, alguns juristas afirmam ter nascido um “fóssil vivo”, notadamente pelo fato de ter sua gestação iniciada nos idos da década de 1970, antes mesmo da Constituição de 88. A operabilidade que deve ser a ele inerente, com o emprego de técnicas como as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados, parece não ter se mostrado suficiente.

Múltiplas são as mudanças propostas para a reforma do Código, todas visando a colocar o Direito a par das evoluções doutrinárias, jurisprudenciais e, acima de tudo, sociais. Dentre elas, é possível mencionar um capítulo dedicado ao direito digital, disposições sobre direito dos animais, doação de órgãos, reprodução assistida, etc

Críticas, a toda evidência, são bem-vindas. Elas representam a origem do progresso e do esclarecimento, para mencionar Thomas Mann. No entanto, é imprescindível que sejam fundamentadas, e não que tenham como móvel a indisposição de estudar novas alterações. O Direito não pode permanecer intocado no tempo, e assim sendo, precisa acompanhar o dinamismo da sociedade (nos limites do razoável, por óbvio), sob pena de não ver cumprida sua função social. Sob pena de não passar de um simples pedaço de papel. Se mudanças forem necessárias para que se cumpra o seu desiderato, que assim se proceda. O estudo do Direito não é para os fracos.

 

 

Sobre o autor
Gustavo Machado Rebouças

Jovem eivado de inexperiência que, casualmente, se presta a tecer breves considerações acerca do mundo jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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