A Lei Nova Pelo Código de Processo Civil Retroage?

06/08/2024 às 16:51
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Um tema de estudo importante que devemos compreender é a lei no tempo, afinal, o direito está em constante mudança, e por isso é recomendável que nos atualizemos junto ao código. Dessa forma, quando tratamos das questões de mérito do direito civil por exemplo, o legislador dispõe o art. 2035 e seguintes do Código Civil:

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Assim, temos que os atos realizados antes do Código de 2002 serão regidos pelas leis anteriores e a partir daí obedecerão às novas leis. Isto posto, como a propositura de um Novo Código Civil já está em pauta, coordenada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, a desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery, ao professor Flávio Tartuce e demais juristas, o debate sobre retroação da lei retoma a força. Contudo, nossa discussão neste artigo se limitará somente as inovações processuais.

Pois bem, antes de tratarmos sobre o processo pelo código, é necessário consultar a doutrina que demonstra as seguintes teorias sobre quais fatos processuais são regulados pela lei nova. São elas, segundo Moacyr Amaral Santos, em sua obra primeiras linhas:

  • a) Unidade processual: Nesta teoria o processo deverá ser regido por inteiro, por uma das leis. Ou seja, por inteiro pela lei antiga ou pela nova lei até o seu final;

  • b) Fases processuais: Aqui uma das leis disciplina totalmente somente uma determinada fase (postulatória, saneadora, instrutória e decisória) até que seja regido por outra na próxima fase;

  • c) Isolamento dos Atos Processuais: cada ato processual é único e deve ter uma lei específica, encerrando um ato processual, o próximo ato poderá ser regido por uma nova lei.

A teoria escolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro, preponderantemente foi a teoria do Isolamento dos Atos Processuais. Essa implementação doutrinaria fica nítida à medida que logo no início do Código, em seu art. 14 do Código de Processo Civil, o legislador traz o seguinte:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

A partir da leitura do artigo temos que realizar breves destaques, 1) A nova lei processual será aplicada imediatamente; 2) não retroage, isto é; 3) respeita os atos processuais já praticados, e; 4) respeita as situações jurídicas já consolidadas. Portanto, enxergamos a personificação da teoria do isolamento dos atos processuais e do princípio do tempus regit actum, o tempo rege o ato. Mais precisamente, significa que qualquer situação jurídica como fatos e negócios serão avaliados e julgados pela lei em vigor atualmente, não pela legislação aplicada no tempo da celebração do negócio.

Mais adiante, segundo o jurista José Miguel Garcia Medina, Trata-se de reprodução, com adaptações, do comando constitucional contido no art. 5º, XXXVI, que trata do direito fundamental à segurança jurídica, que é, segundo pensamos, desdobramento do princípio da legalidade, e que pode ser sintetizado com a seguinte fórmula: A lei nova não pode prejudicar situações jurídicas consolidadas à luz da lei revogada.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Em outra classificação, para facilitar o entendimento, a doutrina proposta por Eduardo Cambi, Fredie Didier Júnior, Flávio Luiz Yarshell e Fábio Guidei Tabosa Pessoa, separa os processos em três grupos:

  • i) exauridos: que nenhuma influência sofre;

  • ii) pendentes: que são atingidos, mas os efeitos dos atos processuais já praticados devem ser respeitados:

  • iii) futuros: que seguem totalmente a nova lei.

Da mesma forma, tal como o art. 14 do CPC, o legislador também segue essa mesma linha em seu art. 1.046 do mesmo Código:

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

§ 1º As disposições da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 , relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código.

§ 2º Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código.

§ 3º Os processos mencionados no art. 1.218 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 , cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código.

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§ 4º As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.

§ 5º A primeira lista de processos para julgamento em ordem cronológica observará a antiguidade da distribuição entre os já conclusos na data da entrada em vigor deste Código .

Após a análise da doutrina e do código, a aplicação parece ser bem simplista. Por outro lado, quando debatemos por exemplo sobre uma nova lei processual que altera prazos já surgem diversas dúvidas. Pensando nisso, trago diversos enunciados que abordam essas exceções:

VIII Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC

  • Enunciado 476. Independentemente da data de intimação, o direito ao recurso contra as decisões unipessoais nasce com a publicação em cartório, secretaria do juízo ou inserção nos autos eletrônicos da decisão a ser impugnada, o que primeiro ocorrer, ou, ainda, nas decisões proferidas em primeira instância, será da prolação de decisão em audiência

  • Enunciado 616. Independentemente da data de intimação ou disponibilização de seu inteiro teor, o direito ao recurso contra as decisões colegiadas nasce na data em que proclamado o resultado da sessão de julgamento.

Enunciados administrativos do STJ

  • Enunciado 2. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

  • Enunciado 3. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

Por fim, imagino que caminhamos a passos largos para uma nova reforma do Código de Processo Civil, já que vivemos uma nova era digital e com alguns processos 100% eletrônicos, isso se tornou uma questão de tempo, bem como deverá ocorrer com o Projeto de Lei de reforma do Novo Código Civil. Por conseguinte, assim como foi no Novo CPC de 2015, em uma eventual reforma, o legislador abordará a lei no tempo tal como sempre ocorreu em seus livros finais.

Sobre o autor
Yan Souza Camargo

Pós-graduando em Direito e Processo Civil - Instituto Goiano de Direito; Escritor de artigos e coautor da obra "Direito sem Fronteiras" (Vol. 1, 2024, Ed. Dialética).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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