O que somos é o resultado de nossos pensamentos diante do mundo. E o mundo pode parecer horrível, ingrato, belo ou prazeroso, dependendo da interpretação pessoal, ou coletiva. No “prazeroso”, a vida boa (utilitarista) para se ter uma vida tranquila, segura, sem muitas mudanças comportamentais; e mudanças perturbam, tiram os seres humanos da “zona de conforto”. Por isso, as lutas ideológicas, entre gerações, para se manter uma “calmaria”, aparente, na sociedade. A “calmaria” será arduamente preservada para impedir que qualquer mudança possa ocorrer. As normas penais, então, possibilitam punir os infratores das leis; a punição é a ação social contra o infrator. Numa democracia é possível constatar, pelo contrato social, o controle de certos agrupamentos humanos sobre outros agrupamentos. É o utilitarismo. O Império Romano, por exemplo, impôs seu modo de vida às demais culturas, pois os romanos (a.C.) se sentiam “superiores” em seus costumes. Na Grécia (a.C.), os gregos também se sentiam “superiores” em relação às demais culturas. A escravidão, em ambos, era justificada. Os medos e as superstições geraram enormes prejuízos para humanidade na Idade Média: a Santa Inquisição.
A maioria dos deslocamentos humanos na Terra ocorreram por desastres ambientais, guerras, esgotamento dos recursos naturais, expansão territorial. O multiculturalismo é o resultado. Várias culturas se inter-relacionaram, mas não quer dizer que todos os seres humanos tinham os mesmos direitos civis, políticos, culturais, sociais e econômicos, como existem na Era dos Direitos Humanos, este resultado das atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial causou deslocamentos de seres humanos, estes para se protegerem do nazismo.
Se pensarmos em globalização, ela não é recente. As Grandes Navegações na Idade Média garantiram deslocamentos de mercadorias e pessoas, como os escravos. A tecnologia foi importantíssima para a globalização, desde embarcações até aeronaves. No mundo virtual, o estreitamento entre diversas culturas ocorreu, de forma que a comunicação virtual causou imensas mudanças dentro de cada país. A ideia de democracia ficou muito mais desejada pelos países sem democracia. A ideia de democracia na Idade Contemporânea, 1789 até os dias atuais, fortaleceu-se com as disputas de dois novos blocos políticos surgidos após a Segunda Guerra Mundial: capitalismo e comunismo. O planeta Terra ficou “menor” e muito mais perigoso. A divisão em dois blocos ideológicos, capitalismo, pelos EUA, e comunismo/socialismo, pela extinta URSS, causou, em ambos os blocos ideopolíticos, conflitos e gravíssimas violações de direitos humanos. Os dois países, os EUA e a ex-URSS foram punidos? Não, pelo simples motivo: armas de destruições em massa.
No Brasil e noutros países a globalização possibilitou o multiculturalismo. Os direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos são realidades do pós-Holocausto Nazista. Os Pactos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (DECRETO N.° 592, DE 6 DE JULHO DE 1992) e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DECRETO No 592, DE 6 DE JULHO DE 1992) — notem que datam do mesmo ano, 1992 —, foram criados com bases em ideologias distintas, e até incompatíveis para a época. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possuía mentalidade do bloco capitalista, enquanto o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais possuía ideologia do bloco comunista/socialista. Como ambas não resolviam todos os problemas relacionados aos direitos humanos, isto é, a sua eficiência, foi necessário o “Protocolo de São Salvador”, concluído em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, El Salvador. O Brasil incorporou o Protocolo no ordenamento pátrio pelo DECRETO N.° 3.321, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999.
A humanidade está vivenciando a Quarta Revolução Tecnológica, pelo uso da Inteligência Artificial (IA). É possível, com a IA, criar imagens, filmes, copiar e reproduzir vozes de pessoas vivas ou não. As implicações éticas são desafiadoras. A velocidade de criação pela IA supera a velocidade de o próprio Estado regulamentar. Aos operadores de Direito, a sensação de “limite humano”. Contorna-se tal limite pelo uso da IA. É o que se verifica no Poder Judiciário brasileiro, por exemplo.
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, defendeu nesta terça-feira (14) o uso da inteligência artificial (IA) no Judiciário, afirmando que a tecnologia um dia pode escrever sentenças.
Barroso elencou como o Supremo já utiliza a IA em seu cotidiano, como no agrupamento de processos por tipo ou no enquadramento de casos em teses de repercussão geral. Em seguida, ele acrescentou os próximos passos, afirmando que o tribunal trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta capaz de localizar precedentes e que, no futuro, acredita que sentenças podem ser escritas por computadores.
“Em breve, tenho certeza que teremos a inteligência artificial escrevendo a primeira versão de sentenças”, disse o presidente do Supremo, que na manhã desta terça-feira (14) participou do encontro do J20, que reuniu no Rio de Janeiro presidentes e representantes de supremas cortes dos países integrantes do G20.(1)
Exatamente, a velocidade de se produzir alguma tarefa, imagem etc. é surpreendente. Como qualquer nova tecnologia, os erros. Isso não invalida em nada, pelo contrário, em pouquíssimo tempo, a IA surpreenderá muito mais, e até inimaginável para a espécie humana.
É fácil constatar, a tecnologia evolui, pela necessidade humana de suprir necessidades. A espécie humana, como qualquer organismo, necessita de: abrigo, indumentária, para proteção das intempéries; alimentos, para o metabolismo basal e além do metabolismo, conforme necessidade metabólica; alimentos nutritivos, e não somente calóricos, organolépticos; proteção contra vetores de doenças (bactérias, protozoários, vírus). Uma pessoa que vive isolada de outras pessoas, ou é um deus, ou um animal (não humano). Aristóteles bem delineou, para a sua época, a condição da espécie humana: cada ser humano depende de outro ser humano para sobreviver. As relações humanas se baseavam na dependência de outro ser humano, além dos animais não humanos. A escravidão fora a forma de uns trabalharem, arduamente até falecer, enquanto os não escravizados poderiam estudar (filósofos), governar, desfrutar dos prazeres da vida pelas riquezas “conquistadas”. Para não ter uma “guerra de todos contra todos”, o “contrato social” idealizado por Thomas Hobbes (1588–1679), John Locke (1632–1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), cada qual com sua cosmovisão. Sigmund Freud, entre várias frases, disse (2):
"A grande maioria das pessoas só trabalha quando a necessidade a obriga a isso."
"A agressividade não foi inventada pela propriedade."
"O Estado proíbe ao indivíduo a prática de atos infratores, não porque deseje aboli-los, mas sim porque quer monopolizá-los."
A última frase pode ser aglutinada com a obra “Microfísica do Poder”, de Michel Foucault. Monopolizar atos infratores ao interesse de quem, de qual comunidade? Por que, para quê? Em síntese, a intenção.
Immanuel Kant lançou luzes sobre dúvidas sobre o Iluminismo:
“A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!
A preguiça e a covardia são as causas de os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes), continuarem, todavia, de bom grado menores durante toda a vida; e também de a outros se tornar tão fácil assumir-se como seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um diretor espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de a mim me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida.
(...)
Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade.” (Immanuel Kant, O que é o Iluminismo?)
Direito, como bem sabem os operadores de Direito, não é uma ciência exata e, muito menos, estática, imutável. Sendo o Direito uma extensão dos anseios sociais, ainda que de algumas comunidades com poderes sobre o Estado, o Direito é o reflexo. Ainda que, atualmente, valorize-se a dignidade humana, sendo o princípio do Direito Brasileiro, por força normativa e extensiva sobre dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB de 1988), temos que dignidade é a força motora dos anseios das comunidades marginalizadas por outras comunidades, ou única comunidade. Quando se houve em “norma jurídica”, pensa-se em “obedecê-la”. Qualquer norma jurídica fora criada por uma autoridade competente, como o exemplo do Poder Legislativo. A obediência decorrer do reconhecimento da legitimidade da autoridade, o Legislativo. A legitimidade pressupõem ordem social e justiça social. Obedecer norma jurídica é garantir a estabilidade nas relações sociais e confiança dos cidadãos no Estado. Ou seja, de os cidadãos terem normas, segui-las e exigirem o cumprimento de cada concidadão, das autoridades públicas e do próprio Estado. Norma jurídica, então, é consentimento, implícito, da sociedade, sendo os seus representantes, eleitos, habilitados para representar (o povo). São as normas jurídicas justas, por promoverem o bem-estar social, equitativamente. Como as normas jurídicas emanaram de autoridade competente, no caso o Legislativo, há validade, independente de serem ou não justa, isto pelo entendimento do positivismo jurídico.
Crime de furto. Por exemplo. Uma pessoa entra numa loja, coloca uma barra de cereal na própria bolsa, sai sem pagar. A condição necessária para caracterizar o crime de furto está prevista: a intenção de furtar, por colocar uma barra de cereal na própria bolsa e sair sem pagar. A pessoa tem consciência de que somente poderá sair de dentro da loja com o produto mediante pagamento. Há uma regra geral, o crime de furto e a consequência. Mas, a pessoa em si tem doença, a cleptomania. A pessoa com esta doença sabe que o impulso irresistível, de furtar, é censurado pela sociedade e por norma jurídica. Há o impulso e o cometimento do crime de furto. Num primeiro momento, o alívio de obter para si. Num segundo momento, a agonia, por ceder ao impulso. Por isso, uma crítica quanto à norma hipotética. Há clareza sobre furto? Não, somente “Art. 155-Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena-reclusão, de um a quatro anos, e multa”. O furto, pela literalidade da redação do art. 155, do CP, é rígido e inflexível, quando somente se aplica e não se verifica se as condições, para caracterizar o crime de furto, foram atendidas. Quando alguém pega algo e devolve, como mecânico de carros pegar um dos carros em sua oficina para passear, não há furto. Não houve a intenção de se apropriar, definitivamente, do bem. Danos na lataria, consumo de combustível, os ressarcimentos econômicos. Não pode se falar em apropriação indébita (art. 168, do CP), no caso do mecânico, pois ele não teve a intenção de não devolver.
Norma jurídica hipotética. A união homoafetiva. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF). Não decisão ao bel-prazer de cada ministro (a). Houve uma adaptação da norma do art. 226, § 3º da CRFB de 1988, por força constitucional (arts. 1º, III, 3º e “caput” do art. 5º). Dessa nova adaptação, interpretação, a procura da paz social e da segurança social. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) teve como escopo garantir a justiça social. A possibilidade de união homoafetiva se deu por aplicação concreta das normas (arts. 1º, III, 3º e “caput” do art. 5º), um ajuste pelas interpretações judiciais e a própria evolução social sobre dignidade humana, independentemente de gênero. Desse arcabouço, o assegurar de direitos equitativos para todos os tipos de entidades familiares.
Explanado sobre norma e dignidade humana. As “Big Techs.”
Recentemente, melhor, nas Olimpíadas de 2024, a argelina Imane Khelif foi acusada, pelo “tribunal da internet”, de ser transhomem, isto é, de ter nascido, biologicamente, como homem cisgênero e estar “no lugar errado”, por competir com mulher cisgênero na modalidade de competição de boxe. Tais ataques pertencem ao movimento antidireitos de pessoas trans. Há uma conotação, fortíssima, de cunho religioso — Deus criou somente homens e mulheres, e não meio-termo. O “meio-termo” se refere ao “comunismo” e a tentativa do comunismo de “destruir os valores cristãos”. LGBTQIAPN+ [Lésbicas; Gays; Bissexuais; Transgêneros; Queer; Intersexo; Pansexuais e polissexuais; Não-binários; e '+' (outras orientações sexuais)] são considerados, pelos anticomunistas, de perverterem os sagrados mandamentos de Deus. E esse movimento anticomunista, sem nenhuma base convincente de argumentação, científica, filosófica, e mesmo religiosa, produz vastos materiais de “fake news” (notícias falsas). O termo “fake news” não pode ser interpretado somente como produção de mentira, existe (em) omissão (ões) de fatos relevantes, fundamentais para o esclarecimento.
Interesses pessoais. Como saber se uma pessoa realmente condiz com suas próprias palavras? Há pessoas que jamais tomarão leite batido com manga, por pensarem, pela tradição, que faz mal à saúde humana. Outra pessoa pode dizer que é vegetariana, porém se comporta como onívora quando está só. A humanidade vive um estado de mentiras para angariar lucros. Essa condição atual é percebível nas pessoas que usam e abusam das mídias sociais, os influenciadores digitais — salvo alguns. É o “pote de ouro” para se ganhar dinheiro. Quanto mais “curtidas”, maiores os ganhos sejam eles nas próprias mídias, pessoas afins (correligionários), ou fornecedores que vinculam os seus produtos e serviços por meios de publicidades. Para piorar, as “Big Techs” — grandes empresas de tecnologia, que exercem domínio no mercado de tecnologia e inovação — não querem se responsabilizar pelos conteúdos publicados em suas redes. Ora, trata-se da mais escabrosa forma de tratar pessoas como alienadas. Explico. As “Big Techs” e seus defensores, sejam eles políticos ou não, apregoam que regulamentações, por meio do Estado, censura o direito de liberdade de expressão. Ocorre, o absurdo, que as “Big Techs” já “censuram” certos conteúdos pelas próprias regras contratuais ou por monitoramento de usuários da plataforma. Por exemplo, fiz “upload” de vídeo sobre povos indígenas. Todos e todas estavam pelados e peladas, que é normal na cultura destes povos, quando não há interferência da cultura dos "vestidos e vestidas". A plataforma, ou pelo algoritmo, ou por algum (a) usuário (a) “sensível demais pelo pudor”, bloqueou o vídeo por ferir diretrizes e regras da plataforma com “conteúdo pornográfico”. O estarrecedor é saber, pelas minhas pesquisas, da existência de vídeos de mulheres com biquínis insinuando sexo, ou objeto fálico. As plataformas não censuram e garantem que o perfil monetize os conteúdos. Em poucas palavras, as plataformas agem conforme o nível de pudor social. Dificilmente as plataformas, se existissem no início do século XX, permitiriam vídeos de pessoas “seminuas”, ou até mesmo consideradas “totalmente nuas”, pelos padrões morais da época ao corpo. Logo, as “Big Techs” agem conforme o senso cultural do que é moral, imoral e amoral. No fundo, a questão é puramente ganhar dinheiro. Se fosse possível o canibalismo virtual, provavelmente teria nas plataformas das “Big Techs”, ou não teriam nalgumas por convicção ideológica do (a) criador (a) e dos acionistas. Sim, “por convicção ideológica do (a) criador (a) e dos acionistas”.
Já existem, no Brasil regulamentações:
Lei do Direito Autoral (Lei nº 9.610/1998);
Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012);
Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014);
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (Lei nº 13.709/2018);
Lei nº 14.811/2024 (criminaliza a prática de bullying e cyberbullying).
Novas regulamentações são necessárias pela velocidade de inovações de conteúdos nas redes sociais etc. A imaginação humana é fértil, para a paz social ou para a catástrofe social.
A Lei nº 12.737/2012 é ótimo exemplo sobre objetificação da dignidade, do gênero feminino. Numa sociedade machista, a mulher é, sempre, a culpada, o homem é "garanhão". Ao homem cisgênero, as glórias, as condecorações. E isso ocorre, infelizmente, por mulheres, ao avaliar a culpa, somente para a mulher que "deixou-se corromper".
Debates nos púlpitos não podem relativizar quem pode ou não ter dignidade, quem teve ter mais. As "Big Techs" também não podem se isentarem de culpa justificando "liberdade de expressão". Serão os (as) donos (as) das "Big Techs" isentos de dignidade? Poderão os justiceiros da internet postarem conteúdos transgressores das dignidades deles e de suas famílias? Não, pois logo acionaram o Estado, por intermédio do Judiciário. A hipocrisia reina.
Conflitos ideológicos existem, e são necessários para os debates democráticos. Agora, relativizar, por qualquer tipo de ideologia, a dignidade, jamais.
NOTA:
(1) — Agência Brasil. Barroso: inteligência artificial poderá escrever sentenças “em breve”. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-05/barroso-inteligencia-artificial-podera-escrever-sentencas-em-breve
(2) — Coleção O Pensamento Vivo de Freud. Martin Claret Editora Ltda. 1986.
REFERÊNCIAS:
REALE, Miguel. 0 Estado democrático de Direito e o conflito das ideologias / Miguel Reale - 3. ed: São Paulo : Saraiva, 2005.