A maneira como o Poder Público se comunica com as pessoas pode representar um importante meio de informar sobre os direitos e deveres, dispor serviços eficientes, bem como incluir parte marginalizada na sociedade. Isso porque uma comunicação fácil aumenta a possibilidade de entendimento e de todos poderem usar as informações.
A linguagem simples, nessa ótica, não apenas constitui uma técnica. Também um modelo do Estado se conectar efetivamente com a sociedade. Trata-se de uma forma mais direta e clara de se expressar e interagir. Considera tanto o conteúdo do texto, o modo de expor e sobretudo a compreensão das pessoas.
Vale mencionar algumas das lições de Heloísa Fischer, uma das pioneiras no incentivo à utilização da linguagem simples no Brasil:
“Conjunto de práticas que facilitam a leitura e a compreensão de textos. Considera o público a quem a comunicação se destina para organizar as ideias, escolher as palavras mais familiares, estruturar as frases e determinar o design.
O leitor consegue localizar com rapidez a informação de que precisa, entendê-la e usá-la. Evita jargão e termos técnicos: se forem inevitáveis, deve explicá-los. Possibilita transmitir informações complexas de maneira simples e objetiva.
Uma comunicação em Linguagem Simples é visualmente convidativa e fácil de ler porque foi escrita com esta meta. Costuma ter o tom de uma conversa amigável e respeitosa. Reconhece o direito que toda pessoa tem de entender textos relevantes para o seu cotidiano. Sua intenção primordial é esclarecer.
Sempre que possível, testa se o público-alvo entendeu bem o texto antes de publicá-lo.”
Esse modo de comunicar envolve duas partes dinâmicas e complementares. De um lado, corresponde a um dever de comunicação compreensível que toda Administração Pública deve sempre procurar fazer em um processo contínuo de aperfeiçoamento.
Por outro, também corresponde a um Direito Fundamental. Toda pessoa tem o direito de se informar por meio de textos com fácil compreensão. De acessar o Poder Público com uma interação baseada em linguagem fácil. Deve poder observar no texto a informação, entender e ser capaz de utilizar tal dado.
Desse modo, vai ao encontro a direitos fundamentais a exemplo do acesso à informação e a serviços essenciais de saúde, educação, meio ambiente equilibrado, entre outros, e princípios, como os da transparência, publicidade e eficiência. Também aos objetivos fundamentais de erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Preceitos da Carta Magna, artigos 1º, 3º, 5º, 6º, 37 e 225.
O recente reconhecimento da relevância da linguagem simples originou importantes disposições na legislação nacional. Destaca-se a Lei Federal nº 13.460/2017, que regulamentou os direitos do usuário dos serviços públicos, e a Lei Federal nº 14.129/2021, regulou serviços digitais:
Lei Federal nº 13.460/2017
“Capítulo II - Dos Direitos Básicos E Deveres Dos Usuários
Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes diretrizes:
… XIV - utilização de linguagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos;”
Lei Federal nº 14.129/2021
“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o aumento da eficiência da administração pública, especialmente por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão. …
Art. 3º São princípios e diretrizes do Governo Digital e da eficiência pública:
VII - o uso de linguagem clara e compreensível a qualquer cidadão;”
Podem-se citar outras ações e normas, a exemplo do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, a Nota Recomendatória da Associação dos Tribunais de Contas (Atricon) n° 4/2023, a Lei do Município de São Paulo n° 17.316/2020, a Lei do Estado do Ceará nº 18.246/2022; e a Lei do Estado do Rio Grande do Norte nº 11.584/2023.
A Organização Internacional de Padronização (“The International Organization for Standardization - ISO) também emitiu uma norma para melhoria contínua da comunicação no mundo por meio da ISO 24495-1. Definiu a linguagem simples: “a comunicação em que o texto, a estrutura e o design são tão claros que os leitores pretendidos podem facilmente: - encontrar o que eles precisam; - entender o que eles encontram; e - usar essas informações.”
Tais disposições preceituam que informações que se deve dispor à sociedade fluam com uma compreensão geral, que possibilite o entendimento dos textos pelas pessoas de todas as camadas sociais e níveis de escolaridade.
Todavia, ainda comum no Poder Público um modelo vertical de comunicar. Não se elabora uma mensagem visando ao entendimento geral, e sim principalmente em escrever texto na maneira tradicional de redigir textos sem empatia com o leitor.
Por conseguinte, prevalece o emprego de textos longos, termos de conhecimento restrito e de difícil aprendizado, uso de orações intercaladas, redação indireta, siglas, palavras e orações em latim e em idiomas estrangeiros, entre outros elementos de menor compreensão.
Isso ainda é estrutural na maioria dos milhares de órgãos e poderes dos Entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
A linguagem complexa decorre não apenas de um estilo que cada profissional ou entidade adota. Integra também a cultura dos cursos de graduação. Todas as faculdades objetivam naturalmente se aprofundar em algum ramo do conhecimento. Por outro ângulo, precisam se comunicar de forma mais fácil entre si e com a sociedade para aprimorar o próprio ensino e divulgar os avanços que conquista.
No meio jurídico também há uma linguagem de difícil assimilação que se propaga já na formação dos graduandos. De mencionar algumas das reflexões de Aline Souza:
“Textos jurídicos em geral são marcados por frases longas, orações intercaladas, palavras em latim, jargões jurídicos e uso da ordem indireta na voz passiva. Recentemente, o portal Migalhas perguntou a juristas quais palavras em "juridiquês" deveriam ser banidas. A iniciativa está inserida no contexto da "linguagem simples" que tem encontrado no Ministro Barroso um importante porta-voz no ambiente jurídico.
Essas e outras hipóteses foram analisadas por um estudo de pesquisadores do MIT que chegaram a uma conclusão curiosa: juristas usam o juridiquês porque é assim que aprendem nas faculdades, porque é assim que os livros da área são escritos e é desta forma que as decisões judiciais são publicadas. É uma questão cultural, não técnica. O estudo submeteu versões reescritas de textos típicos jurídicos para análise de juízes, bancas de advocacia e advogados autônomos. O resultado é que houve preferência pelas versões que utilizam a técnica da linguagem simples. Ou seja, nem advogados gostam do juridiquês.”
Precisa-se também considerar que somente uma minoria da população tem um grau da alfabetização proficiente, que permite entender textos com maior complexidade. Apenas 12%, cerca de 17,4 milhões dos 144,7 milhões de brasileiros entre 15 e 64 anos, possui tal nível, conforme pesquisa por meio do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf).
No presente, de intenso emprego de tecnologias, a adoção de comunicação clara assume ainda maior dimensão. É amplo o uso da internet por computadores e sobretudo celulares pela maioria da população. Todos precisam e buscam dados e serviços por meio digital, e não mais presencial.
Consistir em regra geral a linguagem rebuscada e de difícil compreensão, de fato, representa assim um obstáculo a mais para a compreensão e todos verem atendidos direitos básicos.
Necessário, então, uma evolução efetiva para tornar a linguagem fácil a prática geral, conforme as recentes e muito importantes ações e leis mencionadas preceituam.
Deve ser ensinada como regra de comunicação simples desde o ensino infantil à graduação.
Ademais, o Poder Público há de instituir uma política transversal de linguagem. Todos os Entes passarem a adotar a comunicação fácil como padrão de se conectar com a sociedade quer ao informar sobre algum serviço, uma resposta a uma reclamação, uma decisão judicial, entre outros inúmeros textos que o Poder Público emite diariamente.
Textos devem ser concisos e diretos, dispor as em primeiro plano as informações mais importantes, utilizar termos corriqueiros, redigir no idioma nacional e se pôr no lugar do outro, identificar se o destinatário realmente poderá entender a mensagem.
Uma distinção também necessária se refere à linguagem superficial. Tal forma de abordar um assunto e o transmitir não contém dados suficientes para informar com a profundidade necessária. Não permite ao final entender o assunto com a dimensão e profundidade suficientes, que possibilitem as pessoas utilizarem as informações.
Por sua vez, a linguagem simples se compõe de dados elementares do tema abordado e expressa informações importantes às pessoas de forma mais acessível, o que possibilita utilizar os dados no cotidiano.
Os entes federados, com efeito, devem realizar esforços coordenados e permanentes para a adoção geral da linguagem simples. Trata-se de um processo. Requer capacitar todos os agentes públicos independente da hierarquia.
Mudar da cultura burocrática de linguagem rebuscada e restrita para uma Administração Pública que comunica por meio de uma linguagem de acesso universal e empática com o propósito de promover a inclusão indiscriminada por meio do uso cotidiano de textos acessíveis.
Tratar a linguagem simples como uma prioridade nacional, por consequência, atende a objetivos e direitos fundamentais. Pode impulsionar uma conexão positiva do Poder Público com a sociedade, informar de modo amplo, aprimorar os serviços básicos e favorecer a inclusão.