Mudanças no procedimento de leilão extrajudicial de imóveis com a edição do Marco Legal das Garantias

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Introdução: O que é um Leilão Extrajudicial?

O leilão extrajudicial é um procedimento utilizado para a venda de bens dados em garantia, como imóveis, sem a necessidade da intervenção de trâmites judiciais. Esse tipo de leilão é geralmente utilizado quando há inadimplência em contratos garantidos por alienação fiduciária, hipoteca ou outros tipos de garantias reais. O objetivo é liquidar o bem para satisfazer a dívida do devedor de forma mais rápida e menos onerosa do que o leilão judicial, um processo mais formal e rigoroso1.

No caso do inadimplemento do contrato de alienação fiduciária, a execução do contrato se fará pela via extrajudicial, no registro de imóveis, por meio de requerimento do credor fiduciário. No inadimplemento do devedor, conjugado com o esgotamento do prazo de carência, o credor fiduciário provocará o oficial de registro que notificará o devedor fiduciante, via intimação pessoal, para purgar a mora no período de 15 dias, segundo o parágrafo 1º do artigo 126 da Lei nº 9.514/972, conforme atualizado pelo Marco Legal das Garantias3. Purgada a mora, o registrador de imóveis deverá repassar os valores para o credor, no prazo de 3 dias, extinguindo o procedimento extrajudicial, segundo o parágrafo 6º do mesmo artigo.

Dessa forma, a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário será um ato de averbação na matrícula do imóvel, quando o débito estiver vencido e a mora não for purgada pelo devedor4.

Entretanto, embora a garantia fiduciária permita a rápida retomada do imóvel, esta não permite que o credor fiduciário permaneça com o bem dado em garantia, sendo o credor obrigado a levar o bem a leilão, diante do que dita o artigo 1.365 do Código Civil5.

Nesse sentido, estabelece-se que, dentro do prazo de 60 dias – atualizado pelo Marco Legal das Garantias, contados a partir do registro da consolidação da propriedade em favor do credor, este deverá promover um primeiro leilão extrajudicial destinado à alienação do imóvel, nos moldes do caput do artigo 27, da Lei 9.514/976.

Aprimoramento das regras de execução extrajudicial da alienação fiduciária

O Marco Legal das Garantias trouxe algumas mudanças para o aprimoramento das regras de execução extrajudicial, de forma que, em decorrência dessas atualizações, o credor deverá promover o primeiro leilão extrajudicial, no prazo de 60 dias após a consolidação da propriedade7. Adicionalmente, de modo a trazer mais celeridade ao procedimento, a nova lei permite a intimação do leilão por meio eletrônico, segundo o parágrafo 10 do artigo 278.

Se o devedor não for encontrado no endereço fornecido, a intimação poderá ser feita por edital. Entretanto, caso haja um contato eletrônico informado no contrato, essa via de comunicação deverá ser utilizada antes da intimação por edital. Essas medidas garantem que o devedor seja devidamente notificado, protegendo seus direitos e assegurando a transparência do processo​9​.

No que tange ao primeiro leilão, o valor mínimo do imóvel deve ser o valor estabelecido no contrato ou o valor definido pelo poder público para imposto de transmissão intervivos (ITBI), prevalecendo o maior valor. Esta regra assegura que o imóvel não seja vendido por um valor inferior ao seu valor de mercado, protegendo os interesses do devedor e do credor, tal regra não foi alterada pelo Marco Legal. Assim, se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, deverá ser realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes. 

No segundo leilão continuará sendo aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, mais os acréscimos previstos na lei. Contudo, ficou estabelecido que, caso não haja lance que atenda a tal referencial mínimo para arrematação, o credor poderá, a seu exclusivo critério, aceitar lance que corresponda, a pelo menos, metade do valor de avaliação do bem10.

Ainda, quando, nesse segundo leilão, não for oferecido lance pelo menos igual ao valor de referência, o credor terá duas opções: i) ficar com o imóvel a qualquer tempo, extinguindo a dívida, garantindo a recuperação do crédito de forma mais eficiente e rápida, reduzindo o tempo e os custos envolvidos no processo de execução; ou ii) em 180 dias, realizar a venda direta do imóvel a terceiro pelo valor mínimo referencial, dispensado novo leilão, segundo o parágrafo 5º do artigo 27, estando ainda o credor, nestes termos, desobrigado a entregar ao devedor a importância que sobejar, oriunda da venda do imóvel, em exceção ao que dita o parágrafo 4º do mesmo artigo11.

Essa alteração beneficia os credores fiduciários que, diante da ausência de mercado para leiloar o bem por preço considerado como mínimo aceitável, poderão permanecer com o bem e empenhar seus melhores esforços para concretizar uma venda direta, caso no qual poderão embolsar o preço, em momento oportuno.

Sem prejuízo, vale ressaltar que, se o produto do leilão não for suficiente para o pagamento integral do montante da dívida, esta não mais será extinta, tal como previsto antes desse novo Marco Legal. Nesse sentido, o devedor continuará obrigado pelo pagamento do saldo remanescente, que poderá ser cobrado por meio de ação de execução e, se for o caso, excussão das demais garantias existentes, segundo o parágrafo 5º-A, do artigo 2712.

Ficou também positivado na norma que os direitos reais de garantia ou constrições, inclusive penhoras, arrestos, bloqueios e indisponibilidades de qualquer natureza, incidentes sobre o direito real de aquisição do fiduciante não obstam a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e a venda do imóvel para realização da garantia. Diante desse evento, os titulares dos direitos reais de garantia ou constrições sub-rogam-se no direito do fiduciante à percepção do saldo que eventualmente restar do produto da venda, conforme artigo 27, parágrafo 11º, da Lei 9.514/97, conforme alterada13.

Ainda, foi estabelecido um procedimento para execução extrajudicial nas operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de 2 (dois) ou mais imóveis, na hipótese de não ser convencionada a vinculação de cada imóvel a determinada parcela da dívida, no caput do artigo 27-A da Lei 9.514/9714. Nessa hipótese o credor fiduciário poderá promover a excussão em ato simultâneo, por meio de consolidação da propriedade e leilão de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos, por meio de consolidação e leilão de cada imóvel em sequência, à medida do necessário para a satisfação integral do crédito.

Por fim, restou normatizado, no parágrafo único do artigo 30 da mesma lei, que as ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de notificação do devedor e, se for o caso, do terceiro fiduciante, não obstarão a reintegração de posse uma vez arrematado o imóvel ou consolidada definitivamente a propriedade no caso de frustração dos leilões, e serão resolvidas em perdas e danos.

Considerações Finais

As alterações trazidas pelo Novo Marco Legal das Garantias visam proporcionar maior segurança jurídica e eficiência nos procedimentos de leilão extrajudicial, garantindo que o credor fiduciário não seja prejudicado pela frustação dos leilões, nos casos em que o valor da dívida é maior do que o da garantia.

As novas regras de avaliação, intimação e extinção da dívida representam um avanço significativo, buscando estabelecer a nova lei como uma “pedra fundamental” na concessão de crédito imobiliário, trazendo mais modernidade, celeridade e confiabilidade para o procedimento, beneficiando tanto os tomadores quanto credores no âmbito dos mercados financeiro e de capitais, reduzindo custos, ampliando a concessão de crédito, bem como a eficiência e a segurança jurídica na execução de garantias.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 12 de ago. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023. Dispões sobre o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito: “Marco Legal das Garantias”. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/950952-novo-marco-legal-das-garantias-altera-regras-sobre-leilao-de-imovel-dado-como-garantia. Acesso em: 06 ago. 2024.

BRASÍLIA. Novo marco legal das garantias. Câmara Dos Deputados, Brasília. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/950952-novo-marco-legal-das-garantias-altera-regras-sobre-leilao-de-imovel-dado-como-garantia. Acesso em: 06 ago. 2024.

GRIGOLIN, Rodrigo. Uma alternativa ao leilão extrajudicial de bem imóvel na alienação fiduciária. Revista de Direito Notarial. São Paul0, 2021. Disponível em: file:///C:/Users/Yasmin/Downloads/28-Texto%20do%20artigo-88-1-10-20210731.pdf. Acesso em: 08 ago. 2024.

LOPES, Gabriel Signor. Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis: da problemática de insubsistência do segundo leilão extrajudicial, possíveis soluções e a figura do pacto marciano. Universidade Federal de Uberlândia, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/39454/1/Aliena%c3%a7%c3%a3oFiduci%c3%a1riaGarantia.pdf. Acesso em: 08 ago. 2024.


  1. LOPES, Gabriel Signor. Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis: da problemática de insubsistência do segundo leilão extrajudicial, possíveis soluções e a figura do pacto marciano. Universidade Federal de Uberlândia, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/39454/1/Aliena%c3%a7%c3%a3oFiduci%c3%a1riaGarantia.pdf. Acesso em: 08 ago. 2024.

  2. BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

  3. BRASIL. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023. Dispões sobre o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito: “Marco Legal das Garantias”. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/950952-novo-marco-legal-das-garantias-altera-regras-sobre-leilao-de-imovel-dado-como-garantia. Acesso em: 06 ago. 2024.

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  4. LOPES, Gabriel Signor. Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Imóveis: da problemática de insubsistência do segundo leilão extrajudicial, possíveis soluções e a figura do pacto marciano. Universidade Federal de Uberlândia, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/39454/1/Aliena%c3%a7%c3%a3oFiduci%c3%a1riaGarantia.pdf. Acesso em: 08 ago. 2024.

  5. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 12 de ago. de 2024.

  6. BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

  7. BRASIL. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023. Dispões sobre o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito: “Marco Legal das Garantias”. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/950952-novo-marco-legal-das-garantias-altera-regras-sobre-leilao-de-imovel-dado-como-garantia. Acesso em: 06 ago. 2024.

  8. BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

  9. BRASÍLIA. Novo marco legal das garantias. Câmara Dos Deputados, Brasília. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/950952-novo-marco-legal-das-garantias-altera-regras-sobre-leilao-de-imovel-dado-como-garantia. Acesso em: 06 ago. 2024.

  10. BRASÍLIA. Novo marco legal das garantias. Câmara Dos Deputados, Brasília. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/950952-novo-marco-legal-das-garantias-altera-regras-sobre-leilao-de-imovel-dado-como-garantia. Acesso em: 06 ago. 2024.

  11. BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

  12. _______. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

  13. BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

  14. _______. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm. Acesso em: 06 ago. 2024.

Sobre os autores
Lucas Fulanete Gonçalves Bento

Advogado e treinador titular-responsável pelo Núcleo de Arbitragem e Mediação da FDRP-USP, formado em Direito pela Universidade de São Paulo, com período sanduíche na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, mediante Bolsa de Estudos de Mérito Acadêmico- USP. Concluiu o programa Análise Econômica do Direito Societário e Contratos Comerciais do Instituto Coase-Sandor de Direito e Economia da Universidade de Chicago e desenvolveu seus estudos de pós-graduação, nível mestrado, em Direito Comercial na Universidade de São Paulo. Atualmente é Pesquisador e Doutorando na Universidade de Hamburgo com financiamento Albrecht Mendelssohn Bartholdy Graduate School of Law e vinculado à cadeira de Law & Economics do Institut für Recht und Ökonomik. Atuo com Consultivo e Contencioso Estratégico de Direito Societário, Mercado de Capitais e Contratos Comerciais, incluindo processos administrativos e sancionadores CVM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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