A promissária compradora faleceu sem obter a Escritura Definitiva. Podem os herdeiros requerer a Adjudicação Compulsória?

31/07/2024 às 17:16
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MUITA GENTE adquire imóveis por Instrumento Particular mas não aperfeiçoa a transmissão com a lavratura da Escritura Pública nas hipóteses exigidas em Lei e muito menos realiza o registro, como exigido pelo art. 1.245 do Código Civil. Infelizmente nesse contexto vemos engrossar a cada dia mais a caudalosa quantidade de imóveis irregulares no Brasil (que em recente levantamento já passava dos 30 milhões - https://oglobo.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2023/10/23/metade-dos-imoveis-no-brasil-possui-alguma-irregularidade.ghtml). Muitas razões existem para isso e uma sempre relatada são os altos custos cobrados pela regularização (envolvendo aí taxas, emolumentos dos Cartórios, impostos e muito mais). Fato é que muita gente acaba falecendo sem regularizar seu imóvel, podendo deixar aos herdeiros apenas uma singela Promessa de Compra e Venda, antiga, quando muito lavrada por Escritura Pública, muitas vezes feita por Instrumento Particular, há anos quitada, com ou sem a prova da quitação, tornando bem tormentosa e nebulosa a solução para a regularização. Nesse contexto, quais caminhos poderão levar à regularização daquele bem?

Antes de tudo é preciso compreender que nessas condições, juntamente com a herança, será transmitido para os herdeiros não a propriedade mas o "direito e ação" que continha a pretensão do falecido à obtenção do título que servirá de base para o registro imobiliário. Nesse sentido, regra cristalina do art. 1.784 do Código Civil:

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".

Os direitos aquisitivos egressos do contrato preliminar quitado possuem inegável importância econômica e podem levar, pela via da adjudicação compulsória, ao registro do imóvel em nome do adquirente. Releva observar, todavia, que o adquirente no caso do seu falecimento dá lugar ao seu ESPÓLIO, razão pela qual em que pese terem os herdeiros legimitidade para exercitar a pretensão regularizatória à luz da Adjudicação Compulsória, o imóvel deverá ser registrado em nome do seu Espólio, como se verá adiante.

É necessário que os herdeiros do falecido promitente comprador tenham ciência de que a titularidade registral do imóvel não será deles herdeiros diretamente, já que se assim fosse possível estariam suplantando a necessidade do INVENTÁRIO, o que não se admite no caso da transmissão da universalidade (art. 1.784). Ora, com o falecimento do titular da pretensão (direito aquisitivo a imóvel, baseado em Promessa de Compra e Venda) o referido direito passa a compor o ESPÓLIO, devendo ser PARTILHADO entre os herdeiros pela via do Inventário (judicial ou extrajudicial), não sendo transferido "per saltum" diretamente aos herdeiros sem o inventário. Não devemos nos esquecer do nítido interesse, inclusive, do Estado em recolher imposto causa mortis sobre a transmissão do direito e ação ocorrida. Ademais, como sabemos, somente com o regular processo de inventário (judicial ou extrajudicial) será possível aferir a qualidade e quantidade de herdeiros, assim como determinar o patrimônio do defunto e eventuais dívidas a serem quitadas, nos termos do art. 1.997 do Códex. Logo, no caso da transmissão da pretensão (direito e ação egresso de promessa de compra e venda) poderá tal direito e ação ser primeiramente partilhado em Inventário para posteriormente os herdeiros, titulares do DIREITO E AÇÃO buscarem a regularização via adjudicação compulsória (judicial ou extrajudicial) ou, se preferirem, manejar primeiramente a adjudicação compulsória quando então, no caso de procedência o imóvel deverá ser registrado em nome do ESPÓLIO, para posteriormente ser feita a partilha da propriedade.

POR FIM, jurisprudência do TJPR que embasada em precedentes do STJ com acerto autoriza a Ação de Adjudicação Compulsória manejada pelos herdeiros da Promissária Compradora já falecida:

"TJPR. 00079942120218160035. J. em: 21/08/2023. APELAÇÃO CÍVEL. Ação de Adjudicação Compulsória. Sentença de Extinção sem Resolução de Mérito. Indeferimento da petição inicial pela não retificação do polo ativo com a substituição dos herdeiros pelo Espólio. Princípio da Saisine (artigo 1.784 do Código Civil). Transmissão imediata e automática do domínio e da posse da herança para os herdeiros no exato momento da abertura da sucessão. Embora a representação do Espólio seja feita pelo inventariante, tal situação NÃO RETIRA A LEGITIMIDADE ativa dos herdeiros para a presente ação de Adjudicação Compulsória, ainda mais quando o Inventário ainda não foi aberto. Precedentes do STJ e do TJPR. Todavia, a Ação de Adjudicação Compulsória NÃO PODE SER UTILIZADA COMO SUBSTITUTA DO PROCESSO DE INVENTÁRIO, devendo o bem, em caso de procedência da ação, ser TRANSMITIDO AO ESPÓLIO para posterior partilha. Respeito ao princípio da CONTINUIDADE REGISTRAL. Recurso conhecido e provido. 1. O PRINCÍPIO DA SAISINE (droit de saisine) consiste no reconhecimento, por ficção jurídica, da transmissão imediata e automática do domínio e da posse da herança para os herdeiros no exato instante da abertura da sucessão (artigo 1.784 do Código Civil). 2. O conjunto de bens do de cujus é transmitido aos herdeiros quando da ABERTURA DA SUCESSÃO como um todo indivisível e unitário, sendo considerado uma universalidade de direito, a qual será regida pelas normas relativas ao condomínio (artigo 1.791 e seu parágrafo único, do Código Civil). 3. Em que pese caiba ao INVENTARIANTE a representação do espólio (artigo 75, inciso VII, do Código de Processo Civil), possuem também legitimidade para defender o patrimônio do de cujus os herdeiros (artigo 1.314 e do artigo 1.825 do Código Civil) e o administrador provisório (artigos 613 e 614, ambos do Código de Processo Civil), em especial quando ainda não aberto o inventário. 4. Não tendo sido aberto o inventário, os herdeiros, conjuntamente ou não, possuem LEGITIMIDADE ATIVA para propor ação de Adjudicação Compulsória em prol do ESPÓLIO, a fim de assegurar o patrimônio do de cujus. Precedentes do STJ e do TJPR. 5. Porém, a legitimidade ativa dos herdeiros na ação de adjudicação compulsória não permite que esta demanda, em caso de procedência, seja utilizada como substituto processual do INVENTÁRIO, com a consequente transferência da titularidade do imóvel diretamente para os herdeiros, devendo o bem ser transmitido ao espólio para POSTERIOR PARTILHA. 6. Recurso conhecido e provido".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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