Excelentíssima Sra. Dra. Juíza de Direito da XX Vara Criminal da Comarca de XXXXX
Processo n° (segredo de justiça)
xxxxxxxx, já qualificado nos autos, vem perante Vossa Excelência apresentar ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS conforme a seguir.
I – SÍNTESE DOS FATOS
De acordo com a denúncia e APFD, no dia 31 de Agosto de 2018 o réu, supostamente, ofendeu a integridade física da vítima, sua ex-companheira, na qual lhe causou as lesões descritas no exame de corpo de delito fls. 50/51.
Ainda, de acordo com os relatos nos autos, o réu estava manuseando o telefone da vítima quando constatou alguns contatos armazenados no aparelho e teria então dado início as agressões com socos e empurrões.
A vítima, de posse de uma faca a fim de se defender, quando o réu ao tomar a arma branca, tendo feito um corte na mão da vítima.
A Polícia Militar comparecendo ao local deu voz de prisão ao réu.
Em suma, este é o caso.
II – DA AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE E DO CONTRADITÓRIO
O art. 158 do CPP diz:
“Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direito ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.
Excelentíssima Juíza, da análise dos autos, verifica-se a presença do exame de corpo de delito realizado indiretamente, isto é, o perito oficial não teve contato direito com a vítima, conforme afirmou o próprio perito, fls. 50/51 ou id. 9437616878.
O documento utilizado para elaborar o laudo do IML foi o relatório médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), local em que a vítima foi atendida. Entretanto, este relatório não consta nos autos.
Ainda em sede de Delegacia, a Douta Autoridade Policial solicitou o relatório médico por meio de ofício, conforme fls. 18 dos autos físico ou id. 9437624054. No entanto, não consta no inquérito policial, embora o médico perito tenha como base o citado atendimento na UPA.
O órgão acusador, ao oferecer a denúncia em face do acusado, não observou a ausência do relatório médico e consequentemente não foi solicitado diligência com essa finalidade.
É de ressaltar que no processo penal não há divisão de carga probatória entre acusação e defesa, cabendo ao órgão acusador o ônus probatório.
O autor Aury Lopes Jr. ao tratar sobre o exame de corpo de delito assim diz:
“Diz-se que o exame de corpo de delito é direto quando a análise recai diretamente sobre o objeto, ou seja, quando se estabelece uma relação imediata entre o perito e aquilo que está sendo periciado. O conhecimento é dado sem intermediações entre o perito e o conjunto de vestígios deixados pelo crime”.
“Essa é a regra: a materialidade (existência) dos crimes que deixam vestígios deve ser comprovada através de exame de corpo de delito direto”. (Direito Processual penal, Editora Saraiva Jur, ano 2021, 18° ed., pág. 486/487).
A regra do exame de corpo de delito é que seja direto, embora seja admitido o exame indireto, mas como medida excepcional, sob o risco de banalizar e tornar o exame indireto como regra. Ademais, o acusado não pode sofrer consequências penais em sua liberdade em razão da ineficiência do Estado em produzir a prova e nesse sentido Aury Lopes cita Fauzi Hassan-Choukr que afirma:
“Deve ficar claro que a impossibilidade da realização do exame há de ser compreendida apenas pela inexistência de base material para a realização direta, a dizer, quando o exame não é realizado no momento oportuno pela desídia do Estado, ou sua realização é imprestável pela falta de aptidão técnica dos operadores encarregados de fazê-lo, não há que onerar o réu com uma prova indireta em vez daquela que poderia ter sido imediatamente realizada”. (Obra e autor já citados, pág. 487/488).
No presente caso o Estado teve tempo e condições favoráveis para realizar o exame direto, bastando que a Autoridade Policial determinasse e encaminhasse a vítima ao IML. Porém, nos autos há apenas o exame de corpo de delito elaborado de maneira indireta pelo IML.
Desta forma, diante da possibilidade de o Estado realizar o exame de corpo de delito direto e não o fazendo e, não havendo nenhum motivo que o impedisse de ser realizado, é de se reconhecer a nulidade do laudo indireto, conforme o art. 564, III, “b” do CPP e consequente ausência de materialidade.
Ainda, ultrapassando os argumentos contrario ao laudo pericial indireto, outro ponto é de ser levantado, qual seja o relatório médico do atendimento da UPA em que se baseou o médico perito não foi juntado aos autos, o que prejudica o direito constitucional do acusado ao exercício do contraditório.
O princípio do contraditório consiste em ter acesso a informação, poder agir e reagir. Neste caso, a ausência do relatório médico impossibilita a defesa do acusado analisar o documento médico, contrapor, questioná-lo e pedir explicação ao perito, caso necessário.
Ainda tratando da materialidade, o órgão acusador em suas alegações finais aduziu que a materialidade esta comprovada pelo boletim de ocorrência e pelo exame de corpo de delito, este já debatido anteriormente.
Ocorre que o policial militar não é médico ou perito para atestar a lesão ou estava no momento dos fatos. Além disso, a vítima alega que o acusado ao tentar tirar a faca de sua mão esquerda ocasionou um corte, porém o laudo do IML descreve lesão contusa por escoriação na mão esquerda e não lesão perfurocortante, o que contradiz a alegação da vítima em sede de delegacia.
A vítima alega que o acusado agrediu com socos, empurrões, chutes, vindo a cair no solo e batido a sua cabeça no guarda roupas, fls. 04, id. 9437622112. Entretanto, no laudo não consta nenhuma das agressões narradas e o relatório do atendimento médico não foi juntado aos autos, o que dificulta para não dizer impossível a defesa analisar e averiguar a veracidade das alegações.
Sendo assim, seja por ausência de materialidade ou infração ao direito do contraditório do acusado ou ainda por dúvida, o acusado de deve ser absolvido.
III – DA AUSÊNCIA DA VÍTIMA EM JUÍZO E DO CONTRADITÓRIO
No processo que envolve violência doméstica, a palavra da vítima possui um peso diferenciado em relação ao depoimento do acusado.
O MP em suas alegações finais, ao tratar da autoria aduziu que a vítima em sede de delegacia imputou ao acusado as agressões sofridas.
Entretanto, nos autos, embora a vítima esteja ciente da ação penal e sendo intimada para a audiência que foi realizada no dia 20/04/2022, conforme o documento id. 9437625199, pág. 32, certidão da gerente de secretaria, ela não compareceu e nem se justificou.
Sendo assim, iniciada a audiência e a vítima não comparecendo, o Ministério Público insistiu em sua oitiva e diante de novo endereço na Comarca de Belo Horizonte, foi designada nova data para AIJ, sendo realizada nova tentativa de intimação da vítima para comparecer na audiência, por meio do telefone e no endereço, mas sem sucesso, conforme id. 9604656702. Desta forma o Ministério Público desistiu da oitiva da vítima, id. 9606945636.
A defesa exerce o contraditório em juízo, tendo em vista que o inquérito policial é inquisitório, não possuindo o amplo contraditório, salvo o direito a informação e não possui a ampla defesa.
O art. 155 do CPP diz que:
“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.
Portanto, o depoimento da vítima prestado em delegacia, por si só não pode servir de arrimo para condenação, pois a defesa não teve a oportunidade de inquirir a vítima e extrair dela o seu depoimento.
Pois bem, em juízo apenas os policiais militares prestaram depoimento, devendo ser ressaltado que eles não presenciaram o fato, sendo acionados e chegando posteriormente ao local e apenas encaminharam a vítima e o acusado para a Delegacia.
O órgão acusador colacionou nas alegações finais o depoimento dos militares, sendo o primeiro militar, o xxx, que quando inquirido pelo MP em juízo, o militar disse que não se lembrava da ocorrência, apenas do rosto do acusado. Sendo assim, lido o depoimento prestado na Delegacia, o militar apenas ratificou.
Já o militar xxxxx também prestou depoimento em juízo e perguntado pela Promotora se ele recordava dos fatos, disse que não, pois são muitas as ocorrências. Sendo assim, foi lido o depoimento e confirmado pelo militar, que nem mesmo se lembrava do rosto do acusado.
O militar xxxx também prestou depoimento em juízo e perguntado pela Promotora se ele se recordava da ocorrência, ele disse que não e pelo que lembra deve ter ido prestar apoio à outra guarnição. Desta forma foi lido o depoimento pela Promotora e ele apenas confirmou.
Os citados depoimentos estão no PJE mídia, id. 9442610284.
Na mesma audiência em que foram ouvidos os militares, tendo em vista a intimação da vítima e o seu não comparecimento, Vossa Excelência determinou inclusive a sua condução coercitiva. Entretanto, não foi cumprida e posteriormente o MP desistiu da oitiva.
A vítima não pode se negar a comparecer para depor e embora não preste o compromisso de dizer a verdade também não pode ficar em silêncio, é a oportunidade de o acusado exercer o contraditório, o que não foi possível nestes autos.
Em pese a alegação de que a palavra da vítima foi corroborada pelos depoimentos oral em juízo, a condenação do acusado com base nesse frágil conjunto probatório é descabida, pois a vítima não compareceu em juízo, o que retira da defesa a oportunidade de inquiri-la e os militares não presenciaram o fato, prestando depoimento por relatos da vítima, apenas.
Desta forma, diante de frágil conjunto probatório e ausência de materialidade, a absolvição do acusado é de rigor, além do mais a dúvida pende a favor do acusado.
IV – DOSIMETRIA DA PENA
Caso Vossa Excelência entenda pela condenação e já rebatendo o alegado pelo Ministério Público, que em alegações finais, ao requerer a condenação entende que deve ser exasperada a pena-base.
Aduz que a culpabilidade, a motivação e as circunstâncias do delito merecem maior reprovabilidade, haja vista que o réu agrediu demasiadamente a vítima, causando-lhe ferido por instrumento perfurocortante, por motivo de ciúmes e vasculhou o celular da vítima e novamente ressalto que a vítima não compareceu em juízo.
Para a fixação da pena-base os elementos que integrem o tipo penal não podem ser valorados, sob pena de bis in idem.
Ademais, o laudo de exame de corpo de delito indireto não descreve lesão perfurocortante na mão esquerda como disse a vítima em Delegacia, mas lesão contusa do tipo escoriação, sendo assim lesões distintas e o objeto causador diverso.
Sendo assim, no caso de condenação, a pena-base deve permanecer no mínimo legal e não havendo qualquer a agravante ou majorante, a pena deve ficar no mínimo legal.
V – ANÁLISE DE OFÍCIO DE PRESCRIÇÃO
Requer ainda, em caso de condenação, a análise de ofício de prescrição levando em consideração a pena eventualmente aplicada e o marco interruptivo entre o recebimento da denúncia e a sentença proferida.
VI – DO PEDIDO
Dado o exposto, requer:
1) A concessão da gratuidade de justiça ao acusado tendo em vista ser pobre nos termos da lei.
2) A absolvição do acusado pela ausência de materialidade e do contraditório, pois nos autos o laudo do IML foi elaborado de maneira indireta e não foi juntado o relatório médico que serviu de base para o citado laudo.
3) A absolvição do acusado, haja vista a ausência da vítima em juízo, o que impediu a sua inquirição e o exercício do contraditório pela defesa.
4) No caso de condenação, requer a fixação da pena no mínimo legal, tendo em vista as condições do acusado e análise de ofício de possível prescrição levando em consideração a pena aplicada.
5) A fixação dos honorários advocatícios dativo em favor deste subscritor.
Nestes termos, requer deferimento.
São José da Lapa, 10 de Agosto de 2023
Wallace Martins Queiros
OAB/MG 185.997