Construí no terreno do meu já falecido sogro e logo depois meu marido faleceu. Como fica minha casa nesses Inventários?

28/08/2024 às 15:28

Resumo:


  • A construção em terreno alheio pode acarretar perda da edificação para o proprietário do terreno, conforme o Código Civil.

  • O acessório segue o principal, ou seja, a construção feita em terreno alheio pertence ao dono do terreno, podendo gerar complicações em casos de falecimento do titular.

  • A viúva de um falecido que construiu em terreno alheio não terá direito à herança da construção, mas poderá pleitear indenização contra o Espólio, dependendo das circunstâncias.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O TÃO CONHECIDO problema da construção no terreno alheio pode trazer consequências perturbadoras para os envolvidos, como já falamos aqui diversas vezes. Tudo pode começar com a "boa intenção" em permitir a construção no terreno do parente (geralmente pais dele ou dela) e os problemas certamente virão com o tempo... essa é a regra que, claro, admite exceções. A situação passa a se agravar ainda mais quando diversos INVENTÁRIOS são atrelados ao caso. Segundo regra do Código Civil, quem edifica em terreno alheio perde a construção para quem é o dono do terreno. Assim define claramente o atual artigo 1.255:

"Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização".

A incensurável doutrina dos ilustres professores MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO e J.M. LEONI LOPES DE OLIVEIRA (Direito Civil - Coisas. 2019) esclarece:

"(...) Aqui se prevê a consequência jurídica de quem semeia, planta ou edifica com material próprio em terreno alheio, estabelecendo pertencer ao DONO DO SOLO aquilo que for acedido no terreno, ao passo em que se assegura o direito à INDENIZAÇÃO ao construtor ou plantador durante o período em se encontrava de boa-fé, ou seja, sem saber que a titularidade pertencia a outrem, nos mesmos moldes do direito assegurado no artigo 1.219 do Código Civil, que cuida da confecção de benfeitorias de boa-fé no solo alheio. A principalidade do solo em relação à acessão e a vedação ao enriquecimento sem causa constituem fundamentos das regras que asseguram a propriedade da coisa cedida mediante indenização na hipótese de boa-fé do possuidor" .

Com toda razão, seguindo o princípio de direito de que o acessório segue o principal, a coisa construída sobre o terreno passa a pertencer ao dono do terreno e a situação se agrava ainda mais quando o titular desse terreno é um ESPÓLIO, na medida em que a propriedade não regularizada gravitará em favor dos herdeiros deixados pelo "de cujus", num condomínio legal (art. 1.784 do CCB): em outras palavras, quem constrói no terreno de sogro falecido perderá para o Espólio (ou seja, para a massa de bens deixada pelo morto) aquela edificação que deverá ser partilhada entre todos herdeiros do defunto, como apontam as regras do Código Civil. Terá direito à indenização se obrou com boa-fé, conforme regra do art. 1.255 citado. Mas há como agravar ainda mais a questão: a depender do regime de bens e de qual situação houve o falecimento do marido (que também seria herdeiro do titular do terreno - e da casa que sobre ele foi edificada - no caso hipotético) pode ou não a suposta "viúva" ter direito à indenização que poderia ter direito o falecido marido (herdeiro do viúvo) na medida em que - não podemos nos esquecer - ainda se trata de uma edificação erigida em terreno de terceiros (sogro/genitor).

Ora, quem falece tendo deixado construção feita em terreno alheio, via de regra, não deixa como herança o imóvel mas sim, eventual direito à indenização que deverá ser dirigida contra o Espólio e só poderá se concretizar se preenchidos os requisitos do art. 1.255 citado acima. Não menos certo ainda que para fins de herança (inclusive a suposto direito à indenização) deverão ser observadas as regras do atual art. 1.830 do CCB, assim como art. 1.829 (os quais, ressalvamos, estão em vias de modificação no Senado Federal).

Pior ainda é compreender que em casos assim a viúva não deverá ter nem mesmo alegado "Direito de Habitação" (art. 1.831) naquela acessão levantada: é que para que tal direito seja cogitado é preciso que o "imóvel" destinado à residência da família tenha inclusive sido da PROPRIEDADE do "de cujus". Mais uma vez a lição irretocável é dos festejados doutrinadores já citados (Direito Civil - Sucessões. 2019) que ensinam:

"O primeiro aspecto a ser observado é que o imóvel residencial que se destinava à residência da família há de ser de PROPRIEDADE do autor da herança. Por isso, no caso de imóvel em que o de cujus era mero usufrutuário, não será reconhecido direito real de habitação do cônjuge ou companheiro supérstite. O mesmo se diga se o imóvel em que residiam o falecido e cônjuge ou companheiro supérstite pertencia a TERCEIRO, ainda que herdeiro" .

PORTANTO, resta claro que sobre a construção levantada em terreno de terceiros (cuja propriedade se adere, cf. regra do art. 1.253 c/c 1.255) não deverá mesmo a viúva receber quinhão hereditário - já que nem mesmo a "casa" era dela, uma vez construída em terreno alheio - podendo cogitar - a depender do caso e com todas as muitas ressalvas - eventual indenização em face do Espólio, nos limites de sua meação, se cabível... Poderá também, se for o caso, lhe tocando direito hereditário ao que seu falecido marido deixou, desde que respeitado o citado art. 1.830, quiçá pleitear direito hereditário à eventual direito de indenização que poderia pertencer ao falecido, além de eventualmente uma parte no que o falecido venha a receber do seu genitor do Espólio do Sogro - porém tudo dependerá das peculiaridades de cada caso e da observação das regras sucessórias aplicáveis ao caso concreto.

POR FIM, a jurisprudência do TJMG, ainda que lapidada sob a égide do CC/1916 permanece válida e pertinente, senão vejamos:

"TJMG. 2963620/MG - 2.0000.00.296362-0/000 (1). J. em: 22/02/2000. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CASA EDIFICADA EM TERRENO ALHEIO, DE PROPRIEDADE DO PAI E SOGRO DOS LITIGANTES - BOA-FÉ - ACESSÃO - PERDA EM FAVOR DO PROPRIETÁRIO DO SOLO - IMPOSSIBILIDADE DE PARTILHAMENTO -- INDENIZAÇÃO DEVIDA." O dono do solo adquire, efetivamente, a construção feita, com a obrigação de indenizar, tratando-se de construtor de BOA-FÉ. Para esse efeito, a doutrina e a jurisprudência fixaram o entendimento de que benfeitorias e acessões têm conceitos análogos, confundindo-se na sua terminologia, reconhecendo-se a ambas o direito de indenização e de retenção ". Construída pelos cônjuges casa residencial sobre a laje da residência de propriedade do pai de um deles, COMPROVADA A BOA-FÉ e, ao ensejo do falecimento do patriarca, passando o imóvel ao domínio do ESPÓLIO, terá o construtor direito de ser ver indenizado pelo que efetivamente gastou na construção, sendo que a partilha decorrerá do inventário".

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FICA SEMPRE o valioso conselho: não construa em terreno alheio - evite problemas.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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