O Brasil, um país caracterizado por sua diversidade cultural e religiosa, vê o crescimento incessante de igrejas em cada esquina, enquanto setores essenciais como educação, saúde, segurança e moradia permanecem carentes de investimentos significativos. Apesar de a liberdade religiosa ser um princípio fundamental, a proliferação de templos religiosos levanta questões sobre as prioridades governamentais e sociais. Como é possível viver em uma nação onde igrejas se multiplicam, mas escolas de qualidade, hospitais bem equipados e segurança eficiente parecem escassos?
Por que vemos um crescimento das igrejas em vez de um aumento dos serviços essenciais para a população? Embora a religião tenha seu papel, é essencial que o Estado assegure o mínimo de suporte existencial à sua população, conforme estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (CRFB/1988). No ano eleitoral do pleito municipal de 2024, observa-se que os serviços básicos, que atendem as camadas mais vulneráveis da sociedade, estão aquém das necessidades reais. Se a situação já é preocupante em pequenas e grandes cidades, o cenário no Estado e no país como um todo é alarmante. Devemos unir esforços para reverter esse quadro e garantir a dignidade e o bem-estar de todos.
Nos últimos anos, o número de igrejas no Brasil cresceu exponencialmente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2022, havia cerca de 579,7 mil estabelecimentos religiosos, incluindo igrejas, templos, sinagogas e terreiros. Isso representa uma média de 286 locais de fé para cada 100 mil habitantes. Em contraste, o sistema educacional público enfrenta desafios profundos, com apenas 264,4 mil unidades de ensino, como escolas, creches e universidades, ou uma média de 130 unidades para cada 100 mil habitantes. As escolas públicas carecem de infraestrutura adequada, material didático e os professores lutam por salários dignos. Se o país investisse na educação com a mesma intensidade que investe em igrejas, poderíamos formar uma geração de jovens mais preparada para enfrentar os desafios do mundo moderno.
A saúde pública também é uma área crítica que necessita de atenção. Entre hospitais, clínicas e pronto-socorros, foram registradas 247,5 mil edificações, uma média de 122 unidades para cada 100 mil habitantes. Em muitas cidades brasileiras, é mais fácil encontrar uma igreja do que um posto de saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS), que deveria ser uma rede de amparo para todos, sofre com a falta de recursos, profissionais sobrecarregados e filas intermináveis. Um país que privilegia a construção de templos em detrimento de hospitais não estaria, de certa forma, negligenciando o bem-estar de sua população? A fé pode confortar a alma, mas é a saúde que garante a vida.
A segurança pública, um dos pilares de qualquer sociedade desenvolvida, não tem recebido a atenção necessária em várias regiões do Brasil. A violência urbana continua a crescer, e a sensação de insegurança se espalha. O Atlas da Violência de 2023 aponta que o Brasil está entre os países mais violentos do mundo. Em muitos bairros, enquanto o número de igrejas aumenta, a presença policial e as políticas de prevenção ao crime são insuficientes. O resultado é uma população que busca refúgio espiritual, mas continua exposta a riscos diários.
No que diz respeito à moradia, o Brasil enfrenta um déficit habitacional que afeta milhões de famílias. Estima-se que mais de 5,8 milhões de lares brasileiros vivam em condições precárias. Em vez de investir em programas de habitação, que proporcionariam segurança e dignidade a essas famílias, o país parece preferir a construção de mais templos. Essa escolha reflete uma inversão de prioridades que pode comprometer o desenvolvimento social a longo prazo.
O lazer e o bem-estar social, essenciais para a qualidade de vida, também são deixados de lado. Espaços públicos de lazer, que poderiam oferecer alternativas saudáveis e educativas para a população, são substituídos por templos. Em vez de parques, bibliotecas e centros culturais, vemos mais e mais igrejas. Essa substituição, embora atenda à demanda religiosa, limita as opções de entretenimento e aprendizado da população, especialmente dos jovens.
Essa realidade não implica um preconceito contra a religião ou contra os que a praticam. No entanto, levanta a reflexão sobre o papel das igrejas na sociedade brasileira e se, em um cenário ideal, não deveríamos buscar um equilíbrio maior entre o sagrado e o secular. Em um país que valoriza tanto a fé, não seria mais justo que o Estado também oferecesse as ferramentas necessárias para que seus cidadãos vivam dignamente?
Reverter esse quadro exige uma revisão das prioridades governamentais e da alocação de recursos públicos. É urgente investir mais em educação, saúde, segurança e moradia, áreas que impactam diretamente a qualidade de vida da população. Além disso, é fundamental promover um diálogo mais amplo sobre o papel das igrejas na sociedade e como elas podem colaborar com o desenvolvimento social sem sobrepujar as responsabilidades do Estado.
A reflexão que se impõe é sobre o tipo de país que queremos construir. Um futuro onde a fé é exaltada, mas as necessidades básicas são negligenciadas, é sustentável? A história mostra que as grandes nações se ergueram não apenas sobre a espiritualidade, mas sobre a educação, a ciência e o respeito aos direitos humanos. Se almejamos um Brasil mais justo e desenvolvido, é imperativo ajustar nossas prioridades, garantindo que em cada esquina haja não apenas uma igreja, mas também uma escola, um hospital e a segurança que todos merecem.