Sistema de bilhetagem eletrônica. Vale Transporte. Ação de obrigação de fazer. Apresentação de relatório. Contestação.

21/08/2024 às 17:32
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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DR. (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA X VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE

PROCESSO Nº: XXXXXXXXXXXXXXXXX

XXXXXXXXXX DE BILHETAGEM ELETRONICA, qualificado nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM CARÁTER LIMINAR que, em seu desfavor, move XXXXXXXXX LTDA, processo em curso por esse ilibado Juízo, vem, com acato e sob regular representação, em tempo hábil, oferecer a presente

CONTESTAÇÃO

Com esteio nas razões seguintes.

I- DA NARRATIVA E DOS REQUERIMENTOS DA PETIÇÃO INICIAL

A autora ajuizou Ação Ordinária de Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Antecipação de Tutela em Caráter Liminar em face do XXXXXXX de Bilhetagem Eletrônica, a alegar, em síntese (ID 9855077809):

  1. que firmou contrato de cessão de uso de cartões e prestação de serviços com o XXXXX para, por meio dele, adquirir créditos eletrônicos na modalidade de vale-transporte.

  2. que os cartões comprados junto ao XXXX DE Bilhetagem Eletrônica são carregados (com os precitados créditos eletrônicos) por ela mesma, XXXXX Ltda., para que os seus empregados possam utilizá-los, exclusivamente, em seus deslocamentos no trajeto casa/trabalho/casa.

  3. que o carregamento mensal de créditos nos cartões de vale transporte é efetuado com base nas informações de seus próprios empregados, como, por exemplo, o local de suas residências e as linhas de transporte coletivo de que se utilizam e que, “dessa forma, a autora tem a exata noção do quantitativo de vale transporte a ser creditado no cartão de cada funcionário”.

  4. Que “é dever da requerente [autora] zelar pelo correto uso do benefício e, outrossim, evitar desnecessários prejuízos ocasionados por “funcionários” (sic) que utilizam o cartão para outra finalidade que não o itinerário – residência – trabalho / trabalho – residência, [sendo] necessário acompanhar a correta utilização do vale transporte fornecido”.

e) que o Consórcio XXX disponibilizaria em seu sistema apenas o saldo de crédito disponível nos cartões e o saldo das aquisições de créditos eletrônicos, o que, segundo a autora, não bastaria para que ela “acompanhe a correta utilização do cartão de vale-transporte por seus empregados”, pois ela não teria acesso “ao momento em que o cartão foi utilizado nem ao valor debitado”. Isto lhe impossibilitaria “fiscalizar se o cartão está sendo de fato utilizado com a finalidade para a qual foi fornecido”. (grifos nossos).

f) que, após “apurações internas” promovidas pela autora – indicativas de suposto mau uso dos cartões -, teria buscado “informações mais detalhadas do uso do vale transporte por seus empregados”, requerendo tais informações ao XXXX por meio de notificação extrajudicial (ID 9855143658).

g) que houve recusa [por via de contranotificação] do Consórcio XXX em fornecer tais informações ao argumento de que, “por não se tratar de obrigação contratual e por conta dos preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), seria disponibilizado somente mediante pedido judicial”.

h) que, “no entanto, se é dever do empregado fazer bom uso do benefício concedido, é direito, e dever, do empregador fiscalizar essa utilização e, como o Consórcio XXX “negou seu acesso às informações solicitadas”, haveria conjecturado “cerceamento do direito da autora”.

i) que, com base nesses argumentos (expostos em breve síntese), “requerer seja determinada a disponibilização do uso individualizado de cada cartão de vale transporte utilizado pelos empregados da autora, com indicação de data, hora e linha em que o crédito foi utilizado”. (os negritos são do texto orginal).

j) que, indo além, “requer seja determinado o envio mensal dos extratos detalhados para o endereço eletrônico da autora”, indicado na peça inicial.

h) que, finalmente, “requer seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela em caráter liminar inaudita altera partes a fim de que seja determinada desde logo, a disponibilização pela requerida dos extratos de vale-transporte contratados pela autora, para sua consulta livre em qualquer momento que lhe seja conveniente, principalmente para que possa exercer seu direito de fiscalização sobre a devida utilização dos créditos fornecidos aos seus funcionários”. (as letras em negrito constam do texto original)

II – DO VENERÁVEL DESPACHO QUE INDEFERIU A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. DO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA AUTORA EM FACE DELA.

Sob o ID 9889235073, esse venerável Juízo prolatou decisão interlocutória a indeferir a antecipação de tutela por não vislumbrar os requisitos necessários à sua concessão, à luz do artigo 300 do Código de Processo Civil.

Do venerável despacho que indeferiu a tutela garimpa-se trecho importante:

“Analisando os autos, a título de juízo perfunctório inerente à espécie, não vislumbro a presença da probabilidade do direito perseguido pela autora que permita a concessão da tutela antecipada nos moldes pleiteados. Isso porque os pedidos alçados em sede de tutela de urgência tem reflexo direto com a análise de fundo (obrigação contratual do contratado) e em que pese ter sido juntado contrato vinculando as partes, NÃO RESTOU PLENAMENTE COMPROVADO A OBRIGAÇÃO DA RÉ EM FORNECER OS DOCUMENTOS REQUERIDOS PELA AUTORA. (grifos e destaques nossos).

Assim, por entender neste momento processual, de análise perfunctória, não se vislumbrarem presentes os requisitos necessários ao conhecimento do pleito emergencial (art. 300 do CPC), indefiro”.

Em face do decisum, a autora interpôs agravo de instrumento dirigido à Segunda Instância (ID 9908041517, dela dando ciência a esse Juízo (ID 9908049174).

Ciente da interposição do recurso, houve novas deliberações de Vossa Excelência a manter a decisão recorrida (ID’s 10187998265 e 10223523669).

Ao apreciar o Agravo, o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais conheceu-o, mas negou-lhe provimento, nos exatos termos do acórdão acoplado aos autos (ID  10216616314).

III – DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO DA SUPERIOR INSTÂNCIA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DESSE ILIBADO JUÍZO. NEGATIVA DE PROVIMENTO AO RECURSO.

O respeitável acórdão da Instância ad quem foi escoltado pela seguinte ementa:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TUTELA DE URGÊNCIA - REQUISITOS - PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO DEMONSTRADA – FORNECIMENTO DE DADOS DE VALE-TRANSPORTE – AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL OU LEGAL – AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Para a concessão da tutela de urgência, devem estar presentes os requisitos cumulativos do art. 300 do CPC/2015, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco de resultado útil do processo, aliado à reversibilidade do provimento. 2. Não tendo parte autora demonstrado de plano que a recorrida tem obrigação legal ou contratual de fornecimento dos dados de deslocamento individual de seus empregados utilizando o vale-transporte administrado pela recorrida, deve ser negada a tutela de urgência para compelir o fornecimento de tais informações.

Extraem-se do venerável acórdão os seguintes trechos:

(...) “Porém, parece, neste momento incipiente do feito, haver risco de violação ao direito de privacidade dos empregados, caso sejam os dados fornecidos. Não está claro se poderiam os empregados acrescentar seus próprios créditos ao mesmo cartão fornecido e, desta forma, utilizar o cartão para outros trajetos sem infringência à norma trabalhista.

É certo que o contrato entre as partes, à ordem 21, não prevê qualquer obrigação da recorrida de fornecimento de tais dados à agravante. Da mesma forma, inexiste obrigação legal da apresentação dos documentos.

(...) Saliento que em caso semelhante movido contra a mesma parte ré/agravada, este Tribunal entendeu não haver reponsabilidade contratual ou legal que a impelisse ao fornecimento dos documentos pretendidos pela parte agravante: (destaques nossos).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM CARÁTER LIMINAR – DEVER DE INFORMAÇÃO – OBRIGAÇÃO NÃO PREVISTA EM CONTRATO – IMPROCEDENTE– SENTENÇA MANTIDA. - Não se pode impor à contratante obrigação que não consta no contrato, tampouco em lei, obrigando-a a fornecer extratos e informações referentes aos créditos do sistema de transporte adquiridos, sob pena de afronta ao princípio da autonomia da vontade. Desta feita, não se constata a probabilidade do direito da recorrente, impondo-se seja negado provimento ao recurso e mantida íntegra a decisão agravada. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO”. (Apelação Cível nº XXXXXXX - Comarca de Belo Horizonte - XXXXXXX). (destaques nossos).

IV – DA CONTESTAÇÃO PROPRIAMENTE DITA.

4.1. Da falta de previsão no contrato (e na lei) da obrigação de fazer pretendida. Ausência desta obrigação. Comandos Constitucionais Pertinentes. Precedente.

Aos XXX de XXXXXX de XXXXX, a autora celebrou com o XXXXXXX de Bilhetagem Eletrônica o Contrato de Cessão de Uso do Cartão XXXX e Prestação de Serviço de Carga a Bordo de Vale Transporte sob a Forma de Créditos Eletrônicos, de número XXXX, registrado no Cartório do X Serviço de Registro de Títulos e Documentos de XXXXXX sob o número XXXXXX, apensado à exordial pela autora sob o ID 9855055007.

O objeto do contrato, nos termos de sua cláusula terceira, é o seguinte:

As obrigações do contratado, réu, estão taxativa e exaustivamente estipuladas na cláusula quinta da avença, a saber:

É dizer: decididamente, nenhuma delas (cláusula quinta e suas subcláusulas ou qualquer outra do ajuste) contempla a obrigação de o XXXXX de Bilhetagem Eletrônica fornecer, à autora, relatórios detalhados do uso dos cartões de cada um dos empregados da autora, dele não se podendo exigir, via de consequência, qualquer “obrigação de fazer”, muito mais quando não contemplada no contrato.

Afinal, a pretensão da autora externada em sua peça vestibular, é a de “obrigar” o XXXXXX de Bilhetagem Eletrônica a lhe disponibilizar, repita-se à exaustão, “extratos detalhados e individualizados de cada cartão de vale-transporte utilizado por seus empregados, com a indicação de data, hora e linha em que o crédito foi utilizado, sob pena de multa por descumprimento”.

Quando formulara igual pedido diretamente ao XXXXX, por meio de notificação extrajudicial (Id já citado) este a contranotificou (ID mencionado) afirmando-lhe não ser possível o atendimento ao pleito pelas razões que reproduz agora, nesta contestação.

Sem embargo da falta de previsão contratual, é dizer, da ausência de estipulação no contrato de cláusula que obrigue o réu a fornecer à autora os relatórios por ela pretendidos, há mais.

A impossibilidade de que, de forma invasivae estranha a qualquer obrigação contratual sua – o réu venha a fornecer extratos detalhados e individualizados dos cartões de vale-transporte utilizados pelos empregados da autora, a conter a indicação da data, hora e linha em que cada crédito foi utilizado por cada um dos seus empregados, resulta – não apenas da falta de imposição contratual, mas, mesmodo, de comandos constitucionais e legais, como segue linhas abaixo.

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) dispõe, nos artigos ora transcritos, que:

a disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: o respeito à privacidade e à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem” (artigo 2º, incisos I e IV) e, ainda: “toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei” (art. 17).

No artigo 5º, dispõe o texto da LGPD:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

  1. - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;

  2. - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

  3. - dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;

  4. - banco de dados: conjunto estruturado de dados pessoais, estabelecido em um ou em vários locais, em suporte eletrônico ou físico;

  5. - titular: pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento;

  6. - controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais;

  7. - operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador; (...)

IX - agentes de tratamento: o controlador e o operador; (...)

XII - consentimento: manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada;

Prossegue a Lei Geral de Proteção de Dados, mais adiante, a determinar que “as atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios (art. 6º), entre os quais o da “finalidade: a realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades” (inciso I);

Ainda, o princípio da “segurança: utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão (inciso VII).

E ainda: consagra o princípio da “responsabilização e prestação de contas: demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas” (inciso X).

É dizer: o tratamento de dados pessoais e dos dados sensíveis somente poderá dar-semediante o fornecimento de consentimento dos titulares” (art. 7º. Inciso I), ou “quando o titular ou seu responsável legal consentir de forma específica e destacada, para finalidades específicas” (art. 11, inciso I), sempre “por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular” dos dados (art. 8º, §1º).

Existem outras hipóteses – excepcionais - de fornecimento de esses dados pelo controlador, operador ou agente de tratamento, mas tão-só nos casos elencados na lei, nenhum deles aplicável à espécie.

Isso sob pena de, em os fornecendo o réu, sem a autorização expressa dos titulares (empregados da autora), vir ele, operador ou controlador, a sofrer as sanções cominadas nos artigos 42 e 52 da mesma norma.

Na mesma trilha de rigoroso respeito à preservação da dignidade, da vida privada e da intimidade da pessoa humana, prescrevem a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro, a saber:

Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana; (...)

Art. 5º - (...)

X -São invioláveis a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, sendo assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação desses direitos”. (...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Código Civil Brasileiro:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

A despeito destas fortes razões para o XXXXXXX de Bilhetagem Eletrônica negar-se (porque contratualmente não obrigado e porquanto legalmente proibido de fazê-lo) a fornecer à autora os dados que ela pretende obter de seus empregados - repita-se, invasivos - é evidente a faculdade legal e o dever de a própria autora, na qualidade de empregadora desse contingente de pessoas, fiscalizar a utilização dos vales-transportes pelos seus empregados quando de seus deslocamentos por ônibus e, também, as suas condutas laborais, porque não cabe a terceiros administrar e/ou controlar a relação de trabalho estabelecida entre o empregador e seus empregados.

Para tanto, a autora pode valer-se dos mecanismos fornecidos pela plataforma do XXXXX de Bilhetagem Eletrônica, que lhe permite acesso ao software denominado WEBSIGON, acessável por login e senha criados pela própria autora, por meio do qual ela adquire seus créditos eletrônicos de vale-transporte, controla saldos e os distribui pelos cartões; elimina cartões de ex-empregados e insere outros novos empregados no sistema (vide cláusulas 4ª e 6ª do contrato ajustado entre as partes (ID 9855055007).

Nessa trilha, a pretensão implausível da autora de que o réu controle ele mesmo, relacione e lhe entregue (por meio de relatórios circunstanciados) a movimentação de seus próprios empregados, os dias, as horas e as linhas de transporte público utilizados por cada um deles, em relatórios detalhados, consiste em pedido que não econtra apoio no contrato (que não prevê tal obrigação de fazer), além de ferir frontalmente os dispositivos da Constituição da República e os artigos imperativos das leis infraconstitucionais, supratranscritos.

O intento da autora de compelir o réu a executar “uma obrigação de fazer” (que não existe) definitivamente não encontra supedâneo contratual (porquanto a avença não contempla esta obrigação), tampouco legal, porquanto o artigo 5º, inciso II, da Carta Federal preconiza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

De outra banda, a Lei Federal 7.418/85 (que instituiu o vale-transporte) estabelece, tão-só, que o empregado firmará o compromisso de utilizar o vale transporte para o seu exclusivo deslocamento entre residência-trabalho-residência, nada dispondo a lei sobre a obrigação de fiscalização de sua utilização pelo empregador, muito menos, pelo réu que, simplesmente, se limita a promover a venda dos respectivos créditos à empresa à qual é vinculado o empregado.

Nesse sentido:

TJMG – EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. AUSÊNCIA. REJEITADA. EMPRESA FORNECEDORA DE VALE TRANSPORTE. DEVER DE PRESTAR INFORMAÇÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DE VALE TRANSPORTE POR CADA EMPREGADO DE EMPRESA DE ALIMENTOS. INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E CONTRATUAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MINORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. - Não há se cogitar a hipótese de inobservância do princípio da dialeticidade recursal quando as razões apresentadas deixam configurada a compatibilidade com os temas decididos na sentença e o interesse pela sua reforma. - A Lei 7.418/85 estabelece, unicamente, que o empregado firmará o compromisso de utilizar o vale transporte para seu efetivo deslocamento residência-trabalho-residência, sendo silente quanto à obrigação de conferência da utilização pelo empregador, assim como de fornecimento dos dados pela empresa de transporte. - A fixação dos honorários advocatícios de sucumbência quando inestimável ou irrisório o proveito econômico da ação, ou muito baixo o valor da causa, será regida segundo a apreciação equitativa do juiz a teor do que dispõe o art. 85, §8º, do CPC. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.16.041712-7/003, Relator: Des. Otávio Portes, 16ª Câmara Cível. Julgamento 13/11/2019, publicação da súmula 14/11/2019).

Destarte, resta ululantemente óbvio que ninguém pode ser instado a cumprir uma “obrigação de fazer” que não fora estipulada em contrato e nem é determinada em lei.

Lado outro, já se o disse, seria ato violador dos direitos pétreos e legais desses indivíduos à preservação da sua dignidade, honra, intimidade, vida privada, sigilo de dados e à própria imagem.

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4.2. Precedentes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Casos Símiles. Derrocada de pedidos tais como o formulado pela autora.

O acórdão de número 1.0000.18.109274-3/001, trasladado linhas acima, é um dos precedente a respeito de caso exatamente símile, no qual a Prudente Refeições Ltda. formulou igual pedido ao réu (o de fornecimento de relatórios detalhados da movimentação por ônibus de cada empregado seu), em ação julgada improcedente em primeira e em segunda Instâncias.

Outro precedente sobre caso semelhante, desta feira uma Ação de Prestação de Contas ajuizada pela empresa XXXXX contra o XXXX Bilhetagem Eletrônica, julgada procedente pela Instância de piso em sua primeira fase (a que determina sejam prestadas contas mercantis).

O XXXXX interpôs agravo de instrumento em face da referida sentença, que resultou na prolação do acórdão que reformou o decisum – processo de número1.0000.23.220633-4/001 (cópia em anexo, documento quatro), decisão que foi escoltada pela seguinte ementa:

TJMG - EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXIGIR CONTAS - PRIMEIRA FASE - DEVER DE PRESTAR INFORMAÇÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DE CRÉDITOS DE VALE TRANSPORTE NÃO UTILIZADOS - OBRIGAÇÃO INEXISTENTE NO CONTRATO - PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E BOA-FÉ CONTRATUAL - DEVER DE PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO RECONHECIDO. Não é possível impor à contratada obrigação que não consta do contrato, tampouco em lei, obrigando-a a fornecer extratos e informações sobre créditos não utilizados pelos funcionários da contratante, sob pena de afronta ao princípio da autonomia da vontade. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.220633-4/001   2206342-69.2023.8.13.0000 (1). Rel. Des. Baeta Neves. Julgado em 03/07/2024, publicado em 03/07/2024).

Desse acórdão, pinçam-se os seguintes trechos:

“(...) Considerando as disposições contratuais acima transcritas, entendo que inexiste obrigação da contratada de prestar as contas solicitadas pela contratante, mormente pelo fato de que as partes não pactuaram qualquer obrigação de fornecimento de extratos e informações a respeito de créditos utilizados.


Desse modo, obrigar a contratada a prestar tais contas representaria clara ofensa ao princípio da autonomia da vontade das partes, bem como representaria desequilíbrio contratual”.

“(...) E, diante das referidas cláusulas contratuais, entende-se que a administração e gestão dos créditos comprados ficam a cargo da contratante, de modo que ela possui o dever de informar e fiscalizar a utilização destes por seus funcionários.


Nessa toada, o direito da contratante de fiscalizar seus empregados não poderia significar um dever da contratada de assumir um ônus decorrente daquela faculdade”.

Como igualmente há o anterior aresto jurisprudencial consistente na decisão do agravo de instrumento interposto pela autora XXXXXXX contra a decisão interlocutória desse respeitável Juízo que negara seu pleito de concessão de tutela de urgência.

A decisão da Instância ad quem reconheceu, prima facie, que inexiste obrigação contratual de o XXX de Bilhetagem Eletrônica fornecer-lhe os dados solicitados na presente ação (ID 10216616314).

Logo, é certo que o pedido da autora está definitivamente fadado à improcedência, como se requerer ao final desta peça de resistência.

V – REQUERIMENTOS

REQUER, portanto, a esse ínclito Juízo que se digne de:

a) receber esta contestação e dela conhecer, porque tempestivamente protocolizada.

b) no mérito, julgar improcedente o pedido e condenar a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários de advogado, estes a serem arbitrados por esse colendo Juízo.

Provará o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.

Pede deferimento.

XXXXXX, XX de XXXXX de 2024.

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