Dos crimes contra o sistema financeiro nacional: considerações gerais

29/08/2024 às 11:29
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1. INTRODUÇÃO

 

O Sistema Financeiro Nacional (SFN) é formado por um conjunto de órgãos normativos, entidades fiscalizadoras e operadores, com a função de gerir a política monetária do governo federal, como o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (BACEN), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), bancos e caixas econômicas, bolsa de valores, administradoras de consórcios, cooperativas de crédito, corretoras e distribuidoras, entre outros.

Por essa razão, torna-se necessária a existência de um corpo de Leis e Normas que regule o funcionamento desse sistema, fomentando o bem-estar econômico da sociedade.

Nesse contexto, há de se destacar a relevância da Lei nº 7.492/86, de 16 de junho de 1986, a chamada “Lei do Colarinho Branco”, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN), praticados não só por administradores e diretores de instituições financeiras, mas por qualquer indivíduo que lese a ordem econômica do país.

Este breve comentário pretende examinar, de forma geral, a supracitada Lei e seus tipos penais, nos limites que os definem.

            Para efeito e aplicação da suprarreferida legislação, considera-se instituição financeira, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

            São equiparados à instituição financeira:

a)     a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

b)    pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia; e,

c)     a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas acima, ainda que de forma eventual.

 

2. DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

 

        Os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tipificados pela legislação em comento, são os seguintes:

a)     imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em circulação, sem autorização escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de título ou valor mobiliário; a pena prevista é de reclusão de dois a oito anos, e multa; outrossim, incorre na mesma pena quem imprime, fabrica, divulga, distribui ou faz distribuir prospecto ou material de propaganda relativo aos papéis acima referidos;

b)    divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa; gerir fraudulentamente instituição financeira; a pena prevista é de reclusão de três a doze anos, e multa, entretanto, se a gestão é temerária, a pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa;

c)     apropriar-se, o controlador e os administradores de instituição financeira e/ou o interventor, o liquidante ou o síndico, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa – incorrerá na mesma pena quem, das pessoas supramencionadas, negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem de direito;

d)    induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa;

e)     emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários falsos ou falsificados, sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados, sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da legislação e sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida; a pena prevista é de reclusão, de dois a oito anos, e multa;

f)     exigir, em desacordo com a legislação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários; a pena prevista é de reclusão, de um a quatro anos, e multa;

g)    fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo inserir, em documento comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele deveria constar; a pena prevista é de reclusão, de um a cinco anos, e multa;

h)    fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários; a pena prevista é de reclusão, de um a cinco anos, e multa;

i)      manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação; a pena prevista é de reclusão, de um a cinco anos, e multa;

j)      deixar, o ex-administrador de instituição financeira, de apresentar, ao interventor, liquidante, ou síndico, nos prazos e condições estabelecidas em lei as informações, declarações ou documentos de sua responsabilidade; a pena prevista é de reclusão, de um a quatro anos, e multa;

k)    desviar bem alcançado pela indisponibilidade legal resultante de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira; a pena prevista é de reclusão, de dois a seis anos, e multa – incorrerá na mesma pena o interventor, o liquidante ou o síndico que se apropriar do bem supramencionado, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio;

l)      apresentar, em liquidação extrajudicial, ou em falência de instituição financeira, declaração de crédito ou reclamação falsa, ou juntar a elas título falso ou simulado; a pena prevista é de reclusão, de dois a oito anos, e multa – incorrerá na mesma pena o ex-administrador ou falido que reconhecer, como verdadeiro, crédito que não o seja;

m)   manifestar-se falsamente o interventor, o liquidante ou o síndico, à respeito de assunto relativo a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira; a pena prevista é de reclusão de dois a oito anos, e multa;

n)    fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio; a pena prevista é de reclusão de um a quatro anos, e multa;

o)    tomar ou receber crédito, o controlador e os administradores de instituição financeira e/ou o interventor, o liquidante ou o síndico, ou deferir operações de crédito vedadas, observado o disposto no art. 34, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa – incorrerá na mesma pena quem em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador da sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento, nas condições referidas neste artigo e de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber lucros de instituição financeira;

p)    violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício; a pena prevista é de reclusão de um a quatro anos, e multa;

q)    obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa – a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento;

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r)     aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa;

s)     atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de câmbio; a pena prevista é de detenção de um a quatro anos, e multa – incorrerá na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa;

t)      efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País; a pena prevista é de reclusão de dois a seis anos, e multa – incorrerá na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente; e,

u)    omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a preservação dos interesses e valores da ordem econômico-financeira; a pena prevista é de reclusão de um a quatro anos, e multa.

 

3. DA APLICAÇÃO E DO PROCEDIMENTO CRIMINAL

 

São penalmente responsáveis o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores e os gerentes. Equiparam-se aos administradores de instituição financeira o interventor, o liquidante ou o síndico.

Nos crimes previstos na legislação em comento, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que, através de confissão espontânea, revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

            A ação penal, por sua vez, será promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), perante a Justiça Federal (JF). Entretanto, sem prejuízo do disposto no art. 268, do Código de Processo Penal, será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil (BACEN) quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização.

            Quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o ofendido poderá representar ao Procurador-Geral da República (PGR), para que este a ofereça, designe outro órgão do Ministério Público Federal (MPF) para oferecê-la ou determine o arquivamento das peças de informação recebidas.

            Quando, no exercício de suas atribuições legais, o Banco Central do Brasil (BACEN) ou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), verificar a ocorrência de crime previsto nesta legislação ora comentada, disso deverá informar ao Ministério Público Federal (MPF), enviando-lhe os documentos necessários à comprovação do fato. O mesmo se diz em relação a conduta a ser observada pelo interventor, liquidante ou síndico que, no curso de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.

            O órgão do Ministério Público Federal (MPF), sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos na legislação em questão. O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição acima prevista.

            Sem prejuízo do disposto no art. 312, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto na Lei aqui comentada poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada.

            Nos crimes previstos na comentada e punidos com pena de reclusão, o réu não poderá prestar fiança, nem apelar antes de ser recolhido à prisão, ainda que primário e de bons antecedentes, se estiver configurada situação que autoriza a prisão preventiva.

            Na fixação da pena de multa relativa aos crimes previstos, o limite a que se refere o § 1º do art. 49, do Código Penal, pode ser estendido até o décuplo, se verificada a situação nele cogitada.

 

4. REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986.

BRASIL. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, 03 de outubro de 1941.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.

Sobre o autor
José Márcio de Almeida

Advogado. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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