TODO CASO de regularização de imóveis pode apresentar diversas soluções e não menos importante é considerar que algumas delas já estão na via extrajudicial enquanto a maioria delas poderão ser manejadas na via judicial. A suposta "vantagem" da via extrajudicial que atrai todo cliente/usuário é a prometida celeridade da via extrajudicial; o que a maioria não sabe (e precisamos lembrar diariamente) é que nem todos os casos são passíveis de solução pela via extrajudicial, por mais que a vontade de muitos operadores do Direito em mudar isso positivamente exista (e podemos nos incluir nisso).
Infelizmente a via extrajudicial não dispõe da mesma ENVERGADURA da via judicial para a solução de conflitos e vasta dilação probatória; de toda forma podemos ver avanços, como por exemplo, em sede de Usucapião Extrajudicial onde a normatização admite a conciliação e a mediação entre os interessados que estiverem divergindo:
"Art. 415. Em caso de IMPUGNAÇÃO do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas" .
Com certa frequência, na intenção de regularizar seu imóvel (obtendo o tão sonhado "RGI" em seu nome), os interessados instruem seus pedidos com uma diversidade de instrumentos particulares que podem estar encapsulando uma cessão de direitos que pode estar relacionado à "posse" (Cessão de Posse) mas também uma Cessão de Direitos Hereditários, quando não é o caso, também de uma Cessão de Direitos Aquisitivos. Cada um dos três instrumentos pode apresentar soluções distintas e ouso afirmar de imediato que quanto mais sofisticado e complexo for o caso mais se mostrará indicada a via judicial, pelas razões ditas no início. Um caso peculiar muito frequente diz respeito à Cessão de Direitos que se relaciona a direitos egressos de herança (a Cessão de Direitos Hereditários), feita por Instrumento Particular. Tal documento seria hábil para a regularização via Inventário Judicial ou mesmo Extrajudicial?
Inicialmente é preciso compreender o que é de fato é a Cessão de Direitos Hereditários e a lição do Desembargador Aposentado do TJSP e Advogado, Dr. CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Direito Civil Brasileiro. 2020) ensina:
"A cessão de direitos hereditários é negócio jurídico translativo INTER VIVOS, pois só pode ser celebrado depois da abertura da sucessão. (...) aberta a sucessão, mostra-se lícita a cessão de direitos hereditários, ainda que o inventário não tenha sido aberto. (...) Não poderá mais fazê-lo, no entanto, depois de julgada a partilha, uma vez que a indivisão estará extinta e cada herdeiro é dono dos bens que couberem no seu quinhão. (...) Pode-se dizer, assim, que a cessão de direitos hereditários, gratuita ou onerosa, 'consiste na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de todo quinhão ou de parte dele, que lhe compete após a abertura da sucessão'".
A Cessão de Direitos Hereditários tem regras claras no Código Civil de 2002 que prevê:
"Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública".
Como se percebe, se a negociação envolvendo a cessão (onerosa ou graciosa) de direitos hereditários for feita através de documento que, independentemente do título recebido (vide art. 112 do CCB) seja um INSTRUMENTO PARTICULAR não deverá efetivamente ser considerada uma Cessão de Direitos Hereditários já que a Lei exige que esse tipo de transação seja feita somente por ESCRITURA PÚBLICA - que pode ser feita em qualquer Tabelionato de Notas. Sendo feita através de Instrumento Particular esse tipo de negócio será NULO com fulcro no inc. IV do art. 166 do Código Civil:
"Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
(...)
IV - não revestir a forma prescrita em lei;"
TODAVIA, é importante destacar que se não presta para o INVENTÁRIO (judicial ou extrajudicial) o mesmo não se pode dizer relativamente à possibilidade de regularização via USUCAPIÃO (o que por sua vez pode se dar tanto na via judicial quanto na via extrajudicial), desde que é claro, preenchidos os demais requisitos para a prescrição aquisitiva. Necessário recordar que em sede de Usucapião haverá hipóteses onde nem mesmo TÍTULO será exigido, de modo que para esses casos a Cessão de Direitos Hereditários por Instrumento Particular terá mesmo peso que qualquer outro documento que sirva para comprovar a posse, sendo igualmente importante anotar que ela isolada das demais provas não deverá conduzir ao êxito da pretensão.
A jurisprudência cearense por todo seu brilhantismo merece se prestigiada:
"TJCE. Proc. 0006572-96.2014.8.06.0176. J. em: 07/06/2023. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO ORDINÁRIA. IMÓVEL ADQUIRIDO POR CESSÃO PARTICULAR DE DIREITO HEREDITÁRIO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO FUNDAMENTADA NA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, ANTE A POSSÍVEL ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA OU HABILITAÇÃO NOS AUTOS DO PROCESSO DE INVENTÁRIO. ERROR IN JUDICANDO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. DOCUMENTO PARTICULAR QUE COMPROVA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL MAS QUE NÃO É HÁBIL PARA ADJUDICÁ-LO E MUITO MENOS PARA HABILITAR O APELANTE COMO CESSIONÁRIO DE DIREITO HEREDITÁRIO NOS AUTOS DO INVENTÁRIO. EXIGÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA. TEOR DO ARTIGO 1.793 DO CÓDIGO CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO COMO ÚNICO MEIO JURÍDICO POSSÍVEL AO AUTOR. SENTENÇA ANULADA. (...) 3. O d. julgador de origem, ao sentenciar, entendeu pela inadequação da via eleita, extinguindo o feito sem resolução do mérito, aduzindo que a ação de usucapião não se presta àquele que já possui documento hábil para realizar a transferência de propriedade, seja por via da ação de adjudicação ou a habilitação do cessionário no processo de inventário. 4. Ocorre, que dá análise dos autos, documentos juntados e do pedido formulado, nota-se que as partes autoras não possuem documento apto a ensejar a transferência imediata de domínio, o que predispõe a impossibilidade de valerem-se da ação de adjudicação compulsória para fins de suprir a omissão da parte vendedora em proceder com a escrituração e transferência definitiva. 5. Ademais, ainda que, em regra, o procedimento da usucapião não seja o meio adequado para regularizar o domínio de imóvel já adquirido através de sucessão hereditária, isso porque a usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, este entendimento não pode ser aplicado ao caso dos autos, pois o título apresentado pelo apelante à fl. 12 também não é hábil para habilitação no procedimento de inventário. O artigo 1.793 do Código Civil estatui que"o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública", portanto, a cessão de direitos também deveria ter se realizado por instrumento público. 6. Verificado que os apelantes não possuem título que possibilite a ação de adjudicação compulsória ou sua habilitação em eventual inventário, não resta alternativa viável e juridicamente possível para que os cessionários busquem a declaração de proprietário do imóvel, o que determina o reconhecimento da USUCAPIÃO COMO VIA ELEITA ADEQUADA como medida excepcional. Ante o error in judicando, faz-se necessário anular a sentença proferida. (...)".