O presente artigo apresenta a educação pública como fator de reconstrução da família e sua importância na quebra do ciclo geracional da violência doméstica. Esse fator de mudança implica em uma reorganização das disciplinas que compõem a base curricular oferecida pelo Estado, defendendo a criação de disciplinas autônomas que tratem de assuntos cujo objetivo se respalda na promoção de uma família mais segura e saudável, principalmente para a mulher.
É inquestionável que a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi um marco na defesa da mulher no Brasil. Com ela, milhares de mulheres ganharam voz e foram capazes de defender os seus direitos mais preciosos. A realidade da família brasileira foi dividida por essa lei pois nasceu dela a importância de se discutir o respeito à vida e a integridade física da mulher em um lugar onde a intimidade e o sigilo prevalecem: o lar.
É no lar onde se inicia a formação do indivíduo para a vida adulta, onde se educa e ensina valores morais às crianças e onde estas aprendem os modelos de relacionamentos que tomarão para si, na medida em que crescerem. Se a criança é formada em um ambiente onde o amor e o respeito prevalece, logo, esta só poderá replicar em sua vida adulta aquilo que consumiu quando em sua formação, ou seja, o amor. Porém, se na sua família, há o convívio frequente com violência baseada em gênero, questiona-se o que esta criança está aprendendo para a sua futura maioridade.
Com base nisso, a família pode ser a responsável por perpetuar o ciclo de violência doméstica e tal fato pouco é modificado com criações de leis e regulamentos de cunho repressivo pois a repressão, em sua essência, não corrige o problema posto na mesa. Tem-se aí a necessidade da quebra do ciclo de violência com base em uma boa formação moral, emocional e social da família brasileira.
A verdade é que vivemos uma ilusão sobre a família dentro do Brasil. Muitos estudiosos e críticos imaginam a família brasileira como um núcleo de pessoas regidas por uma estrutura familiar patriarcal, onde o homem é a autoridade e controla os outros membros da família, incluindo a esposa, os filhos e os parentes próximos. No entanto, o que se verifica é homens que abandonam a responsabilidade sobre a sua família, deixando o sustento e conservação dessa instituição social a cargo da mulher que, muitas vezes, acumula uma dupla ou tripla jornada de trabalho (cuidado da casa, da renda e dos filhos) enquanto o homem, muitas vezes, não assume sequer a responsabilidade afetiva da sua prole.
Mesmo assim, há o preconceito de que é o homem que sustenta a família no Brasil. De que ele é o provedor e de que a mulher é uma mera coadjuvante da manutenção de recursos básicos para um desenvolvimento dos membros da instituição familiar. Fato é que, a família brasileira é cercada por vários outros mitos e por conta de tais mitos e preconceitos, vão se formando uma ideia de relacionamento familiar onde a mulher sempre estará em uma posição desigual e de vulnerabilidade.
Todo esse contexto fortalece o ciclo de violência. É válido destacar que o ciclo aqui falado não diz respeito ao ciclo de violência estudado nos relacionamentos do agressor e da vítima (fase de tensão, agressão, lua de mel) mas sim do ciclo geracional da violência, onde o filho aprende a agredir sua esposa por parte das ações do seu pai e que, por sua vez, aprendeu a ser um agressor pelo que via da relação do seu avós.
Nesse contexto, também é válido questionar a participação da mulher na formação do homem, dentro do seio familiar. Como, por exemplo, a mãe que educa o seu filho não o preparando para ser uma pessoa independente, capaz de respeitar o espaço da futura esposa ou sendo omissa às primeiras manifestações de machismo que possam vir a prejudicar os seus relacionamentos no futuro.
O menino que não pode lavar louças na casa e a menina que é obrigada a fazer serviços domésticos por tais ações serem coisas “de meninas” e outras serem coisas “de meninos” fazem parte de uma cultura herdada pelos brasileiros e que, no futuro, vão ser determinantes para a perpetuação de diferenças de gênero que possam influenciar em condutas agressivas, preconceituosas ou abusivas onde a principal vítima é a mulher.
Como conclusão, pode-se verificar que a família brasileira atual, por si só, não é capaz de quebrar o ciclo geracional de violência doméstica. Seja por ser conduzida à replicação de atitudes machistas, seja por ideias culturais herdadas de gerações onde a violência era parte das relações familiares. Logo, é obrigação e necessidade da intervenção do Estado na reconstrução familiar brasileira. Isso, dentre outras coisas, pode se dar com uma educação de qualidade e que tenha claramente disciplinas criadas para isso.
Porém, conforme se observa na Base Curricular da Educação Brasileira, tem-se um currículo educacional extremamente pobre no que diz respeito à formação de um cidadão que visa o respeito dentro do seu ambiente familiar. Pode-se provar o alegado citando claramente o fato de não existir na educação pública brasileira disciplinas de estudo com ênfase na formação da inteligência emocional, da inteligência financeira ou de planejamento familiar. Sequer temos a disciplina de primeiros socorros dentro da educação brasileira o que, por si só, já é um absurdo dada o tamanho da sua importância.
Um aluno termina o seu ciclo de estudos basilar sabendo física, química, sociologia e filosofia, mas não tem o conhecimento básico de inteligência emocional ou não sabe como promover uma vida financeira estável. Não sabe como realizar uma massagem cardíaca ou não tem ideia do que é proibido ou não na legislação brasileira. Sabe que a soma dos fatores não altera o produto e que a raiz quadrada de 16 é igual 4, mas nunca teve aulas de planejamento familiar.
Nesse contexto, quantas vidas seriam salvas se, na educação básica brasileira, houvesse uma disciplina de combate à violência doméstica e de promoção da valorização da vida da mulher e da saúde da família?
Um questionamento fácil de se responder, porém, inexistente já que o Estado Brasileiro se preocupa mais em criar leis repressivas e de combate ao problema do que criar mecanismos sociais de prevenção com base na educação moral da criança em desenvolvimento.
Sim. A Lei Maria da Penha é necessária para a atualidade brasileira. Mas o Direito deve se preocupar também com a prevenção do problema social e jurídico. Educar filhos para que não agridam suas esposas é mais importante do que punir aqueles que não tiveram estrutura e conhecimento para evitar situações como essas. Isso pois se corrige dois problemas: a mulher ferida e o homem longe do convívio da sua família.
Tipos de disciplinas curriculares educacionais baseadas em assuntos importantes para a formação da saúde familiar são necessárias pois é possível quebrar qualquer ciclo de violência por meio de uma ressignificação do que a criança vê, sente e constrói na sua realidade.
A implantação de uma ideia nos anos iniciais da formação humana, embora não tenha resultado de forma imediata é indispensável para a mudança social no futuro. Isso pois a educação transforma o indivíduo e essa transformação começa na célula mais íntima dessas relações entre seres humanos: a unidade familiar.
Portanto é necessária a criação de uma nova Base Curricular Nacional, onde tenha como foco principal a criação de disciplinas explícitas e autônomas que viabilizem a prevenção e o combate à violência contra a mulher, a mudança de visão sobre a figura da família brasileira e que seja capaz de influenciar o indivíduo a ter mais saúde emocional e financeira.
Somente a reformulação da visão de família por meio da educação e da criação de disciplinas cidadãs é que haverá a quebra da cultura da agressão dentro da realidade dos lares brasileiros, pois as futuras gerações terão em suas mãos todo o conhecimento necessário para seguir padrões corretos bem como para identificar aquilo que, atualmente, se encontra em desacordo com o padrão a ser seguido.
Muito mais importante do que aprender o teorema de Bhaskara ou o que é uma oração subordinada assindética é saber os seus direitos e deveres como cidadão, aprender que é possível controlar sua emoções de forma saudável de que a mulher merece proteção, respeito e dignidade dentro do seu seio familiar.
E por mais que isso seja óbvio para muitos, o fato de existir tanta violência doméstica nos mostra a necessidade de que a educação básica reforce isso durante todo o decorrer da vida educacional do futuro cidadão. Por conta da realidade a qual se tem no Brasil, o óbvio ainda precisa ser dito.