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Legitimidade ad processum: condições da ação

06/08/2024 às 16:53
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A legitimidade é um fenômeno do direito material ou processual? Se considerada material, está vinculada ao direito substancial da parte; se processual, trata-se mais da adequação das partes dentro do processo judicial.

Em regra, qualquer um pode propor uma ação, afinal a própria Constituição Federal prevê que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Contudo, para que a demanda seja efetivamente apreciada e a lide resolvida, temos algumas condições da ação em que trataremos nesse texto.

Antes disso, devemos pontuar o termo jurisdição, que segundo Pellegrini é a função que o Estado exerce quando substitui a vontade dos titulares dos interesses em conflito pela vontade do direito objetivo que rege a controvérsia apresentada, promovendo a pacificação individual das partes e da sociedade. Ainda, lembre-se que a jurisdição apesar de ser única do Estado tem certas subdivisões, por exemplo entre as ações penais e cíveis, por isso o CPC trata exclusivamente do campo cível.

Além disso, atualmente o Estado autoriza e reconhece também os métodos de solução de conflitos alternativos, como cortes de arbitragem, que mesmo não fazendo parte do poder judiciário exercem uma função jurisdicional. Por conseguinte, voltando ao procedimento comum e ao CPC, o art. 16 dispõe:

Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código.

Nesse sentido, os juízes e tribunais exercerão a jurisdição de julgar uma ação caso exista o direito de exigir. Nas palavras de Wambier, a ação é o direito de exigir do Estado o exercício da jurisdição sobre determinada demanda de direito material, sendo um instrumento processual que assegura o acesso à jurisdição para a tutela de determinado interesse particular. Isto posto, para que a sua ação seja apreciada existem dois pressupostos basilares da ação, são eles: legitimidade e interesse de agir, como o próprio art. 17 do CPC trata.

Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

Frisa-se que até os dias de hoje ainda existe discussão sobre onde mora a legitimidade, se ela é um fenômeno do direito material ou processual. Pois bem, daí surge a legitimidade ad causam, ou seja, a legitimidade da causa, que é identificada a partir da situação jurídica de direito material objeto da lide, e a legitimidade ad processum, legitimidade processual, que se resume na capacidade de estar em juízo, que tem a ver com a legitimidade de conduzir o processo. Seguindo a linha de raciocínio do legislador do CPC e do grande jurista Fredie Didier Junior, compartilho da linha de raciocínio em que a legitimidade é uma questão ad processum, para tanto que não há finalidade de um conceito do próprio processo estar associada ao mérito, falarei mais sobre os motivos durante o texto.

Agora, falando separadamente sobre os dois institutos que compõem as condições da ação, começaremos pela legitimidade. Donaldo Armelin ensina que a legitimidade, é em razão da titularidade do direito afirmado, ou seja, legitima são as partes para a causa, por sua vez, quando a ação lhes seja pertinente. Desse modo, a legitimidade pode ser ordinária ou extraordinária. A legitimidade ordinária é quando cabe somente ao titular – e mais ninguém – do interesse afirmado propor a ação ou resistir à pretensão, enquanto a legitimidade extraordinária mora no art. 18 do CPC, que é quando outra pessoa além do titular pode propor a ação em seu nome.

Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.

Um exemplo clássico de legitimidade extraordinária são os sindicatos, que como o próprio STF já reconheceu, tem legitimidade para defender em juízo os interesses coletivos ou individuais dos integrantes de sua categoria. Perceba que a legitimidade não se confunde com a representação, já que na representação age-se em interesse alheio e em nome alheio, enquanto na legitimidade extraordinária também se age em defesa de interesse alheio, mas em nome próprio.

Segundo a doutrina, a legitimidade extraordinária pode ser subdivida em subordinada ou autônoma. A legitimidade extraordinária subordinada, como o próprio nome diz é quando se torna indispensável pela lei a presença também do legitimado ordinário no processo, já a legitimidade extraordinária autônoma, quando o autor puder agir em total independência do autor ordinário.

Aprofundando ainda mais no assunto, em mais uma subdivisão, a legitimidade extraordinária autônoma, pode ser classificada em exclusiva (quando somente o legitimado extraordinário puder agir em juízo) ou concorrente (quando possível a atuação dos legitimados ordinários e extraordinário juntos). Fica nítido a divisão doutrinaria quando relemos o art. 18 do CPC sobre substituição processual, especialmente o parágrafo único.

Para facilitar a fixação, segue o quadro mostrando as classificações da legitimidade ad processum, com mais uma divisão entre primária e secundária, apesar de menos usual é importante mostrar:

Um adendo sobre o tema legitimidade está no caso das ações declaratórias, afinal o objetivo dessas ações é justamente declarar se existe uma relação jurídica entre as partes ou não. Logo, segundo José Carlos Barbosa Moreira, nesse tipo de ação a legitimidade ordinária resultará da afirmação da titularidade desse mesmo direito, cuja existência no mundo jurídico é questionada e constitui, obviamente o mérito da ação ajuizada. Diferentemente acontece nas ações condenatórias, visto que já existe a relação jurídica material, por isso só é necessário aferir com quem foi firmada.

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Em segundo plano, agora trataremos de outro elemento da ação, já mencionado, o interesse, que ao contrário da legitimidade, não possui tantas classificações e divergências. Posto isso, João Batista Lopes diz que há interesse processual quando presentes a necessidade e a utilidade (ou adequação) de se promover a ação com intuito de prevenir ameaça ou reprimir lesão a direito. Inclusive, o STJ segue a mesma linha doutrinaria:

(…) 1. Descabe a extinção da ação rescisória, sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir, se presentes os requisitos da necessidade – a parte autora precisa da tutela jurisdicional para a concretização de seu pedido – e da utilidade – a ação rescisória é o meio adequado para tanto, na medida em que transitou em julgado a decisão de mérito proferida na ação de cobrança. (…)

(AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.759.103/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024.)

É importante também conceituar o que é uma demanda útil e necessária. A utilidade se traduz na medida que o legitimado via de seu procurador, escolhe o procedimento correto para chegar a sua pretensão, por exemplo, em caso de disputa por uma propriedade, o caminho escolhido deverá ser tradicionalmente uma das ações possessórias. Já a necessidade, quando a atividade jurisdicional é imprescindível para a obtenção do direito, um exemplo é quando não se é possível obter sua pretensão através da via administrativa, assim a via judicial se torna necessária.

Agora que discorremos sobre todos os elementos de condição da ação, surge outra dúvida, em que ponto o juiz deve analisar esse tema? É nessa dúvida que nasce duas correntes doutrinárias divergentes e principais. A teoria da asserção que defende que as condições da ação devem estar presentes no momento do protocolo da petição inicial e a teoria eclética, em que o direito material não se confunde com o direito de ação, sendo independentes entre si, um tratando sobre questões de mérito e outra sobre condições do processo.

A teoria adotada pelo Código Processual Civil foi a teoria eclética, em que primeiro o juiz deve observar todos os pressupostos de admissibilidade da ação e somente depois discutir o direito material e o mérito da ação. Para tanto que o processo é dividido em várias fases, uma delas é o saneamento do processo, e inclusive por esse motivo compartilho que a legitimidade é um fenômeno puramente processual. Dessa maneira, caso o autor não seja legítimo, o processo será extinto sem resolução do mérito pelo art. 354 e 485, VI, do CPC. Como dito, se o juiz se quer chegou a adentrar ao mérito e extinguiu o processo, a extinção será sem resolução de mérito. Da mesma forma em caso de uma ilegitimidade passiva, o réu deverá indicar quem deve estar em seu lugar, não sendo possível, o processo também poderá ser extinto.

Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III , o juiz proferirá sentença.

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

Por fim, vale lembrar que caso o juiz não consiga verificar a ilegitimidade de uma das partes e dê seguimento ao processo, assim que se verificar que as condições da ação não se encontram presentes, poderá extinguir a mesma, visto que é uma matéria de ordem pública e podem ser apreciadas até mesmo depois do saneamento. Toda temática abordada mora na teoria das capacidades em direito, essencial para compreensão da Teoria Geral do Direito e consequentemente do Processo Civil.


Referências Bibliográficas

ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no Direito Processual Civil brasileiro. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais,1979, p. 11 e p. 83.

COÊLHO, Marcos Vinicius Furtado, Artigos 16, 17 e 18 do CPC – Ação e Jurisdição, Migalhas Disponível em: (https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-marcado/302550/artigos-16--17-e-18-do-cpc---acao-e-jurisdicao) Acesso em: 06 de Agosto de 2024.

DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência do instituto. Revista Forense, v. 351. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 65.

DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 193 e 198.

LOPES, João Batista. O interesse de Agir na Ação Declaratória, RT 688/255.

MEDINA, José Miguel Garcia, Novo Código de Processo Civil Comentado com Remissões e notas comparativas ao CPC/73, 4ª Edição Revista, Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2015.

MOREIRA, José Carlos Barbosa, Direito Processual Civil, p.11.

MOREIRA, José Carlos Barbosa e ARAÚJO, Fábio Caldas de, Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária, RT 404/9; sobre o desenvolvimento doutrinário da teoria da legitimidade extraordinária, cf., amplamente, o que escrevemos em Processo civil moderno, vol. 4, Procedimentos cautelares e especiais, cit., n. 25.5.

PAULA, Jônatas Luiz Moreira de, Interesse Processual e a Fungibilidade da Causa de Pedir, RePro 177/333.

PEIXOTO, Frederico Tadeu Borlot, Resumo Sobre as Condições da Ação no CPC, Estratégia Jurídica, Disponível em: (https://cj.estrategia.com/portal/resumo-condicoes-acao-cpc/) Acesso em: 06 de Agosto de 2024.

WAMBIER, Teresa Arruda, et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 99 - 100

Sobre o autor
Yan Souza Camargo

Pós-graduando em Direito e Processo Civil - Instituto Goiano de Direito; Escritor de artigos e coautor da obra "Direito sem Fronteiras" (Vol. 1, 2024, Ed. Dialética).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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