Gestão de risco em contratos - Licitações

27/08/2024 às 18:03

Resumo:


  • Um bom gestor de risco deve participar ativamente de todo o aspecto estratégico do negócio, conhecendo de onde vêm as receitas da empresa para prevenir prejuízos.

  • A análise e mitigação de riscos em contratos na construção pesada envolvem etapas como diagnóstico, identificação de fatos indesejáveis e avaliação de possíveis soluções.

  • Nos contratos com Administração Pública, o risco está relacionado a interferências externas e atuação dos órgãos de controle, enquanto nos contratos com Clientes Privados, a análise qualitativa dos riscos envolve ferramentas como diagramas de causa e efeito e reuniões de brainstorming.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

 Apresento este meu aprendizado sobre gestão de risco, deixando claro que em qualquer ramo ou atividade, o gestor não pode ficar focado apenas como formal ou legalista, devendo também participar de todo o aspecto estratégico do negócio. Ele tem de saber amiúde de onde vêm as receitas da companhia, para que não surjam nas lições aprendidas as estatísticas de prejuízos ou insucessos.

 Observemos os indicativos do PMBOK, que diz que o

“[...] risco do projeto é um evento ou condição incerta que, se ocorrer, terá um efeito positivo ou negativo sobre pelo menos um objetivo do projeto, como tempo, custo, escopo ou qualidade”.

A análise e a mitigação dos riscos abarcam uma diversidade de procedimentos em que o escopo é elevar ao máximo a possibilidade e o efeito de um evento positivo, e diminuir os episódios de uma ocorrência avessa aos propósitos do projeto.

No mercado da construção pesada, convive-se com diferentes realidades e graus de incerteza, com efeito sobre novos negócios que são intrínsecos a alguma implementação de mudança. Administrar os riscos em contratos é o meio necessário para conter e neutralizar as incertezas. Para isso, uma boa gestão desses deve seguir as seguintes etapas: (i) diagnóstico sobre o que pode mudar, (ii) identificação de fatos indesejáveis, comparando-os com a situação desejável, (iii) classificação dos sintomas e sugestões das causas, (iv) avaliação das possíveis soluções e (v) ações específicas que podem ser adotadas para se implantar a alternativa.

Dessa forma, adota-se uma postura para se perseguir com bom êxito os novos contratos e vislumbrar o que foi proposto a ser alcançado.

 Identificação do risco

 Existem dois tipos de contratos e clientes, sobre os quais discorrerei a seguir.

O primeiro é a Administração Pública, que majoritariamente escolhe os seus contratos por empreitada a preço unitário. No passado, esses eram lastreados pela Lei n.º 8.666/93 e havia dois tipos de risco nesse tipo de contrato: as interferências externas ambientais, como o IPHAN, a FUNAI, locais de quilombo, o Ibama, CRAB / MAB e etc.; e a atuação dos órgãos de controle, como o TCU, o CGU, o TCE  e  o TCM.

Com o advento da nova lei de licitações, Lei n.º 14.133/21, ocorreu uma importante contribuição para se resgatar a objetividade dessa norma.

Um tema enfrentado sempre com muita cautela nas licitações e contratações públicas é a desclassificação das propostas inexequíveis nos serviços de engenharia. Ela é vista com uma certa leniência por parte dos órgãos de controle e demais intérpretes da norma, que deixavam de aplicar a regra objetiva identificada no artigo 48, parágrafo II, inciso 1, alíneas a e b da antiga Lei n.º 8.666/93, privilegiando uma flexibilidade ou uma presunção de exequibilidade em que, embora determinado licitante tenha ofertado um preço 70% menor do que o orçado pela administração, ou abaixo da média aritmética prevista no texto, ainda assim poderia comprovar a exequibilidade de seu preço em vez de ser desclassificado do certame, conforme a regra indicada em seu caput.

Já o segundo tipo é o Cliente Privado, cujos contratos se dão, na maioria das vezes, com um preço fixo global (fixed price ou turn-key lump sum) e com o risco maior sendo da parte contratada. A análise qualitativa desses riscos envolve o uso das seguintes ferramentas: diagramas de causa e efeito; listas de verificações (checklists); reuniões de brainstorming; e consultas a documentos, com pessoas, sobre situações e projetos já executados (lições aprendidas).

 Através desses métodos, pode-se observar o impacto dos fatores de risco identificados e da probabilidade de sua ocorrência em novos contratos.

Anteriormente, pela já citada Lei n.º 8.666/93, os riscos externos eram classificados como médios, pois existiam alternativas para se perseguir reivindicações do tipo claim, tanto com as revisões de projeto em fase de obras, quanto com a judicialização do desequilíbrio econômico-financeiro.

No RDC, com a Lei n.º 12.462/11, o risco é alto, pois atualmente poucas empresas têm expertise nessa (aventuraram) área. Por isso, simplifica-se a exigibilidade da capacidade e da atestação vigorosa das concorrentes, e nivela-se os preços para baixo, junto do risco do projeto, a modalidade integrada, que fica com o contratado, que raros os casos poderá reivindicar uma equação econômico-financeira desequilibrada.

Quanto ao turn-key lump sum, o risco é alto. No histórico dos contratos dessa modalidade, diversas foram desfavoráveis para a contratada, e as negociações para cobrir os prejuízos e aportes suportados em desnível do empreendimento não tiveram o sucesso esperado.

 Nele, as principais ferramentas para a análise quantitativa dos riscos são: análise de sensibilidade; árvore de decisão; e método de simulação.

Nos contratos públicos, está sendo identificado um inédito aumento substancial dos problemas nas áreas quilombolas e de patrimônio histórico e ambiental, com cavernas ou animais em risco de extinção, atravessadas pelo traçado de ferrovias, rodovias e UHE’s. Esse tipo de questão paralisa o contrato até que uma solução mitigadora seja encontrada, o que por vezes pode demorar muitos anos e acabar inviabilizando o empreendimento.

No início do RDC, 70% dos contratos assinados não evoluíram bem por problemas no projeto básico e executivo. Descobriu-se depois interferências inimagináveis na execução, quando o desequilíbrio do eventograma provocou um descompasso econômico-financeiro.

Já nas hidrelétricas, em boa parte das PCH’s as contratantes privadas por contrato global perseguiram seu lucro em cima das construtoras ávidas em conseguir atestação nessa modalidade. Acostumadas a depois reivindicarem reequilíbrio como nos contratos públicos, essas empreiteiras amargam prejuízos.

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 Plano de resposta ao risco

 Agora, irei discorrer sobre as principais técnicas de respostas aos fatores de risco percebidos.

 Exclusão: no caso de um contrato global, negociar antecipadamente a assinatura do contrato, e caso a negociação não seja aceita pelo contratante, é melhor não acolher o contrato e tentar incluir o risco no orçamento.

Transferência: no caso de um RDC integrado transferir o risco a um seguro ou à garantia de um performance bond bem estruturado, é necessário observar as ocorrências com contratados anteriores, e quais são as medidas adotadas em situações de desajuste performático (que fim tomou).

Mitigação: adotar redução de impacto ou probabilidade de ocorrência de fatores de risco, numa tabela considerável de aceitação (construção pesada), unindo os processos de qualidade total e ISO-9000 aos de propostas e contratação menos complexos, conduzindo mais testes sísmicos e de engenharia, escolhendo fornecedores mais estáveis, alterando as condições para que a probabilidade da ocorrência do risco seja reduzida; aperfeiçoar a área de gestão de talentos (Gente e Gestão), tornando-a estratégica e não simplesmente autocrática-legalista; pesquisar in loco sobre a existência de mão de obra local e a real produtividade em função dos aspectos locais, como meteorologia, clima, condições materiais (distância dos insumos) e oportunidades, antes da apresentação do estudo da proposta de preços.

Aceitação: constituir um fundo de reserva para contingência, a ser utilizado caso os riscos aconteçam (essa resguarda não faz parte do orçamento da obra).

 A seguir, cito alguns exemplos do que uma boa gestão de riscos poderia ter evitado.

 Numa UHE no Rio Uruguai entre os anos de 1996 e 1999 (cliente privado), confiou-se num estudo de produtividade de 90%, e durante a execução, verificou-se um período demasiado longo de neblina e umidade, restringindo o operacional, devido ao índice alto de gripe e ao comprometimento da visibilidade. Nessa proposta, foi aplicada a tabela de salários do sindicato local, não houve um estudo prévio in loco sobre a existência ou não de mão de obra na região, sendo que após a infrutífera atuação, quase todo contingente teve de ser importado de outros estados. Nas UHE's no PR/SP o salário era muito maior; inicialmente aventava-se a possibilidade de que toda a contratação seria local; os novos candidatos não aceitaram ir para um local distante, em que poderiam ganhar um salário igual ou inferior ao já praticado. Não haveria nem o mínimo de pessoal alojado, e não tendo o pagamento de despesas de viagem e baixadas, isso não foi dimensionado na proposta de preços. Nessa barragem, também se confiou no estudo da contratante, com poucos furos geológicos e antigos. Na execução, houve overbreak, com a sobre-escavação da rocha tendo o acréscimo de escavação-limpeza-carga-transporte e preenchimento com concreto, tudo isso sem estar nos preços contratados, nem precisa dizer que o claim não prosperou.

Já outro projeto de duplicação numa BR no Nordeste, foi contratado o projeto com preços médios listados no SICRO. Na execução, houve atrasos consideráveis na emissão das ASVs (supressão vegetal) pelo Governo, devido ao conflito de povos originários que não saíam da faixa de domínio e de seu Órgão ter demorado a dar uma solução para as suas reivindicações. O índice pluviométrico local também dobrou, em comparação ao adotado no projeto; imaginem como ficou o resultado econômico-financeiro desse contrato e sua perseguição do desequilíbrio?

Por fim, salvo engano e exceções, outrora as equipes de gestão de propostas faziam seus estudos quase que sempre a toque de caixa, ou aos atropelos em virtude dos prazos exíguos, sem o rígido e técnico estudo in loco (Gente, Insumos x DMT e QSMS), teoricamente esses deveriam ser feitos ou subsidiados pelas outras áreas da organização na etapa de identificação e não na de resposta.

Hodiernamente como as novas ferramentas de TI/C e AI, portanto, espera-se ter havido mudança significativa no que se refere à adoção de novas práticas!

SMJ

 

Sobre o autor
Paulo César Dula

Advogado, pós graduado em direito e processo do trabalho, com MBA/FGV em: GE - Estratégia; Gestão de Projetos e também foi especialista em gestão de talentos

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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