1 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
1.1 CONCEITO
Consoante o mestre José Souto Maior Borges :
O princípio da anterioridade é uma das formas possíveis de operacionalizar-se um valor tributário maior: o princípio geral da não-surpresa do contribuinte. A garantia de não-surpresa do sujeito passivo é corolário do próprio Estado de Direito. É assegurado aos contribuintes não só a criação e majoração de tributos dependente de seu consentimento indireto (efetivada por seus representantes eleitos, consoante o princípio da legalidade. É exigência constitucional, também, que os sujeitos passivos de obrigação tributária tenham conhecimento, com certa antecedência, de quais tributos, e em que montante serão deles exigidos em situações normais.
Por sua vez, nas palavras de Sacha Calmon Navarro Coelho :
Assim, é princípio constitucional que somente pode ser encontrado no campo tributário, já que pretende a regulação da conduta dos entes políticos visando, em especial, à garantia do primado da segurança jurídica.
É característico e próprio da tributação, porquanto não pode ser encontrado em nenhum outro subsistema constitucional, como ocorre com os princípios da legalidade, da segurança jurídica, do devido processo legal, e inúmeros outros.
O princípio da anterioridade está inserto no artigo 150, inciso III, alíneas b e c, c/c o artigo 150, § 1º, assim como no artigo 195, § 6º, todos da Constituição Federal, que assim dispõem:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
[...]
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
[...]
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.
Vale ressaltar que o legislador ao prescrever o princípio da anterioridade mostrou-se sensível a diversas situações como, por exemplo, a necessidade de arrecadação dos entes políticos ou dos entes parafiscais, a flutuação dos mercados, sejam eles nacionais ou internacionais.
1.2 ORIGEM E TRAJETÓRIA HISTÓRICA
O surgimento do princípio da anterioridade se deu pela primeira vez na Constituição Federal de 1946, com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional n. 18/65, que, em seu artigo 2º, inciso II, assim prescrevia:
Art. 2º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
II - cobrar impôsto sôbre o patrimônio e a renda, com base em lei posterior à data inicial do exercício financeiro a que corresponda;
O artigo 25, daquela Emenda Constitucional, revogou o artigo 141, § 34, da Constituição Federal de 1946 que proclamava o princípio da anualidade que assim era disposto:
Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
§ 34. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum tributo será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.
Ressalte-se que a redação do artigo 2º, inciso II, da Constituição Federal de 1946, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 18/65, não alcançava todos os tributos, mas tão somente os impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, uma vez que foi introduzido no ordenamento como verdadeira exceção. Assim, afora esses impostos o tributo poderia ser imediatamente exigido.
O Código Tributário Nacional introduzido logo após a promulgação de referida Emenda, assim dispôs:
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
II - cobrar imposto sobre o patrimônio e a renda com base em lei posterior à data inicial do exercício financeiro a que corresponda;
Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:
O princípio da anterioridade não teve duração muito longa, pois com a promulgação de nova Constituição, a de 1967, voltou a viger o princípio da anualidade, agora veiculado pelo artigo 150, § 29, segunda parte, que assim estava redigido:
Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
§ 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.
Portanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1967 voltou a vigorar o princípio da anualidade, sendo que o princípio da anterioridade somente voltou à tona com a Emenda Constitucional n. 01/69, que alterou a Carta Constitucional de 1967, dando, entretanto, nova roupagem ao princípio da anterioridade.
O princípio da anterioridade, desta vez, abrangia todos os tributos, excetuando somente “a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição”. Vejamos a redação do artigo 153, § 29:
Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
§ 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição.
Por sua vez, com o advento da Emenda Constitucional n. 07/77, foi alterado, em parte, a redação do artigo 153, § 29, mantendo-se, todavia, seu conteúdo:
§ 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição.
O princípio da anterioridade, a partir deste momento, é constante no ordenamento constitucional, estando presente, também, na redação da Constituição Federal 1988, mais especificamente no artigo 150, inciso III, alínea b (anterioridade do exercício) e no artigo 195, § 6º (anterioridade nonagesimal).
E, por conseguinte, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 42/03, foi introduzida no artigo 150, inciso III, alínea c, a anterioridade especial, que será analisada mais na frente.
Os princípios da anualidade e da anterioridade já foram muito confundidos, mas, como veremos, referidos princípios distinguem-se diametralmente.
O princípio da anualidade traz a idéia de periodicidade, exigindo que haja lei orçamentária que autorize a exigência de tributo no exercício financeiro posterior, o que quer dizer que, sem a autorização orçamentária, não há exigência de tributo.
Averba Malberbi que:
Pode-se dizer que a autorização orçamentária alcança apenas um exercício financeiro que no Brasil, equivale a um ano civil. Assim, para obediência ao princípio da anualidade, é necessário que a lei orçamentária preveja a exigência tributária para o exercício financeiro posterior à sua promulgação.
Se determinado gasto não está previsto na lei orçamentária a fim de possibilitar a cobrança de determinado tributo, sua exigência é indevida.
De outro giro, Tércio Sampaio Ferraz Jr enfatiza que:
O princípio da anterioridade nada tem a ver com periodicidade do tributo, aqui entendida como permissão de cobrança tributária em determinado ano, e, muito menos, com autorização por lei orçamentária.
Proíbe o princípio da anterioridade, que os entes políticos instituam ou aumentem tributo antes de decorrido certo lapso temporal. Contudo, esta proibição, dependerá da forma da anterioridade a que está submetido o tributo a ser exigido (instituído ou aumentado).
O professor Paulo de Barros Carvalho , ao comentar a distinção dos princípios da anualidade e da anterioridade, assim se refere:
Ainda remanesce o hábito de mencionar-se o princípio da anualidade, no lugar da anterioridade, o que, a bem do rigor, substancia erro vitando.
Aquele primeiro (anualidade) não mais existe no direito brasileiro, de tal sorte que uma lei instituidora ou majoradora de tributos pode ser aplicada no ano seguinte, a despeito de não haver específica autorização orçamentária. Para tanto, é suficiente que o diploma legislativo seja publicado no tempo que antecede ao início do exercício financeiro em que se pretenda efetuar a cobrança da exação criada ou aumentada.
Por fim, o princípio da anualidade exige que haja lei orçamentária autorizadora da cobrança tributária, enquanto que o princípio da anterioridade determina que a exigência de tributo instituído ou majorado não poderá ocorrer antes de determinado lapso temporal estabelecido pela própria Constituição Federal.
2 CORRELAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E OUTROS PRINCÍPIOS JURÍDICOS TRIBUTÁRIOS
2.1 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
No artigo 5º, inciso II da Constituição Federal podemos encontrar o princípio da legalidade que, de forma genérica, preceitua que a obrigação de fazer ou não fazer advém da lei. E, quanto a sua forma específica vem veiculada por meio do inciso I, do artigo 150. Vejamos a redação dos artigos em comento:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Da leitura dos artigos retromencionados, é de se observar que o princípio da legalidade não permite a imposição de obrigação aos sujeitos de direito sem que a lei tenha sido editada e publicada.
Como bem coloca Roque Antônio Carrazza :
O princípio da legalidade pretende garantir a continuidade do Estado de Direito, ou seja, um Estado onde imperam a ordem e a segurança que são justamente protegidas e garantidas pelo estabelecimento de leis. Com a normatização das condutas impostas por meio de leis, um poder diverso e independente (Poder Judiciário) poderá exercer o controle sobre referidas normas que, se contrárias ao ordenamento deverão ser banidas do ordenamento.
Acrescenta Carrazza que:
Pode-se compreender, dessa forma, porque o constituinte originário estabeleceu, como uma das cláusulas pétreas, a separação dos poderes que nada mais é do que o controle que um dos Poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) pode exercer perante o outro, assim como a separação dos poderes garante também que abusos não sejam cometidos, uma vez que cada um dos poderes somente poderá exercer os desígnios primeiros que lhe foram conferidos, ou seja, ao Poder Executivo cabe ordinariamente a execução das leis; ao Poder Legislativo, a elaboração das leis e, ao Poder Judiciário, o controle das leis, sempre lembrando que cada um deles exerce também funções atípicas que, embora não condizentes com sua função ordinária, são necessárias para sua manutenção.
Por sua vez, o princípio da estrita legalidade tributária impede que o ente político, ou quem lhe faça a vez, exija o tributo, sem que, antes, tenha havido lei instituidora. Mas, como os princípios da legalidade e da estrita legalidade tributária relacionam-se com o princípio da anterioridade, seja ela a anterioridade do exercício, nonagesimal ou especial?
Hugo de Brito Machado respondendo a esta indagação, aduz que:
Pode-se inferir que se os princípios da legalidade (genérica e específica) têm como função essencial impedir que seja exigido do sujeito de direito ou, especificamente do sujeito passivo, obrigação que não foi anteriormente imposta por lei, o princípio da anterioridade aparece em momento posterior, ou seja, já imposta a obrigação por meio de lei. O princípio da anterioridade vem impedir que a norma instituidora ou majoradora do tributo, que aumente a carga tributária anteriormente suportada pelo sujeito passivo, passe a produzir efeitos imediatamente.
Portanto, da conjunção dos princípios constitucionais da legalidade, estrita legalidade e anterioridade que o constituinte não quis apenas que o sujeito passivo da exação conhecesse os termos das obrigações a que estaria adstrito, o que ocorre quando da promulgação e publicação de lei, mas também que o sujeito passivo tivesse tempo suficiente para programar-se (não-surpresa), para que, desta forma, possa cumprir a imposição legal do modo como pretendido pelo legislador.
Ressalte-se, também, que, com a conjugação pode-se constatar que o constituinte almejou conferir proteção aos sujeitos passivos da exação, bem como resguardá-los de exigências imediatas do legislador.
Nesta perspectiva, o princípio da anterioridade vem complementar o princípio da legalidade, uma vez que não basta que as expressões das vontades estatais sejam impostas por lei e somente por estas, mas também que, quando houver aumento da carga tributária, possam os contribuintes ter um determinado intervalo temporal para se adaptarem e cumprirem os preceitos legais. Tem que haver, nos casos de instituição ou majoração de tributo, um intervalo mínimo, fixado pela própria Constituição da Republica, para o cumprimento da obrigação imposta, tudo a depender do tipo de anterioridade a que está subordinado o tributo.
Em razão disso, verifica-se que os princípios da legalidade e da anterioridade estão intimamente relacionados, o que nos permite afirmar que a ordem constitucional tributária é perfeita e harmônica.
2.3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE
O artigo 150, inciso III, alínea a da Constituição Federal, dispõe que não podem ser cobrados os tributos relativos a fatos geradores já ocorridos, ou seja, que lei nova não pode alcançar fato passado. Vejamos a redação do artigo em comento:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
Trabalham com a idéia de tempo ambos os princípios – anterioridade e irretroatividade – mas cada qual com sua especificidade. Pretendem como menciona Tércio Sampaio Ferraz Junior , “evitar que um passado, de repente, se torne estranho, um futuro, algo opaco e incerto, e a duração, uma coleção de surpresas desestabilizadoras da vida”.
Enquanto o princípio da irretroatividade volta-se para o passado, o princípio da anterioridade volta-se para o futuro, ou melhor, para a duração por determinado período de tempo. Pode-se dizer que o princípio da irretroatividade pretende conferir estabilidade aos fatos passados, permitindo que as expectativas normativas, até então vigentes, sejam mantidas.
Nesse sentido, é o ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Junior :
A não-retroatividade da lei tem a ver com este problema. Trata-se de respeitar o passado em face das alterações legais, precavendo-se de tornar ilusórias, retrospectivamente, as expectativas legítimas (boa-fé, promessas, acordos) contidas no evento acontecido, por força da revogação. O princípio da irretroatividade resgata e sustém um passado em face de um futuro, garantindo essas expectativas legítimas diante da lei nova. O sentido de um evento passado, adquire, assim, um contorno próprio, conforme a legislação então vigente, tornando-se imune ao sentido que lhe atribua a lei posterior, ressalvadas as alterações in bonam partem.
Ao elaborar estudo do princípio da segurança jurídica, a professora Lucia Valle Figueiredo , relaciona-o ao princípio da irretroatividade e também entende ser este último forma de garantia dos contribuintes, visto que protege atos passados. Vejamos:
A irretroatividade defende o indivíduo de leis novas com disposições para o passado.
As situações consumadas, os atos jurídicos perfeitos, travados sob a égide de determinada legislação são preservados.
Não os atinge legislação nova que deve versar para o futuro. Que deve versar sobre situações a serem constituídas, ou se constituídas, prevejam desdobramentos futuros que eventualmente possam ser atingidos.
Pretende, dessa forma, o princípio da anterioridade que não haja surpresas e imprevisibilidade, conferindo durabilidade aos eventos ocorridos dentro de certo lapso de tempo, o que equivale dizer que não podem ser alcançado pela alteração normativa havida ao menos num determinado período de tempo.
A anterioridade protege os eventos e as relações jurídicas que ocorrerão próximas à alteração legislativa, para que os sujeitos passivos da exação instituída ou majorada não sejam tomados de surpresa e para que não possam dizer que não tiveram oportunidade nem tempo para prevenirem-se daquilo que certamente irá acontecer, a tributação, tendo em vista que a lei já foi introduzida no ordenamento jurídico e aguarda apenas ser cumprida.
Novamente Tércio Sampaio Ferraz Junior consegue distinguir com perfeição a anterioridade em face da irretroatividade. Vejamos seus ensinamentos:
Já a anterioridade diz respeito à duração. A salvaguarda contra a surpresa exige periodicidade, que confere aos eventos um mínimo de durabilidade.
[...] O princípio da anterioridade periodiza o tempo e lhe dá um sentido de unidade, protegendo os eventos que dentro dela aconteçam contra alterações legais que ocorrem no período. Não se trata de impedir as revisões legais, mas de garantir as mudanças que elas trazem contra o sobressalto e a surpresa. Sem essa garantia, os eventos não duram (perdem o sentido de duração) e se tornam insignificantes (perdem legitimidade). O estabelecimento de períodos (um dia, um mês, um ano), dentro dos quais a lei nova não produz efeitos, é, assim, vital para o implemento da segurança jurídica.
Assim, devidamente demonstrada a relação entre o princípio da anterioridade e o princípio constitucional da irretroatividade que lhe são correlatos, passo a análise do princípio da anterioridade em confronto com o princípio da segurança jurídica.
2.3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
A despeito de não estar explícito em nosso ordenamento jurídico, o princípio da segurança jurídica decorre da interpretação sistêmica, obrigatória para aqueles que pretendem fazer ciência.
Destaca, Luciano Amaro , em sua obra Direito Tributário Brasileiro que:
A segurança jurídica é sobreprincípio que emerge do Estado Democrático de Direito como exigência de previsibilidade da ação estatal. O Estado deve pautar sua conduta de modo invariável, para não surpreender os sujeitos de direito com as medidas por ele adotadas.
Discorre sobre a importância do princípio da segurança para o direito, o eminente professor Geraldo Ataliba , manifestando-se da seguinte forma:
O direito é por excelência, acima de tudo, instrumento de segurança. Ele é que assegura a governados os recíprocos direitos e deveres, tornando viável a vida social. Quanto mais segura a sociedade, tanto mais civilizada.
Seguras estão as pessoas que têm certeza de que o direito é objetivamente um e que os comportamentos do estado ou dos demais cidadãos dele não discreparão.
Mais adiante, Diva Malberbi , sensível aos preceitos do constituinte de 1988, assim se manifestou:
Em função desses princípios que nortearam o legislador constituinte é colocada a segurança como um valor ideário, da mesma forma que todos os autores tratam que o estado de direito foi criado sobre a idéia de justiça e segurança. Essa idéia norteou a própria criação, a própria formação dos estados liberais contemporâneos, também está dito no preâmbulo da nossa Constituição. [...] Então, nesse primeiro sentido poderemos dizer, pelo menos, que a segurança jurídica foi um princípio que norteou o constituinte de 88.
A segurança jurídica, portanto, a despeito de não estar expressamente disposta no ordenamento jurídico brasileiro, é valor que o norteia, interferindo, positivamente, para formação e interpretação das demais normas.
Constitucionalmente permitida, certo é que a tributação é meio de expropriação de propriedade, porque implica na transferência de patrimônio privado para os cofres públicos. Da imposição de transferência de patrimônio é que surge a necessidade dos contribuintes planejarem-se para que possam suportar a carga tributária.
Ao dissertar sobre a importância da segurança jurídica em face da tributação, Leandro Paulsen , entende que:
O conhecimento antecipado das imposições tributárias apresenta-se, efetivamente, como um instrumento importante de segurança jurídica em matéria tributária no que diz respeito ao seu conteúdo de certeza do direito.
Acrescenta, ainda, o referido autor que:
Os princípios da certeza do direito e da não-surpresa da tributação estão intimamente relacionados com o princípio da segurança jurídica. São estes princípios que garantem a estabilidade do sistema, bem como das relações jurídicas. É a segurança jurídica que confere aos sujeitos de direito poder saber de antemão as ações dos demais sujeitos (previsibilidade) e, no caso das relações jurídicas tributárias, possibilitará aos sujeitos passivos das obrigações que se previnam e também planejem suas ações. O próprio sistema tributário possibilita que os contribuintes preparem-se para receber a tributação, isto é, permite que possam consultar e averiguar, em tempo hábil, a forma de tributação que melhor se encaixa nos seus objetivos sociais, o que significa que os contribuintes poderão fazer o ideal e o permitido planejamento tributário.
Previsibilidade é o que se pode ver ou conhecer antecipadamente; é a qualidade do que é previsível, do que se pode calcular, supor, pressupor, predizer ou conjeturar. Portanto, ao falamos em surpresa, pensamos naquilo que é imprevisto, que nos surpreende, ou ocorre subitamente, de forma inesperada.
Em razão disso, saber como é ou como poderão ser as atitudes dos entes políticos é fundamental para a estabilização das relações jurídicas, visto que conferem previsibilidade da ação estatal e garantem que não haja surpresas no que diz respeito a majoração ou instituição de tributos.
Segundo a professora Misabel Abreu Machado pode-se verificar que:
A segurança jurídica desdobra-se em diversos outros princípios, como o da certeza do direito e o da não-surpresa.
Justamente por isto é que podemos dizer que a segurança e seus princípios correlatos estão intimamente ligados com o princípio da anterioridade, uma vez que este pretende impossibilitar que os sujeitos ativos da exação, ou quem lhes façam as vezes, exijam tributo novo ou majorado antes de decorrido determinado lapso temporal fixado pela Constituição da Republica.
O constituinte pretendeu fixar um prazo mínimo para que a norma majoradora ou instituidora de tributo passe a gerar efeitos e, consequentemente, atinjam os sujeitos passivos da exação. Este intervalo temporal tem como principal função que os contribuintes possam se preparar para receber a tributação, evitando que, da noite para o dia, passem a ser tributados, que sejam pegos de surpresa e, consequentemente, confere-lhes um mínimo de segurança jurídica.
Assim, o princípio da anterioridade corriqueiramente é associado à não-surpresa do contribuinte, havendo ainda aqueles que chegam a falar em “princípio da não-surpresa”.
Paulsen expõe bem a seguinte tese:
Apesar da anterioridade estar relacionada aos conceitos - previsibilidade e não-surpresa – ela não está circunscrita apenas a eles, porquanto o princípio da anterioridade trata de dar prévio conhecimento aos sujeitos passivos da obrigação que lhe foi imposta por lei. Assim, restringiremos o alcance do princípio constitucional se limitarmos a anterioridade à previsibilidade ou à não-surpresa.
Apesar de abarcar a idéia de previsibilidade, a anterioridade não está limitada à esta, cujo sentido estrito é a qualidade daquilo que é previsível, do que se pode prever. A previsibilidade diz respeito ao que ainda não ocorreu, enquanto que a anterioridade previne os sujeitos passivos daquilo que certamente irá acontecer, uma vez que a lei já foi editada e promulgada e aguarda apenas ser cumprida.
Ao dissertar acerca da anterioridade, Leandro Paulsen distingue entre o princípio e os conceitos de previsibilidade e não-surpresa. Vejamos:
Mais do que previsibilidade e do que não-surpresa, pois, cuida-se de assegurar ao contribuinte o conhecimento antecipado daquilo que, sendo decorrente de lei estrita devidamente publicada, lhe será com certeza imposto, incidindo sobre atos que então venham a ser praticados ou sobre os fatos ou situações que se verifiquem em conformidade com a previsão legal, após o decurso de noventa dias e a virada do exercício ou apenas do decurso de noventa dias em que se tratando de contribuições de seguridade social.
Assim sendo, pudemos observar que a importância do princípio da segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro tem como escopo não permitir que os contribuintes sejam surpreendidos pela legislação inovadora ou majoradora de tributo, possibilitando que se evite a desorganização dos negócios dos sujeitos passivos, o tumulto empresarial e a desarticulação das instituições tributárias.
A segurança jurídica, ainda, está intimamente relacionada ao princípio da livre iniciativa, uma vez que o clima de segurança e previsibilidade possibilita os empresários adquirirem maior confiança nas ações governamentais. Consequentemente, maiores investimentos serão realizados, o que somente poderá ocorrer se respeitado e observado o princípio da anterioridade.
Ciente da relação existente entre o princípio da anterioridade e a confiabilidade/previsibilidade, afirma o mestre Geraldo Ataliba :
O empresário precisa fazer planos, estimar – com razoável margem de probabilidade de acerto – os desdobramentos próximos da conjuntura que vai cercar seu empreendimento. Precisa avaliar antecipadamente seus custos, bem como estimar os obstáculos e as dificuldades. Já conta com os imponderáveis do mercado. Não pode sustentar um governo que agrave – com suas surpresas e improvisações – as incertezas, normais preocupações e ônus da atividade empresarial.
Assim, está preocupado o ordenamento jurídico brasileiro em conferir a segurança jurídica não apenas a brasileiros e sujeitos passivos que atualmente estão sofrendo tributação, mas, também, em possibilitar que mais pessoas desejem investir no Brasil, o que, consequentemente, trará desenvolvimento e aumento de arrecadação tributária. Para tanto, é necessário que os entes políticos e o legislativo utilizem-se e, sobretudo, respeitem o princípio da anterioridade.
Em linhas gerais, o princípio da anterioridade está intimamente relacionado com a elevação da carga tributária e, diante de referida elevação, pretende conferir aos sujeitos passivos da exação o direito de não se verem surpreendidos e impedidos de cumprir a obrigação que lhe fora imposta, ou melhor, antes que a norma produza efeitos, seja conferido ao sujeito passivo um tempo para que possa preparar-se e organizar-se.
Por sua vez, o princípio da segurança jurídica pretende que os sujeitos de direito tenham tranqüilidade e estejam acautelados, protegidos dos mandos e desmandos estatais. Referido princípio zela para que haja confiança na relação entre Estado e administrados.
A segurança jurídica e a anterioridade são princípios que visam resguardar os direitos e as garantias individuais protegidos pelo constituinte. No campo tributário, não há como referir-se à anterioridade sem pensar nos princípios da segurança jurídica e da não-surpresa. Assim, embora haja entre o princípio da anterioridade e o princípio da segurança jurídica uma relação muito estrita e afim, estes princípios não podem ser confundidos, sob pena de serem desvirtuados os papéis e a aplicação de cada um deles.
3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA E SUAS ESPÉCIES
Em três diferentes formas é apresentado, na Constituição da Republica, o princípio da anterioridade, quais sejam, princípio da anterioridade do exercício, nonagesimal e especial.
Será estabelecido as principais diferenças entre as três formas apresentadas pelo texto constitucional do princípio da anterioridade, bem como os reflexos que cada um deles tem quanto à eficácia das normas que instituem, majorem ou modifiquem tributo.
3.1 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DO EXERCÍCIO
Com o objetivo de preservar a segurança jurídica, fixou a Constituição Federal que, ao criar ou majorar tributos, o legislador infraconstitucional deve observar e, sobretudo, respeitar o princípio da anterioridade previsto no artigo 150, inciso III, alínea b c/c § 1º, que assim preceitua:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
b – no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou,
[...]
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
A norma veiculada pelo artigo 150, inciso III, alínea b, c/c o § 1º do mesmo dispositivo, será chamada, aqui, de princípio da anterioridade do exercício, uma vez que referida norma estabelece que, ao legislador infraconstitucional, é vedado exigir tributo novo ou majorar tributo já instituído, antes do exercício financeiro posterior ao que foi publicada a norma criadora ou modificadora de tributo.
Deve a lei instituidora e majoradora de tributo ser publicada até o dia 31 de dezembro do ano que antecederá a cobrança do tributo. Por exemplo, se quiser aumentar alíquota de certo tributo para o ano de 2010, deverá a lei ser publicada até 31 de dezembro de 2009.
O § 1º do artigo em comento estabelece quais os tributos que não estão sujeitos ao regramento da anterioridade do exercício.
A redação originária do § 1º do artigo 150 era a seguinte:
§ 1º - A vedação do inciso III, ‘b’, não se aplica aos impostos previstos nos arts. 153, I, II, IV e V, e 154, II.
Se conjugarmos os dispositivos veiculados pelos artigos 150, II, b; § 1º e 153, I, II, IV e V, e 154, II, redação dada pelo constituinte originário, somente alguns tributos não estavam submetidos ao princípio da anterioridade do exercício, quais sejam:
A) Imposto sobre a importação - II;
B) Imposto sobre a exportação - IE;
C) Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI;
D) Imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários - IOF; e
E) Impostos extraordinários.
Mais duas exceções ao princípio da anterioridade do exercício foram estabelecidas com o advento da Emenda Constitucional n. 33/01. A primeira delas diz respeito ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços incidente sobre combustíveis e lubrificantes – ICMS-Combustível, disposto no artigo 155, XII, h c/c parágrafo 4º, c, da Constituição Federal . E a segunda diz respeito à exceção veiculada no artigo 177, § 4º, inciso I, alínea b, da Constituição , que trata da chamada CIDE-Combustível.
Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 42/03, também não se sujeitam ao princípio da anterioridade do exercício os empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148, inciso I, da Constituição Federal .
3.2 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL
Veiculou, também, a Constituição Federal o princípio da anterioridade que diz respeito apenas e tão somente às contribuições sociais. O artigo 195, § 6º, da Carta Maior veicula o chamado princípio da anterioridade nonagesimal, aplicável de forma especial às contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social, e somente a elas, sendo assim preceituado:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
[...]
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.
É também chamada pela doutrina e pela jurisprudência de anterioridade especial ou mitigada. Foi o ministro Ilmar Galvão, nos autos do RE 183.119 – SC, que, pela primeira vez, utilizou o termo anterioridade mitigada para referir-se à anterioridade prevista no artigo 195, § 6º da Carta Magna, vejamos sua ementa:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DECORRENTE DE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS. EXPRESSÃO: "CORRESPONDENTE AO PERÍODO-BASE DE 1989", CONTIDA NO CAPUT DO ART. 1º DA LEI Nº 7.988, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1989, ENQUANTO REFERIDA AO INC. II DO MESMO DISPOSITIVO.
Inconstitucionalidade que se declara, sem redução de texto, por manifesta incompatibilidade com o art. 195, § 6º, da Constituição Federal (princípio da anterioridade mitigada). Recurso não conhecido. ( RE 183119, Relator (a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/1996, DJ 14-02-1997 PP-01988 EMENT VOL-01857-02 PP-00264)
Não pode ser confundido o princípio da anterioridade nonagesimal com o princípio da anterioridade do exercício disposto no artigo 150, inciso III, alínea b, da Constituição Federal.
O princípio da anterioridade nonagesimal diz respeito exclusivamente às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social, enquanto que o princípio da anterioridade do exercício, até o advento da Emenda Constitucional n. 42/03, era aplicável de forma exclusiva aos demais tributos, com exceção dos impostos incidentes sobre importação, exportação, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários e aos impostos extraordinários.
Com o advento da Emenda Constitucional n. 42/03, referida exceção também passou a ser aplicável aos empréstimos compulsórios, passíveis de instituição em caso de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência.
Particularidade outra consiste na diferença entre os princípios da anterioridade do exercício e da anterioridade nonagesimal, é que o primeiro proíbe que o tributo instituído ou majorado possa ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi promulgada a norma instituidora ou majoradora do tributo, enquanto que o princípio da anterioridade nonagesimal exige apenas um interregno temporal de 90 (noventa) dias, não importando se dentro ou não do exercício financeiro que instituiu ou majorou o tributo .
Misabel de Abreu Machado Derzi , citando Alberto Xavier, aduz que:
Quando falamos que a contribuição social somente poderá ser exigida após 90 (noventa) dias da data da instituição ou majoração do tributo, que o exercício financeiro não será o marco divisor de águas para a contagem do interregno temporal posto pela Constituição Federal, mas sim, que seja observado o intervalo fixado, aplicando-se a contagem da noventena a partir da promulgação da norma instituidora ou majoradora da contribuição social.
Assim, não poderá o legislador ou o ente tributante, para observância do princípio da anterioridade nonagesimal, entender como devido o tributo antes do intervalo mínimo de noventa dias, exigindo o pagamento da contribuição para a seguridade social sobre fatos ocorridos antes de referido prazo.
Destaca, ainda, Misabel Abreu Machado Derzi , com precisão a diferenciação entre a anterioridade do exercício e a anterioridade nonagesimal, também chamada por alguns de anterioridade mitigada. Vejamos:
Apenas as contribuições sociais, destinadas ao custeio da Seguridade Social, escapam ao clássico princípio da anterioridade da lei ao exercício financeiro de aplicação, supedâneo imperfeito do princípio da autorização orçamentária. No entanto, a Carta Magna resguarda o contribuinte contra surpresa tributária, impondo um interstício de noventa dias entre a data da publicação da lei e de sua eficácia e aplicação, segundo reza o art. 195, § 6º.
Dessarte, é de se afirmar que a anterioridade nonagesimal não tem como parâmetro o exercício financeiro, como ocorre com a anterioridade do exercício, apenas determina seja observado o interregno de 90 (noventa) dias para instituição ou majoração da contribuição social destinada ao custeio da Seguridade Social.
A adjetivação dada ao princípio da anterioridade especial, também denominada “mitigada”, pode transmitir a idéia de menor intensidade ou alcance do que o princípio da anterioridade do exercício. Isso efetivamente não ocorre, porque a anterioridade mitigada confere aos contribuintes uma garantia real e efetiva, ao contrário do que ocorre com a anterioridade do exercício. Com efeito, a anterioridade nonagesimal prevê que seja observado um intervalo mínimo de tempo (noventa dias) para que o tributo seja cobrado, enquanto que o principio da anterioridade do exercício exige que seja observada a mudança de exercício financeiro para a cobrança do tributo, podendo ocorrer a instituição ou a majoração do tributo no último dia do exercício financeiro que antecede a cobrança.
3.3 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ESPECIAL
Este princípio possibilita que os contribuintes possam planejar suas vidas e negócios da forma mais conveniente e adequada, sem, contudo, deixarem de atender aos desígnios constitucionais de tributação: arrecadação e manutenção dos cofres públicos.
Freqüentemente, o princípio da anterioridade do exercício não era respeitado pelos entes políticos, que agiam em descompasso com a intenção e a forma pretendida pelo legislador originário, pois, constantemente, eram publicadas normas instituidoras ou majoradoras de tributos poucos dias antes do término do exercício financeiro ao que seria cobrado o tributo, o que, certamente, não conferia a pretendida segurança jurídica que a norma da anterioridade desejava ver assegurado.
O constituinte derivado, diante disso, entendeu por bem introduzir no corpo da Constituição Federal o que chamaremos de princípio da anterioridade especial, por meio da edição da Emenda Constitucional n. 42/03.
A anterioridade especial é veiculada pela alínea c, do inciso III, do artigo 150, que conjugada com seu § 1º, traça o arquétipo do princípio da anterioridade especial, que assim está prescrito:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
[...]
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Pode-se verificar, do artigo acima, que se trata de nova fórmula de anterioridade, que não se confunde nem com a anterioridade do exercício, nem com a anterioridade nonagesimal.
Podemos dizer, de modo bem simplificado, apesar dos princípios da anterioridade terem formas bem distintas e peculiares, que a anterioridade especial é a conjugação da anterioridade do exercício com a anterioridade nonagesimal, ou seja, é necessário que a norma instituidora ou majoradora de tributo, cuja cobrança do tributo se pretende, seja promulgada no exercício anterior, bem como que seja observado o interregno de 90 (noventa) dias.
Verificamos que dois são os requisitos para o cumprimento do princípio da anterioridade especial: A) norma instituidora ou majoradora de tributo promulgada no exercício anterior ao que se pretende a cobrança do tributo e, B) interstício de 90 (noventa) dias entre a data da promulgação da norma instituidora ou majoradora de tributo e o início da exigência fiscal.
Não é pacífico na doutrina, todavia, o modo como deve ser interpretado o princípio da anterioridade especial, principalmente quanto à conjugação da anterioridade do exercício e o interregno nonagesimal.
Eduardo Marcial Ferreira Jardim assevera que:
A atitude do constituinte derivado agiu acertadamente ao inserir no ordenamento jurídico a previsão do princípio da anterioridade especial que, sobretudo, vem reafirmar a importância e o destaque que foram dados à anterioridade, especialmente por caracterizar-se, conforme dito anteriormente, como garantia constitucional.
A anterioridade especial, em nosso sentir, não viola qualquer regra ou princípio constitucional, muito pelo contrário, reforça outros primados constitucionais como, por exemplo, o princípio da segurança jurídica. É uma garantia adicional que o constituinte derivado introduziu na Constituição Federal, tendo em vista que o constituinte originário, como dito, preceituou apenas que estivessem os tributos sujeitos ao princípio da anterioridade do exercício, com algumas exceções, devidamente fixadas pela Carta Política de 1988, ou à anterioridade nonagesimal, no caso da contribuição social para manutenção da seguridade social.
O constituinte derivado, com o advento da Emenda Constitucional n. 42/03, visando proteger ainda mais os contribuintes quanto ao intervalo de tempo que deve a norma tributante aguardar para que possa começar a produzir efeitos, institui nova forma de anterioridade no ordenamento jurídico: a anterioridade especial.
Veja o que entende Hugo de Brito Machado
As exceções trazidas pelo constituinte derivado, no que se refere ao princípio da anterioridade especial, não violam nenhum preceito constitucional, visto que não extrapolam a limitação material à qual está adstrito, quais sejam, as impostas pelo artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.
As exceções ao princípio da anterioridade da especial podem ser visualizadas pela conjunção das normas veiculadas pelo artigo 150, inciso III, inciso c, conjugada com o § 1º, do mesmo artigo 150, que foi alterado pela Emenda Constitucional n. 42/03.
Dá-nos base para afirmar com a conjugação destes dois dispositivos constitucionais, quais as exceções ao princípio da anterioridade especial. Vejamos:
a) Imposto sobre a importação - II (artigo 153, inciso I);
b) Imposto sobre a exportação - IE (artigo 153, inciso II);
c) Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza - IR (artigo 153, inciso III);
d) Imposto sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários - IOF (artigo 153, inciso V);
e) Impostos extraordinários em caso de guerra externa ou sua iminência (artigo 154, inciso II);
f) Empréstimos compulsórios, decorrentes de calamidade pública e guerra externa ou sua iminência (artigo 148, I);
Referidos dispositivos constitucionais excepcionam ainda a aplicação do princípio da anterioridade especial quanto à base de cálculo dos seguintes tributos:
g) Imposto sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA (artigo 155, inciso III)
h) Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU (artigo 156, inciso I).
Ainda, Brito diz-se que:
Quanto às exceções ao princípio da anterioridade do exercício verificamos alguns motivos que impedem sejam feitas exceções àquele princípio. O constituinte derivado está restrito aos limites impostos pelo constituinte originário e, no caso do princípio da anterioridade especial e suas respectivas exceções veiculadas pelo § 1º, do artigo 150, da Carta Maior, a limitação do constituinte derivado ainda persiste.
Todavia, quais os limites a que está adstrito o constituinte derivado?
Brito (1995, p.105-106), responde a tal indagação ilacionando:
Que o constituinte derivado deve e pode aplicar o princípio da anterioridade especial para todos os tributos, sem que com isso viole qualquer dispositivo constitucional, podendo, inclusive, excepcionar os tributos não excepcionados no artigo 150, § 1º, primeira parte, com sua redação originária.
Poder-se-ia excepcionar a não aplicação do princípio da anterioridade especial quando referida exceção fosse feita também ao princípio da anterioridade do exercício. Porém, não é isso que ocorre, tendo em vista que o princípio da anterioridade especial é, em verdade, garantia adicional para os sujeitos passivos, conferida pelo constituinte derivado por meio de emenda à Constituição Federal.
Como forma de garantir, de forma suplementar, a segurança jurídica tão almejada pelo sistema constitucional, o princípio da anterioridade especial pode ser aplicado a qualquer tributo.
As normas introduzidas no ordenamento jurídico por emendas constitucionais devem ser vistas com restrições, pois somente o fato de determinada norma ter sido posta no ordenamento, via emenda constitucional, não significa que seu conteúdo é irrestrito. Muito pelo contrário. Tanto o conteúdo das normas introduzidas por Emendas à Constituição quanto o das demais normas infraconstitucionais devem ser avaliados e, se for o caso, dissipados do ordenamento jurídico.
A nosso ver, as emendas constitucionais podem ser objetos de declaração de inconstitucionalidade; podem existir emendas constitucionais inconstitucionais. Porém, a norma veiculada pelo artigo 150, inciso III, alínea c e § 1º, primeira parte, da Carta Maior, que dispõe sobre o princípio da anterioridade especial, foi introduzida respeitando tanto a forma quanto o conteúdo constitucionalmente permitido, não havendo qualquer espécie de violação aos demais dispositivos constitucionais.
Assevera, Tércio Sampaio Ferraz Júnior que:
O princípio da anterioridade especial não extrapola os limites e as condições impostas pelo texto constitucional, uma vez que é uma garantia adicional ao princípio da justiça da tributação. E, ainda, no princípio da anterioridade do exercício, configura-se mais uma limitação ao poder de tributar a que estão adstritos os entes tributantes e, como tal, mais um direito e garantia individual que devem, obrigatoriamente, ser observados quando da instituição ou majoração de tributo.
Portanto, verificadas as diferenças entre os princípios constitucionais da anterioridade do exercício, nonagesimal e especial, passemos a analisar as principais exceções ao princípio da anterioridade.
4 PRINCIPAIS EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
O texto constitucional traz em seu bojo diversas exceções ao princípio da anterioridade.
Analisaremos as principais exceções existentes, assim como os motivos pelos quais entendemos haver no texto constitucional as exceções aplicáveis aos princípios da anterioridade do exercício e especial aos tributos supramencionados.
4.1 O IMPOSTO INCIDENTE SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA
A tributação sobre a renda e proventos de qualquer natureza foi umas das principais causas da edição da Emenda Constitucional n. 42/03, que introduziu no ordenamento jurídico a anterioridade especial.
Entende Ives Gandra da Silva Martins que:
Quando da edição das normas tributantes referentes ao imposto sobre a renda, o princípio da anterioridade do exercício era burlado pelo legislador infraconstitucional que aprovava a norma tributante no apagar das luzes do exercício financeiro anterior ao da incidência normativa, publicando referida norma, em diversas oportunidades, de forma inconstitucional, a nosso ver, uma vez que os diários oficiais não circulavam por todo o país no exercício anterior ao da incidência normativa.
A exceção imposta pelo constituinte derivado quanto ao princípio da anterioridade especial, não pode ser encarada como inconstitucional, uma vez que o princípio da anterioridade especial é garantia suplementar conferida pelo constituinte derivado aos contribuintes.
Pelo fato de se tratar de garantia suplementar, o constituinte derivado não estava submetido a nenhum comando constitucional que o impedisse de relacionar as exceções entendidas como cabíveis.
Se o constituinte derivado tivesse determinado a obediência do imposto sobre a renda e proveitos de qualquer natureza, haveria a inclusão de mais garantia constitucional para os contribuintes, mas a não-adição desta garantia não enseja a violação aos demais primados constitucionais e, portanto, não pode ser combatida.
Segue aduzindo Ives que:
Ainda que baseadas, as opções legislativas do constituinte derivado, em fundamentos políticos, hão de ser respeitadas, uma vez que a Carta Federal confere a ele certo grau de discricionariedade para fazer suas escolhas, mas restrito as limitações materiais impostas pelas chamadas cláusulas pétreas.
Em razão disso, nenhuma inconstitucionalidade há na exceção trazida pela Emenda Constitucional n. 42/03, no que toca à não-observância do princípio da anterioridade especial pelo legislador infraconstitucional para a instituição do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
4.2 OS IMPOSTOS EXTRAFISCAIS
Inicialmente, analisaremos as exceções relativas aos impostos incidentes sobre a importação (II), exportação (IE), produtos industrializados (IPI), operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Os tributos em comento serão analisados de uma só vez, porque, em nosso sentir, têm uma característica em comum: a extrafiscalidade.
O eminente professor Eduardo Marcial Ferreira Jardim conceitua extrafiscalidade como sendo a “utilização da competência tributária como instrumento de ação política, econômica e social, em detrimento do objetivo arrecadatório”.
O doutrinador traz o exemplo da abertura de zona franca pelo governo, afirmando que, neste caso, “o governo abre mão de recursos que por certo adviriam em face da cobrança de tributos, mas com essa providência, estimula o desenvolvimento de uma determinada região eivada de vicissitudes cuja efetiva transformação social e econômica somente poderia ser exercida por uma medida desse jaez”.
Ao tratar das finalidades extrafiscais dos tributos Misabel Derzi , aduz que:
Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja, prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa a ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da coletividade, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais.
Assim, a extrafiscalidade é o poder conferido pela Constituição Federal aos legisladores de utilizarem-se dos tributos como forma de manejo das vontades sociais, políticas ou econômicas, aumentando ou minorando os tributos, ou, ainda, concedendo benefícios e incentivos fiscais.
Os impostos incidentes sobre a importação e a exportação – impostos aduaneiros - a característica da extrafiscalidade pode ser vista de forma muito clara e palpável, porquanto que tem sido muito relevante para o direcionamento das atividades industriais, como pudemos ver com a indústria nacional automobilística.
O professor Eduardo Domingos Botallo pondera que:
São comumente utilizados, os impostos de importação e exportação, no sentido de favorecer um setor da economia. Especificamente no caso do imposto de exportação, podemos dizer que há um favorecimento das mercadorias e serviços nacionais, uma vez que, com a baixa tributação poderão ser mais competitivos no mercado estrangeiro ou, ainda, incentivar seu crescimento no próprio mercado interno e, conseqüentemente, estagnar ou minorar a importação de produtos estrangeiros.Quanto ao imposto de importação, a elevação da alíquota poderá desestimular a entrada de produto estrangeiros no país e, de forma oblíqua, incentivar a produção nacional, ou ainda poderá ter sua alíquota diminuída por estar determinado produto em falta no país, evitando-se o aumento de preços exacerbado dos produtos e serviços que dependam diretamente do produto deficitário.
A Constituição da Republica excepcionou a aplicação dos princípios da anterioridade do exercício e especial para os impostos aduaneiros (importação e exportação) justamente para poder propiciar que sejam utilizados como mecanismos de regulação de mercado e proteção ao empresariado e aos consumidores brasileiros ou, como dissemos, como forma de direção, ainda que indireta, das vontades sociais, políticas ou econômicas.
Por sua vez, Hugo de Brito Machado aduz que:
O imposto sobre produtos industrializados - IPI interfere diretamente nos preços de tais mercadorias e produtos. Desta forma, havendo a necessidade de incentivar ou desestimular a produção de determinado produto ou de vários produtos de certo setor industrial, o governo poderá manipular, aumentando ou diminuindo a carga tributária, do mesmo modo que procede com os impostos aduaneiros.
Assim, poderá mexer na carga tributária a fim de favorecer uma parte específica da sociedade, como ocorre, por exemplo, no caso de não-tributação de alimentos da cesta básica, que é medida que favorece de forma mais acentuada as classes com menor poder aquisitivo. Poderá ainda o governo pretender proteger a sociedade como um todo, por exemplo, quando há a minoração da carga tributária dos medicamentos mais utilizados ou do trigo, que é bastante utilizado na produção de produtos nacionais e do tradicional pãozinho francês.
Já no que concerne ao imposto incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários - IOF, entendemos que a exceção trazida pelo Texto Maior tem por fundamento intervir diretamente na economia do país, uma vez que o IOF é tributo que interfere diretamente nas operações financeiras, inclusive nas de câmbio e, portanto, está relacionado com os investimentos, tanto nacionais como estrangeiros, que são feitos no mercado interno. O governo também intervém na economia do país a fim de proteger e não tributar de forma excessiva, por exemplo, aqueles que tomam dinheiro emprestado das instituições financeiras.
A jurisprudência pátria está a reforçar e aplaudir a utilização do IPI, dos impostos de importação e exportação e do IOF de forma a regular, incentivando ou desestimulando, algumas práticas que o governo entende necessárias para o país em determinadas circunstâncias. Vejamos algumas decisões:
E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - IPI - AÇÚCAR DE CANA - LEI Nº 8.393/91 (ART. 2º) - ISENÇÃO FISCAL - CRITÉRIO ESPACIAL - APLICABILIDADE - EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO - ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - NORMA LEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO - ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO - INADMISSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL DO IPI. - A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público (RE 157.228/SP), destina-se - a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal - a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. A isenção tributária que a União Federal concedeu, em matéria de IPI, sobre o açúcar de cana (Lei nº 8.393/91, art. 2º) objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da Republica. Essa pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO). - O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado. Situação inocorrente na espécie. - A isenção tributária concedida pelo art. 2º da Lei nº 8.393/91, precisamente porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não se qualifica - presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes - como instrumento de ilegítima outorga de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA: RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL E POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. - A exigência constitucional de lei em sentido formal para a veiculação ordinária de isenções tributárias impede que o Judiciário estenda semelhante benefício a quem, por razões impregnadas de legitimidade jurídica, não foi contemplado com esse "favor legis". A extensão dos benefícios isencionais, por via jurisdicional, encontra limitação absoluta no dogma da separação de poderes. Os magistrados e Tribunais, que não dispõem de função legislativa - considerado o princípio da divisão funcional do poder -, não podem conceder, ainda que sob fundamento de isonomia, isenção tributária em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem desse benefício de ordem legal. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional que lhe recusa a própria Lei Fundamental do Estado. Em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário só deve atuar como legislador negativo. Precedentes.
( AI 360461 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/12/2005, DJe-055 DIVULG 27-03-2008 PUBLIC 28-03-2008 EMENT VOL-02312-06 PP-01077)
PROC. : 96.03.040785-2 AMS 173380 ORIG. : 9502071387 /SP
APTE : ZANINI COM/ INTERNACIONAL LTDA
ADV : LEO KRAKOWIAK e outros
APTE : União Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADV : HUMBERTO GOUVEIA e VALDIR SERAFIM
APDO : OS MESMOS
REMTE : JUÍZO FEDERAL DA 2 VARA DE SANTOS Sec Jud SP
RELATOR : DES.FED. MÁRCIO MORAES / TERCEIRA TURMA
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO
VOTO
O imposto de exportação possui nítida natureza extrafiscal, nos termos em que está contemplado no art. 153, II, § 1º, da CF, em que restou estabelecida a possibilidade de o Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do referido imposto.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA CONSTITUIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. DECRETO-LEI Nº 142795. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTA. FATO GERADOR. MERCADORIA PARA CONSUMO. PRECEDENTES. APELO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
Os impostos sobre o comércio exterior, no caso, de importação, são importantes instrumentos de política extrafiscal do governo, tendo excepcionado a Lei Maior, facultando ao Poder Executivo, atendendo aos requisitos legais e independentemente da observância do magno princípio da anterioridade, alterar as alíquotas desses impostos.
Considera-se, para efeito de ocorrência do fato gerador do imposto de importação de bens de consumo, a data do registro da declaração no órgão de arrecadação (art. 23, do DL nº 37/66). Compatibilidade com o art. 15 do CTN. Precedentes. Apelação e remessa oficial providas.(APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 171.933 – SP REGISTRO Nº 96.03.024060-5 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO)
Podemos dizer, em razão disso, que a escolha do constituinte para impor as exceções ao princípio da anterioridade foi muito bem pensada, porque, como dissemos linhas acima, tem como objetivo maior regular o mercado e proteger determinada classe econômica ou setor da economia, dirigindo, ainda que de forma indireta, as vontades sociais, políticas ou econômicas.
4.3 O IMPOSTO EXTRAORDINÁRIO
Mais uma exceção é traçada pela Constituição Federal relativa ao princípio da anterioridade do exercício e especial, veiculada pela norma expressa no artigo 150, § 1º, que possibilita à União Federal instituir impostos extraordinários, em caso de guerra externa ou sua iminência, que poderão ter, como base de cálculo, as materialidades compreendidas ou não em sua competência tributária.
Têm como requisito, os impostos extraordinários, para sua instituição a iminência de guerra ou sua existência, situações consideradas pelo constituinte como emergenciais, tendo em vista que cabe ao Poder Executivo Federal proteger a soberania do Estado brasileiro.
Sem dúvida alguma o constituinte, demanda atitude imediata e extrema, possibilitou que a União Federal pudesse tomar medidas extremas para a defesa da soberania nacional. Para tanto, é necessária a fixação de uma nova fonte de receita para o custeio das despesas advindas da guerra. Desta forma, permitiu o constituinte que fosse instituído tributo, passível de ser exigido imediatamente e que, no texto constitucional, vem sob a forma de imposto extraordinário, o que explica e justifica a exceção no que diz respeito ao princípio da anterioridade do exercício e à anterioridade especial.
Pudemos observar, assim, que o constituinte originário agiu corretamente e de maneira muito comedida ao possibilitar a proteção da soberania do Estado, com a instituição de imposto extraordinário que poderá ser exigido imediatamente. Da mesma forma, o constituinte derivado, mantendo a harmonia do texto constitucional originário, excepcionou a aplicação da anterioridade especial ao imposto extraordinário, como não poderia deixar de ser, porquanto a soberania do Estado é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, nos moldes do artigo 1º, inciso I, da Constituição Federal, e deve ser protegida.
CONCLUSÃO
Inegavelmente, o princípio da anterioridade está inserido entre as limitações ao poder de tributar e, portanto, é direito e garantia individual dos contribuintes. Conseqüentemente, é cláusula pétrea não passível de modificação por meio de emenda à Constituição Federal.
O princípio da anterioridade é aplicável apenas às regras de tributação, e não é encontrado em nenhum outro subsistema constitucional.
Atualmente, se apresenta de três formas distintas no texto constitucional: a anterioridade do exercício, estampada no artigo 150, inciso III, alínea b, c/c o artigo 150, § 1º; a anterioridade nonagesimal, veicula pelo artigo 195, § 6º, da Constituição Federal, e a anterioridade especial, preceituada no artigo 150, inciso III, alínea c, c/c o artigo 150, § 1º, Carta da Republica.
O princípio da anterioridade, em qualquer de suas formas apresentadas pelo texto constitucional, visa a garantir a segurança jurídica dos contribuintes, possibilitando-lhes planejarem suas vidas e negócios de forma a atender aos desígnios constitucionais de tributação e não serem surpreendidos por alterações normativas que importem na elevação da carga tributária até então suportada.
Por sua vez, o princípio da anterioridade do exercício veda a exigência de tributo novo ou a majoração de tributo já instituído antes do exercício financeiro posterior ao que foi publicada a norma criadora ou majoradora de tributo, devendo, portanto, ser publicada até o dia 31 de dezembro do ano que antecederá a cobrança do tributo.
Apenas alguns tributos estão sujeitos ao principio da anterioridade. Fazem parte do rol de exceções fixadas pelo constituinte originário os seguintes tributos: os impostos incidentes sobre a renda, os impostos extrafiscais e os impostos extraordinários.
Nas exceções trazidas ao princípio da anterioridade do exercício não vemos nenhuma inconstitucionalidade naquelas discriminadas pelo constituinte originário, o que, entretanto, não ocorre com as exceções introduzidas no ordenamento jurídico pelo constituinte derivado, uma vez que este está adstrito aos termos e limites fixados pela Constituição Federal originária.
O princípio da anterioridade nonagesimal, veiculado pelo artigo 195, § 6º, da Constituição Federal, diz respeito apenas às contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social que somente poderão ser exigidas após transcorrido 90 (noventa) dias da sua instituição, não trazendo o texto constitucional qualquer exceção em sua aplicação.
E, quanto ao princípio da anterioridade especial foi instituído pela Emenda Constitucional nº 42/2003, que introduziu a alínea c, ao artigo 150, inciso III, do Texto Maior. Pretende referido princípio conferir maior segurança jurídica, evitando-se que a instituição ou majoração dos tributos ocorresse no apagar das luzes do exercício financeiro, o que certamente viola a segurança jurídica tão almejada pelo constituinte originário.
O princípio da anterioridade especial é garantia adicional ao princípio da justiça da tributação e da segurança jurídica, configurando-se mais uma limitação ao poder de tributar a que estão adstritos os entes tributantes e, como tal, mais um direito e garantia individual que deve, obrigatoriamente, ser observada quando da instituição ou majoração de tributo. Desta forma, as exceções ao princípio da anterioridade especial são perfeitamente possíveis e não violam a Constituição Federal.
A interpretação conferida aos princípios da anterioridade do exercício, nonagesimal e especial não é pacífica na doutrina.
A fim de dar cumprimento do princípio da anterioridade do exercício, é necessário que a lei instituidora ou majoradora do tributo seja publicada no exercício financeiro anterior ao de sua exigência, produzindo efeitos no exercício posterior.
No que diz respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal, entendemos que basta que se aguarde o interregno de 90 dias após a publicação da lei instituidora ou majoradora de tributo, não importando o momento do exercício financeiro em que ocorreu sua promulgação nem quando passará a produzir efeitos a norma tributante.
Por sua vez, o princípio da anterioridade especial determina que sejam observados dois requisitos, cumulativamente: a) ser a lei publicada no exercício financeiro anterior ao de sua cobrança e b) ter transcorrido, no mínimo, 90 (noventa) dias para sua cobrança. Findos os dois períodos poderá a norma instituidora ou majoradora de tributo produzir efeitos.
Os termos “instituir” e “majorar” estão diretamente relacionados com o aumento de carga tributária suportada pelo contribuinte. Assim, importa seja obedecido o princípio da anterioridade em qualquer de suas formas, quando há o aumento da carga tributária, não importando por meio de qual dos critérios da regra-matriz se dê a elevação da carga tributária.
Já a expressão “modificado”, utilizado pelo constituinte originário ao disciplinar a anterioridade nonagesimal, aplicável às contribuições sociais, nos termos do artigo 195, § 6º, da Constituição Federal, não pretende proteger os contribuintes apenas contra a elevação da carga tributária, mas alcança qualquer tipo de alteração havida na norma jurídica.
Enfim, não basta que a lei instituidora, majoradora ou modificadora de tributo seja promulgada para obedecer ao princípio da anterioridade. É imprescindível também que os veículos introdutores de referidas normas cheguem ao conhecimento da população, o que ocorre com a publicação da norma e com a efetiva circulação do jornal competente.
Impede o princípio da anterioridade, que a norma instituidora, majoradora ou modificadora de tributo produza seus efeitos antes de determinado lapso temporal, predeterminado pelo texto constitucional.
Assim, a norma da anterioridade nos induz a antevisão de que reflete diretamente na produção de efeitos que a norma instituidora, majoradora ou modificadora de tributo terá nos eventos ocorridos no mundo jurídico.
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