O Escrevente do Cartório me indicou seu colega Advogado para assinar o Inventário Extrajudicial. Essa conduta é correta?

06/08/2024 às 17:42
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TODO MUNDO SABE que uma das melhores coisas que aconteceram nos últimos anos, no âmbito da Justiça foi a possibilidade da realização dos INVENTÁRIOS direto nos Cartórios, sem a necessidade de um Juiz (e um longo processo judicial), apenas com a assistência de ADVOGADO, na presença do Tabelião (ou seu preposto, como autoriza a Lei), representando a solução para a regularização da transmissão de bens deixados por pessoas falecidas (heranças), em favor de seus herdeiros. Lembro-me muito bem que na ocasião (em 2007) eu ainda trabalhava em Cartório e muito se falou sobre "insegurança", "oportunidades para golpes e falcatruas" etc., porém o que o tempo mostrou na verdade é que o fenômeno da desjudicialização (ou extrajudicialização) trouxe muitos benefícios para todos, principalmente para a Sociedade. Nunca foi o só fato de se resolver em cartório um Inventário que criou problemas que na verdade sempre existiram (como fraudes, insegurança e muitos outros).

Ainda hoje alguns colegas (desavisados) teimam em alardear que só existe vantagem para os Cartórios etc; nas oportunidades em que com estes pude conversar vi que havia na verdade muito desconhecimento sobre as regras, sobre o funcionamento do extrajudicial e principalmente sobre a IMPORTÂNCIA DO ADVOGADO atuando também nessa seara, afinal de contas, não podemos fechar os olhos para o DIREITO e a JUSTIÇA que também são realizáveis fora da justiça (e dentro de um Cartório), onde muitas vezes o Advogado tem sua presença OBRIGATÓRIA ou MUITO RECOMENDADA. É claro que atuar no Extrajudicial exige conhecimento das regras específicas que lhe são próprias (que não são poucas e que muitas vezes não aprendemos na faculdade). Não podemos esquecer que nosso papel, como ATIVIDADE PRIVATIVA, como dita o Estatuto da OAB são as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica, sem contar a postulação aos órgãos do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais pelos interesses dos nossos constituintes. Ouso compreender inclusive a indispensabilidade do Advogado (e da Advogada) também na administração da Justiça que se obtém no âmbito extrajudicial e, para tanto, podemos exemplificar com os mais recentes casos da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL (art. 216-B da LRP) e da USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL (art. 216-A da LRP) além é claro do Divórcio, Dissolução da União Estável e Inventário Extrajudiciais.

É muito comum especialmente hoje quando a INTERNET é um canal aberto para a realização de pesquisas que o cliente/usuário já chegue no Cartório "sabendo" tudo que precisa. Muito comum também é que ele chegue ao Cartório desacompanhado do seu Advogado (ou Defensor Público, que também pode funcionar nos atos extrajudiciais, sublinhe-se). Nesse caso as explicações sobre os atos não só podem como devem partir do Tabelião/Registrador ou seus prepostos (principalmente aquele funcionário que está no Balcão que muitas vezes é quem efetivamente tem o contato com o usuário, principalmente quando seus superiores não estão fisicamente na Serventia - o que não deveria ser uma regra mas uma exceção). É importante destacar, mais uma vez, que Tabelião, Registrador e seus Prepostos não podem substituir o ADVOGADO sendo inclusive expressa a vedação legal tanto no ESTATUTO DA OAB quanto na LEI DOS NOTÁRIOS e REGISTRADORES. Sempre bom lembrar, embora acreditemos que todos já saibam e respeitem:

ESTATUTO DA OAB - Lei Federal 8.906/94:

"Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

(...)

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;"

LEI DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES - Lei Federal 8.935/94:

"Art. 25. O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão" .

Recentemente um colega me relatou que seu cliente havia dito que em determinada Serventia Extrajudicial o Escrevente lhe deu todas as orientações acerca do procedimento do Inventário Extrajudicial e, quando este relatou que não tinha o Advogado o mesmo informou que isso não seria problema já que ele poderia indicar um de seus "amigos" já que o que ele mais conhecia era Advogados naquela cidade. Seria correta a conduta narrada? Com toda certeza não e explicamos: a bem da verdade, especificamente no caso do INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL a norma reguladora de âmbito nacional é clara para essas hipóteses; reza o artigo 9º da Resolução 35/2007 do CNJ:

"Art. 9º. É VEDADA ao tabelião a indicação de advogado às partes, que deverão comparecer para o ato notarial acompanhadas de profissional de sua confiança. Se as partes não dispuserem de condições econômicas para contratar advogado, o tabelião deverá recomendar-lhes a Defensoria Pública, onde houver, ou, na sua falta, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil".

O tabelião (e o registrador e também os prepostos desses dois) deverão sempre primar por sua IMPARCIALIDADE. Indicando Advogado aos clientes comprometem gravemente esse consectário legal. Nesse sentido, ensina o ilustre Registrador Imobiliário e ex-Juiz, Dr. LUIZ GUILHERME LOUREIRO (Registros Públicos - Teoria e Prática. 2023):

"O notário e o registrador são profissionais IMPARCIAIS que têm o dever de defender igualmente os interesses de ambas as partes, sem privilegiar qualquer delas, independentemente de pressões ou influências de qualquer natureza. (...) A IMPARCIALIDAE protege não apenas os intervenientes ou interessados no ato notarial e registral, como também os terceiros e está em sintonia com as exigências do moderno direito contratual que se caracteriza pela busca do EQUILÍBRIO entre as partes e pela proteção daquela considerada hipossuficiente".

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Como alerta o referido jurista segurança jurídica só se alcança principalmente se a atuação do Tabelião, do Registrador e seus prepostos forem pautadas na imparcialidade, neutralidade e na observância da legalidade (sem contar com os diversos outros deveres a que estão sujeitos, nos termos do art. 30 da LNR).

Nesse mesmo sentido a lição de KÜMPEL e FERRARI (Tratado Notarial e Registral. 2021):

"A contratação e a escolha do advogado são atos privatos e diretos dos interessados, sendo VEDADA A INDICAÇÃO DE PROFISSIONAL específico por parte do tabelião. Constatada a falta de condições financeiras dos interessados para tal contratação, o notário deverá recomendar-lhes a Defensoria Pública, onde houver, ou na falta, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil".

Logo, fica claro que não devem os prepostos, os Tabeliães e nem os Registradores indicar Advogado para os usuários que estejam desacompanhados de tais profissionais. Em quaisquer dos atos extrajudiciais (e não só no Inventário) devem respeitar os deveres a que estão sujeitos e principalmente primar pela imparcialidade, neutralidade e legalidade sempre visando a segurança jurídica do seu mister; nas hipóteses em que o usuário estiver desacompanhado de Advogado devem indicar a Defensoria Pública ou a Seccional da OAB.

Por fim, cabe sempre ressaltar que constitui INFRAÇÃO DISCIPLINAR a atuação de alguns "colegas" que se valem da malfadada prática de assinar atos notariais valendo-se dos referidos "colegas do Cartório", como deixa claro o PROVIMENTO nº. 118/2007 do CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, senão vejamos:

"Art. 1º. (...) § 2º. Constitui INFRAÇÃO DISCIPLINAR valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber, angariar ou captar causas, com ou sem intervenção de terceiros, e assinar qualquer escrito para fim EXTRAJUDICIAL que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado, sendo vedada a atuação de advogado que esteja direta ou indiretamente vinculado ao cartório respectivo, ou a serviço deste, e lícita a advocacia em causa própria".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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