Holding familiar: entre planejamento patrimonial e a reforma tributária

06/08/2024 às 17:26

Resumo:


  • A sociedade empresarial Holding foi introduzida no ordenamento jurídico nacional pela Lei n°6.404/76, sendo utilizada para exercer controle acionário e administração de bens de outras empresas.

  • Entre os tipos de holdings, destaca-se a Holding Familiar, que visa proteger ativos familiares, reduzir encargos tributários e facilitar a sucessão familiar.

  • A discussão da Reforma Tributária, especialmente os projetos PLP n°68/2024 e PLP n° 108/2024, traz incertezas sobre o impacto nas holdings familiares devido às possíveis mudanças na tributação, como a incidência da CBS e do IBS nas operações imobiliárias e o aumento da alíquota progressiva do ITCMD.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A sociedade empresarial Holding teve o seu ingresso no ordenamento jurídico nacional a partir da Lei n°6.404/76, comumente chamada de “ Lei da S.A.”. Usada para diferentes fins, sua atividade perfaz o exercício do controle acionário de outras empresas e a administração de bens das empresas que controla, podendo ser usada para desenvolvimento de um planejamento estratégico, financeiro e jurídico de investimentos. Não se trata de um modelo de controle de outras sociedades, mas de governança de bens e patrimônios, exercendo um comando acionário e participando do capital

Dentre os seus tipos encontra-se a Holding Familiar, também conhecida como Holding Patrimonial. Neste modelo já o objetivo de proteção dos ativos familiares, visando redução de encargos tributários e agilidades na sucessão familiar, sendo o patrimônio familiar integralizado no capital social da sociedade.

Em um cenário que favorece benefícios societários e patrimoniais, ao permitir inventários simplificados, redução de riscos financeiros e balanço único também traz consigo uma simplificação tributária. O atual modelo de tributação dessa sociedade é vantajoso, tendo em vista que se aplica o modelo de lucro presumido, regido pela Lei n°9430/1996, e que tem repercussões no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), como bem explica Adolpho Bergamini:

Em suma, a legislação presume (daí o nome do regime) que, das receitas totais da empresa, um determinado percentual é o lucro efetivo. Para prestadores de serviços em geral, a presunção é de 32%, mas, para indústrias, comerciantes, para certos prestadores de serviços e para os negócios imobiliários, a presunção é de 8%.

Trocando em miúdos, a alíquota de 25% do IRPJ, e a de 9% da CSLL, incidem sobre esses 8%. A essa conta são adicionadas as alíquotas de PIS e Cofins, que somam 3,65%. No final, os rendimentos sobre aluguéis e arrendamentos são tributados pela alíquota efetiva de 6,37%, assim como o resultado da compra e venda de imóveis, se essa atividade também for operacional da holding. Por outro lado, os ganhos percebidos com participações societárias e os dividendos distribuídos aos quotistas, os membros da família, estão isentos de tributos. Caso os rendimentos fossem auferidos pelas pessoas físicas, a tributação seria de 27,5%. 1

Assim, o foco em uma redução de carga tributária derivada de tamanha discrepância trouxe indagações sobre até que ponto não seria envolto em abusividade. No entanto, a grande maioria dos precedentes judiciais e administrativos trazem a viabilidade do modelo de negócio enquanto motivada por interesses sociais, econômicos e familiares, sendo uma opção à disposição do contribuinte, quando enquadrado na margem de faturamento para ser incluído no regime de lucro presumido.

No atual cenário nacional, com as discussões da Reforma Tributária, bem como as redações do PLP n°68/2024 e PLP n° 108/2024, as repercussões tributárias, mais especificamente em relação à incidência da CBS e do IBS nas operações imobiliárias, seja locação, arrendamento, compra ou venda, têm provocado indagações sobre os efeitos na Holding Patrimonial.

Com o receio do aumento das alíquotas e uma possível inconstitucional bitributação em relação ao ITBI, o governo já se posicionou, argumentando que “não haverá nenhum aumento relevante de custos em comparação com a tributação atual.”2Na oportunidade, foi trazida a informação de que não haveria impactos ao setor de forma significativa:

No caso das empresas que tenham como atividade a compra e venda de imóveis (como imobiliárias, por exemplo), a tributação incidirá apenas sobre a diferença do preço de venda e de aquisição de imóveis. Assim, por exemplo, se uma empresa comprar um imóvel por R$ 1 milhão e vender por R$ 1,1 milhão, o imposto incidirá com a alíquota reduzida (15,9%) sobre R$ 100 mil, resultando em um imposto de R$ 15,9 mil. Ou seja, apenas a margem da empresa será tributada e a empresa ainda poderá recuperar o crédito do imposto incidente em todas as suas despesas administrativas (contador, eletricidade etc.).

Ocorre que, em que pese os pronunciamentos oficiais do governo, a CBS e o IBS incidirão sobre as vendas e locações de imóveis, aumentando o ônus tributário ao setor.

Em paralelo a isso, é inerente ao cotidiano de uma holding familiar operações com a incidência de ITCMD, imposto que terá alíquota progressiva, podendo ser maior quando for maior o valor da doação ou da herança. Fato é que as holdings familiares priorizavam o estabelecimento de suas sedes em estados com alíquotas reduzidas. Com a alteração, essa variação deixa de existir, não havendo mais estados com alíquotas de ITCMD reduzidas.

A progressividade do ITCMD, igualmente ao modelo societário de holding familiar, não é um assunto recente. Recorda-se que o próprio STF, no julgamento do RE n° 562.045, firmou entendimento no sentido dessa possibilidade, ficando a tese do tema 21, que definiu que “é constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação”.

Agora, em formato de legislação, a progressividade do ITCMD onera mais a cadeia. Somado ao aumento do imposto sobre aluguéis, pode-se falar de um desestímulo à constituição das holdings familiares, a depender dos próximos andamentos da reforma tributária.

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Segundo Sabrina Lawder, em pesquisa de Tiago Angelo pode haver um aumento tributário, mas ainda é inviável estipular a inviabilidade ou permanência das holdings familiares. Para ela:

“É muito comum que a holding familiar, por ter um cunho de profissionalização e de ter outras empresas embaixo, tenha algum tipo de prestação de serviço. Nesse caso, sob a ótica da reforma, poderíamos ter um aumento da carga tributária. Como dentro dessa cadeia de prestação de serviço a gente não entende ter tanta aquisição que venha a gerar crédito dentro de um cenário de não cumulatividade plena, pode-se antever um aumento de carga se a holding prestar algum tipo de serviço para as demais empresas”3

De toda forma, ainda que a reforma tributária esteja em discussão, as projeções podem ser desastrosas. Recorda-se, também, que a renda também terá impactos significativos na área tributária, com a tributação dos dividendos sendo um dos assuntos em pauta. Para Adolpho Bergamini:

O que há de certo é que teremos majoração do peso fiscal sobre as operações das holdings patrimoniais, mas seu tamanho ainda não está claro. Façamos um exercício de suposição “por baixo”, para sermos realistas. Vamos assumir que as alíquotas da CBS e do IBS somarão 20%, o que é pouco em vista das possíveis alíquotas de referência que já foram faladas no noticiário econômico, de 33%, 27,5%, 26,5% ou 25%. Ainda no campo das hipóteses, tenhamos que o IRPF sobre dividendos será de 15%, que também é baixo se comparado à alíquota padrão de 27,5%. Nesse contexto, os negócios imobiliários terão uma carga fiscal de 35%, sem contar com a tributação pelo IRPJ que recai sobre os rendimentos auferidos pela própria holding. Nas contas finais, a carga total está perigosamente perto dos 50%.

Assim, as discussões em torno da reforma tributária, especialmente as previstas no PLP n° 68/2024 e no PLP n° 108/2024, indicam mudanças significativas para o setor de holdings familiares. A possível incidência da CBS e do IBS sobre operações imobiliárias e o aumento da alíquota progressiva do ITCMD, trazem incertezas e potenciais aumentos na carga tributária para essas estruturas. Embora o governo argumente que não haverá aumentos relevantes de custos, as projeções sugerem um cenário menos favorável, especialmente com a possível tributação de dividendos e rendimentos. Tais modificações podem desestimular a constituição e manutenção de holdings familiares, mas é necessário aguardar a redação final da reforma para uma avaliação definitiva do seu impacto.


  1. BERGAMINI, Adolpho. As holdings patrimoniais na mira da reforma tributária. Veja Negócios, 2024. Disponível em:<https://veja.abril.com.br/coluna/de-olho-nos-tributos/as-holdings-patrimoniais-na-mira-da-reforma-tributaria>. Acesso em: 27 jul.2024.

  2. GOV. BR. Secretaria de Comunicação Social. Reforma Tributária. Reforma Tributária não aumenta alíquota do ITBI. 2024. Disponível em: < https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2024/07-1/reforma-tributaria-nao-aumenta-aliquota-do-itbi>. Acesso em 27 jul.2024.

  3. ANGELO, Tiago. Reforma não inviabiliza holding familiar, mas deve aumentar carga tributária. CONJUR, 2024. Disponível em:<https://www.conjur.com.br/2024-jan-12/reforma-nao-inviabiliza-holding-familiar-mas-deve-aumentar-carga-tributaria/>.Acesso em: 27 jul.2024.

Sobre a autora
Giovanna Borsetti Cruz

Estagiária na área tributária no Freitas, Silva e Panchaud Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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