Moro há mais de 20 anos no imóvel mas não quero aguardar o Processo de Usucapião. Posso vender meus "direitos possessórios"?

13/09/2024 às 18:44
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POR MAIS QUE MUITO se propague que a Usucapião pela via Extrajudicial será mais rápida que aquela manejada pela via judicial, beira o charlatanismo a promessa de solução em "120 dias" em um procedimento de regularização imobiliária dessa importância que não dispensa (e nem poderia) a manifestação das Fazendas Estadual, Municipal e Federal. A prática tem mostrado que principalmente a manifestação da UNIÃO tem sido bem morosa, não sendo raro assim também agir a Fazenda Estadual o que tira todo o "brilho" da celeridade da via extrajudicial. Também é necessário recordar que em alguns Estados como o Rio de Janeiro, qualquer impasse com a Serventia Extrajudicial deverá ser solucionado pelo Juiz da Vara de Registros Públicos, na forma da LRP, com a obrigatória confirmação pelo Conselho da Magistratura (reexame necessário) e tudo isso pode trazer letargia ao procedimento. Muitos "colegas" não apresentam esse lado da via extrajudicial aos interessados, apenas vendendo os "benefícios" e as promessas da Usucapião Extrajudicial.

Pois bem, ainda que muito bem explicado o procedimento e seus riscos - como inclusive determina claramente o Código de Ética da Advocacia (art. 9º da Resolução nº. 02/2015)- tanto pela via JUDICIAL quanto pela via EXTRAJUDICIAL - pode ser que o interessado ainda que visualmente preenchendo todos os requisitos para a regularização via Usucapião (posse qualificada, tempo necessário, coisa hábil e vasta documentação comprobatória) não queira regularizar em seu nome o imóvel perante o RGI, não importando seus motivos. Talvez lhe seja muito mais viável e interessante não a regularização em si mas a NEGOCIAÇÃO dos seus direitos possessórios. Tal medida seria possível de acordo com as normas atuais e, principalmente, poderia ser vantajoso para ambas as partes (ou seja, para quem "vende" tais direitos e para quem os "compra")?

A resposta é positiva: a bem da verdade, o ordenamento jurídico atual admite uma figura muito interessante nos procedimentos de Usucapião que é o instituto da "ACCESSIO POSSESSIONIS". O referido instituto tem base legal nos artigos 1.243 e 1.207 do Código Civil de 2002, que garantem:

"Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé" .

"Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais".

O referido instituto pode representar uma GRANDE VANTAGEM para quem adquire adequadamente a posse de um imóvel. É extremamente importante antes da negociação que uma avaliação de todo o conjunto probatório, peculiaridades da situação concreta e requisitos do instituto seja procedida na medida em que a "soma das posses" adequadamente reconhecida permitirá que o interessado junte a sua posse com a de seu antecessor/cedente, para fins de CONTAGEM DO LAPSO TEMPORAL exigido por Lei para o reconhecimento da aquisição via usucapião. Importa anotar que tal reconhecimento baseado na soma das posses pode se dar tanto na via judicial quanto na via EXTRAJUDICIAL. Para que tal fenômeno seja admitido, é imprescindível a prova do lapso temporal anterior, assim como da natureza e características desta posse e da transmissão de posse ao sucessor/cessionário.

A respeito desse importante instituto dentro do estudo da Usucapião acrescenta a festejada doutrina assinada pelo ilustre professor NELSON ROSENVALD e pelo saudoso professor CRISTIANO CHAVES DE FARIAS (Curso de Direito Civil - Vol. 5. 2023):

"Em razão de ser longa a trajetória da usucapião, permite-se que o interessado junte período anterior de posse para usucapir, sendo que o possuidor pode acrescentar à sua posse a do antecessor, contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas (art. 1.243). (...) O êxito da ação de usucapião demanda a demonstração do REAL PODER DE FATO sobre a coisa, tanto por parte do cedente como do cessionário, agregando-se a isso a comprovação da relação jurídica que determinou a transferência da posse. (...) De passagem, diga-se que nossos tribunais têm admitido que a prova da 'accessio possessionis' seja feita por testemunhas idôneas que demonstrem o encadeamento de posses, em virtude de transmissões singulares, sem a necessidade de apresentação de um INSTRUMENTO FORMAL de transferência da posse".

Efetivamente, por todos os meios de prova pode ser demonstrada a "accessio possessionis" mas não nos parece haver dúvida que uma forma muito importante - a qual sempre recomendamos inclusive - é a instrumentalização da cessão (seja ela onerosa ou graciosa) através de Instrumento Particular ou Escritura Pública. No Rio de Janeiro o Código de Normas Extrajudiciais admite expressamente as Escrituras de Cessão de Direitos Possessórios lado a lado com as Escrituras Declaratórias de Posse, que são instrumentos hábeis para instruir as demandas que busquem a regularização de imóveis pela via da Usucapião - seja na seara Judicial, seja na seara Extrajudicial:

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"Art. 384. Nas escrituras públicas declaratórias de posse e de CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que o ato não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, apenas à instrução de ação própria, podendo o tabelião, ao seu prudente arbítrio, exigir a presença de testemunhas ou outros dados objetivos da posse".

Repita-se por importante: a ESCRITURA PÚBLICA não é obrigatória para entabular a negociação (doação ou venda) dos direitos possessórios - todavia, não restam dúvidas que documentar a transferência é uma conduta extremamente aconselhável.

POR FIM, importante decisão do TJRS que reformando a sentença do juízo de piso reconhece a aquisição da propriedade através da Usucapião inclusive prestigiando a soma das posses:

"TJRS. 50004850720198210092. J. em: 26/06/2024. APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SOMA DE POSSE. PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO ART. 1.238 DO CC. 1. NO CASO, A PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO PERMITE SEU EXAME À LUZ DA PREVISÃO DO ART. 1.238 DO CC. FRISO QUE, NÃO HÁ ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR QUANDO SE ATRIBUI AOS FATOS NARRADOS NA INICIAL QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DIFERENTE DAQUELA INDICADA PELA PARTE (USUCAPIÃO ORDINÁRIA). JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA A RESPEITO. 2. CABÍVEL A ACCESSIO POSSESSIONIS, PREVISTA NO DIPLOMA SUBSTANTIVO CIVIL ( CC, ART. 1.207), QUE SE TRADUZ NA POSSIBILIDADE DE ACRESCER PARA FINS DE IMPLEMENTO DO PRAZO PRESCRICIONAL AQUISITIVO, À POSSE DO AUTOR AQUELA EXERCIDA ANTERIORMENTE PELO SEU ANTECESSOR, CONTANTO QUE TODAS SEJAM CONTÍNUAS E PACÍFICAS, NOS TERMOS DO ART. 1.243 DO CC. NO CASO, A PROVA ORAL COLHIDA NO FEITO É SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A POSSE DO ANTECESSOR SOBRE O TERRENO PRETENDIDO, SEM OPOSIÇÃO, COM EXISTÊNCIA DE CASA DE MORADIA NO LOCAL, POR MAIS DE QUINZE ANOS. 3. PREENCHIDOS OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA, VEZ QUE DEMONSTRADA POSSE ORIUNDA DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA POR PRAZO QUE ULTRAPASSA QUINZE ANOS, SEM OPOSIÇÃO E COM ANIMUS DOMINI, CONTINUADA PELO AUTOR APÓS CEDÊNCIA DE DIREITOS POSSESSÓRIOS IMPÕE-SE O PROVIMENTO DO APELO PARA DECLARAR O DOMÍNIO DO IMÓVEL DESCRITO NA INICIAL EM FAVOR DO AUTOR. APELAÇÃO PROVIDA".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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