Violência obstétrica no contexto do parto: uma realidade dolorosa...

06/09/2024 às 13:44
Leia nesta página:

Bruno Marini: Professor de Direito, Biodireito e Bioética na UFMS.

O período da gestação é idealizado pelo casal como uma ocasião muito especial de cuidados com a gestante e o bebê. Também é um momento em que pai e mãe buscam registrar e compartilhar sentimentos de carinhos para relembrarem por toda a história do casal e da vida do futuro filho. O dia do parto é ainda mais aguardado e se trata de uma experência única, tanto para a mãe, quanto para o pai. Uma mistura de ansiedade, preocupação e alegria vai assumindo as emoções dos pais. Assim, o que ocorrerá na unidade de saúde poderá estigmatizar a vida do casal, do restante da família e do próprio bebê.

A Organização das Nações Unidas estimam que nos últimos vinte anos, uma em cada quatro mulheres no Brasil sofreram violência obstétrica1. A violência obstétrica aqui analisada se caracteriza pela agressão física (incluindo até mesmo estupro), emocional, insensibilidade ou humilhação em relação a gestante que ingressa em unidade de saúde para a realização do parto. Muitas vezes se configura por meio de xingamentos, sarcasmos, sátiras, ameaças de abandono e atitudes discriminatórias. As vítimas mais recorrentes são mulheres de baixo poder aquisitivo (a maioria negras e pardas), solteiras e/ou desacompanhadas, mas pode ocorrer com qualquer mulher. Pode provocar sensação de medo, insegurança, desamparo, desespero, revolta e depressão na gestante e seus familiares (além de afetar a saúde do próprio bebê).

Algumas expressões comuns utilizadas nesta ocasião, são:

- “na hora de fazer o filho foi bom, agora grita de dor.”

- “pare com este escânda-lo, se não vou deixar você sozinha aqui.”

- “se você continuar com essa gritaria, vou te furar todinha.”

- “para que tudo isso? Ano que vem você está aqui de novo.”

- “chorando desse jeito você parece uma menina, não uma mulher”.

- “olha como ela está gorda, como o marido aguenta?”

Da mesma forma, a proibição ou restrição no ingresso de acompanhantes também é uma violação clássica dos direitos da gestante. Neste sentido, o art. 19-J da Lei 8.080/90, alterado pela Lei 11.108/05, determina:

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.         

§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.        

(...).

§ 3o Ficam os hospitais de todo o País obrigados a manter, em local visível de suas dependências, aviso informando sobre o direito estabelecido no caput deste artigo. 

Exigências de que o acompanhante seja o pai, uma mulher, alguém da família ou profissional da área médica também são ilegais. O acompanhante pode ser qualquer pessoa indicada pela gestante. O direito é assegurado a todas as gestantes, tanto em unidade de saúde pública, quanto privada (bastando ser conveniada ao SUS), e não pode ser condicionado a existência de plano de saúde ou cobrança de taxas (o que é ilegal). O direito também vale tanto para o parto normal, quanto para a realização de cesária.

Outro problema é a prática de “episiotomia” (regra geral, em parto normal), sem ou contra o consentimento da paciente. Este procedimento se caracteriza por incisão na “vulva”, realizando um corte na entrada da “vagina”, desestruturando o “períneo” da mulher. Muitas vezes é feito sem anestesia e sua necessidade médica é questionável. Neste contexto também se configura como um ato de violência e viola os princípios da “autonomia da paciente” e do “consentimento informado”. O mesmo se aplica a “manobra de Kristeller”, a qual consiste em pressionar o abdome da gestante para assegurar ou acelerar o nascimento. Ultrapassado e sem base científica, pode gerar danos a gestante e ao bebê.

Infelizmente, muitas pacientes que passam por tais situações traumáticas acabam não denunciando a equipe médica que praticou tais atitudes. Outras vezes, denunciam apenas nos conselhos regionais de medicina, os quais, muitas vezes, não punem os profissionais em decorrência do espírito corporativista existente. O assunto necessita ser levado às mais variadas instituições: polícia civil, Ministério Público, OAB (a qual geralmente possui uma “Comissão” relacionada as áreas do Biodireito ou da Violência Contra a Mulher), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS) e Ministério da Saúde. Quanto maior o número de denúncias em variadas instituições, maior é a probabilidade de o caso ser investigado ou acompanhado por pessoas independentes e imparciais. Por fim, o ajuizamento de ação judicial também é de grande importância.

A violência obstétrica no contexto do parto é injustificável, humilhante e traumatizante. A vítima e seus familiares podem recorrer as instituições competentes não só com o objetivo de reparar o dano material e moral sofrido, mas também para impedir que o fato se repita com outras pessoas.


  1. Para maiores informações sobre essa estatística, consulte o link: https://edicaodobrasil.com.br/2022/07/15/25-das-mulheres-ja-sofreram-violencia-obstetrica-no-brasil/#:~:text=Dados%20do%20Relat%C3%B3rio%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es,ou%20tratar%20complica%C3%A7%C3%B5es%20no%20parto.

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Sobre o autor
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Informações sobre o texto

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