Temos mais de 70 anos e desejamos casar pela Comunhão Universal de Bens. É possível? Como proceder?

21/08/2024 às 17:24
Leia nesta página:

A QUESTÃO envolvendo o Casamento (e a União Estável) entre pessoas maiores de 70 anos parece ter tido uma solução justa e equilibrada por ocasião do julgamento do TEMA 1.236 do STF (cujo trânsito em julgado foi certificado em 10/04/2024) na medida em que, sem prejuízo da imposição do regime legal da Separação de Bens para as uniões (e casamento) dessas pessoas se torna possível afastar tal regime, inclusive para optar, se for o caso, pela Comunhão Universal de Bens. A questão é polêmica pois havia (ou ainda há, ousamos dizer) a presunção de que quem se casa ou faz união estável com pessoas idosas está visando "vantagens patrimoniais". Realmente, presumir a má-fé não parece ser a orientação do Código Civil (art. 113) que cristaliza um tradicional princípio geral do dirieto que assevera que "a boa-fé se presume enquanto que a má-fé se prova". Permanece hígido em nosso Código a regra do art. 1.641 do CCB que tem aplicação inclusive para as Uniões Estáveis (ainda que seja uma analogia para aplicação de restrição de direitos - fato bem curioso, inclusive):

"Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

(...)

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos" ;

De toda forma, reza a tese lapidada no louvável Tema 1.236 do STF, oriundo do "Leading Case" ARE 1.309.642/SP:

"Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante ESCRITURA PÚBLICA".

A partir dessa regra (que está plenamente vigente) é possível então à pessoa que conta com mais de 70 anos casar ou constituir União Estável (e desimporta a idade do (a) outro (a), que não precisa ter mais de 70 anos, frise-se) afastando a imposição do chamado "regime legal facultativo e não cogente" e isso é muito importante na medida em que, no cenário atual (que tem previsão de mudança por conta das diversas alterações a serem promovidas no Código Civil que está em tramitação no Senado, como já falamos outras vezes aqui) as pessoas que são casadas ou vivem em União Estável sob o regime da Separação Legal de Bens estão afastadas do recebimento de herança na hipótese do polêmico inciso I do art. 1.829 do CCB:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, SALVO SE CASADO este com o falecido no regime da comunhão universal, OU NO DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares";

No contexto atual, baseado na decisão transitada em julgada sobre o Tema 1.236 do STF nos parece ser solução para o casal que deseja evitar os dissabores do art. 1.829, inc. I a realização da ESCRITURA PÚBLICA mencionada seguido do procedimento de alteração do regime de bens que, ainda hoje, deve ser manejado pela via judicial.

Cabe anotar que em alguns Estados a alteração do regime de bens no Casamento pode se dar inclusive pela via extrajudicial - em curiosa contraposição ao disposto no § 2º do art. 1.639 do Código Civil. No Rio de Janeiro a regra está no art. 862:

"Art. 862. A alteração do regime de bens, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, perante o oficial de registro civil das pessoas naturais onde constar o registro do casamento, em petição assinada por ambos os cônjuges e por advogado, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros".

Doutro turno, se o caso for de alteração do regime de bens na União Estável, sem prejuízo da via judicial, poderá ser observado o procedimento previsto no art. 547 do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra) que por sua vez informa:

"Art. 547. É admissível o processamento do requerimento de ambos os companheiros para a alteração de regime de bens no registro de união estável diretamente perante o registro civil das pessoas naturais, desde que o requerimento tenha sido formalizado pelos companheiros pessoalmente perante o registrador ou por meio de procuração por instrumento público".

Ve-se, portanto, que hoje em dia é plenamente possível afastar a regra que até então impunha o regime da Separação Legal de Bens e é sempre importante destacar que essa decisão cabe exclusivamente AO CASAL e em nenhum momento a"família" do idoso ou da idosa deve se intrometer nessa questão tão peculiar e íntima que valoriza sem nenhuma dúvida os PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA e da IGUALDADE, ressalvados os casos onde a capacidade mental está comprometida.

A lavratura da referida Escritura pode ser feita em qualquer Tabelionato de Notas e, como também já explicamos em outras passagens, não deve o Cartório exigir ATESTADO MÉDICO da pessoa idosa (o que representa uma verdadeira AFRONTA à dignidade da pessoa idosa a justificar inclusive reclamação na CGJ local), sendo certo que ainda que não seja obrigatória se mostra muito aconselhável a consulta ao Advogado Especialista que poderá inclusive alinhavar a lavratura dessa Escritura juntamente com a propositura da competente Ação Judicial para alteração do regime de bens, nos termos do § 2º. do art. 1.639 do CCB, e inclusive propor um planejamento sucessório ou patrimonial como arremate.

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POR FIM, confirmando a possibilidade e importância da alteração do regime de bens em consonância com o decidido pelo STF no Tema 1.236, decisão recente do TJMG:

"TJMG. 3198399-81.2023.8.13.0000. J. em: 09/05/2024. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL CELEBRADA SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1.916. COMPANHEIRO MAIOR DE 60 ANOS. QUESTÕES PATRIMONIAIS. TESE ESTABELECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA Nº 1.236. EFEITOS PROSPECTIVOS. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO FALECIDO PARA AFASTAR O REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS. PREVALÊNCIA DAS REGRAS ALUSIVAS A TAL REGIME NA HIPÓTESE DOS AUTOS. - Sob a égide do Código Civil de 1.916, à união estável constituída por companheiro maior de 60 (sessenta) anos de idade, incidia o regime de separação de bens - O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do tema nº 1.236, fixou a tese de que"nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública". Ressaltou-se que a decisão"tem efeitos prospectivos, não afetando as situações jurídicas já definitivamente constituídas. É possível, todavia, a mudança consensual de regime, nos casos em que validamente admitida"- Na hipótese dos autos, não se verificando a existência de MANIFESTAÇÃO DO FALECIDO, que convivia em união estável, para o afastamento do regime de separação de bens, a norma do então vigente Código Civil de 1.916 (art. 258, parágrafo único, inciso II) é aplicável".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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