O Judiciário poderá ignorar o erro material ou erro grosseiro ou grave cometido pela banca na correção de provas?

21/08/2024 às 17:13
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É cediço que essa questão central envolve o equilíbrio entre a autonomia das instituições de ensino, bancas e a garantia dos direitos fundamentais dos estudantes, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa.

O STF, em diversas ocasiões, debruçou-se sobre casos em que estudantes contestavam a correção de suas provas, alegando que os critérios adotados pelas instituições de ensino foram injustos ou arbitrários. Nesses casos, a Corte tem reiterado que, em princípio, as instituições de ensino possuem autonomia didático-científica, conforme previsto no artigo 207 da Constituição Federal. Isso significa que elas têm liberdade para estabelecer critérios de avaliação, inclusive na correção de provas.

Entretanto, essa autonomia não é absoluta. O STF também reconhece que essa liberdade deve ser exercida dentro dos limites constitucionais, especialmente quando há alegações de violação de direitos fundamentais. Assim, se o aluno demonstrar que houve erro material evidente na correção ou que os critérios utilizados foram claramente desproporcionais ou discriminatórios, o Poder Judiciário pode intervir para garantir a justiça e a legalidade do processo.

A má interpretação da decisão do STF ocorre quando se supõe que a Corte concedeu aos alunos um direito irrestrito de revisão de notas pelo Judiciário. Isso não é verdade. O STF deixa claro que não cabe ao Judiciário substituir os critérios acadêmicos adotados pelas instituições, exceto em casos de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade. Ou seja, o Judiciário não deve atuar como um "corretor de provas", mas pode, sim, garantir que o processo de avaliação respeite os princípios constitucionais.

O fato é que temos nos deparado com uma situação lamentável em que os Tribunais, para evitar julgar, acabam aplicando o tema 485 do STF de forma ampla e genérica. Isso é inaceitável, pois existem casos excepcionais em que a Banca, equivocadamente, prejudica inúmeros candidatos que são obrigados a aceitar uma correção que viola inclusive as normas do próprio edital.

Os erros graves ou materiais ocorrem desde somas de notas ou pontuações pós-recurso não lançadas, até situações em que, em provas práticas, o candidato verbaliza corretamente, mas é ignorado, mesmo estando em conformidade com os gabaritos. Isso pode ser demonstrado inclusive em vídeos, mas o candidato é arbitrariamente reprovado e, em muitos casos, perde o sonho ou a chance de exercer sua profissão.

Portanto, é imprescindível que os direitos fundamentais dos candidatos sejam resguardados, especialmente no que tange ao processo de avaliação e correção dignas. Temos observado o uso abusivo por parte das Bancas examinadoras, que, com base no tema 485 do STF, acreditam estar acima da lei, cometendo excessos em certos casos ou deixando de aplicar uma correção justa, sem reconhecer suas falhas, sejam elas técnicas ou humanas. Isso ocorre muitas vezes com falhas grosseiras ou erros materiais que causam danos irreparáveis aos candidatos, que acabam sendo penalizados por atos abusivos.

E, pior ainda, quando recorrem ao Judiciário na expectativa de uma reparação, muitos são penalizados duplamente, ao verem sua única esperança de justiça se transformar em mais uma injustiça.

Conclui-se, o equilíbrio entre a autonomia das instituições de ensino e a proteção dos direitos fundamentais dos estudantes é uma questão delicada que exige atenção e responsabilidade. Embora o STF tenha reafirmado a importância da autonomia didático-científica das instituições, essa liberdade não pode ser exercida de forma absoluta, especialmente quando violações de direitos fundamentais estão em jogo. A aplicação indiscriminada do tema 485 do STF pelos Tribunais, sem a devida consideração de casos excepcionais, tem levado a injustiças que comprometem a integridade do processo avaliativo e prejudicam a vida e as aspirações profissionais de muitos candidatos.

Portanto, é essencial que tanto as instituições de ensino e as bancas, quanto o Poder Judiciário atuem com rigor e sensibilidade, garantindo que os processos de avaliação sejam justos, transparentes e compatíveis com os princípios constitucionais, evitando assim que a busca por justiça resulte em mais injustiças.

Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.

(Tese definida no RE 632.853, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 23-4-2015, DJE 125 de 29-6-2015, Tema 485)

Sobre a autora
Charliane Maria Silva

Advogada. Especialista em Processo Civil e Direito Administrativo com ênfase em Revalidação de Diploma de Medicina do exterior. Militante pelos médicos brasileiros formados no exterior- MBFEX. Atuação em ações como: Inep/ Revalida, Tramitação Simplificada , Programa Mais Médicos. DIREITO MEDICO: Ética Médica, Deveres Médicos, Publicidade Médico, Responsabilidade ético profissional, processo ético profissional

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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