Poder Constituinte e sua relação com a fonte imediata do direito, por meio da Constituição: uma reflexão teórica

Leia nesta página:

RESUMO

O presente estudo realiza uma reflexão teórica sobre o Poder Constituinte e sua relação com a fonte imediata do Direito. Como corte epistêmico, o estudo analisa o papel do Poder Judiciário e a sua (im)possibilidade, especialmente, o STF, de ter o caráter de poder constituinte por meio da análise interpretativa da mutação constitucional. Realizou-se, incialmente, uma compreensão histórica e conceitual sobre o Poder Constituinte e seus reflexos para além do âmbito constitucional. Usou-se o método dedutivo em razão de se analisar, através de várias informações, para seguir-se à conclusão. Então, isso é em virtude de analisar a partir do Poder Constituinte e sua ligação, através da Constituição, as Fontes Imediatas do Direito, usando-se também o método interpretativo, pois a pesquisa norteia-se com fontes bibliográficas. Ademais, o presente trabalho obteve como resultado que o poder constituinte pode-se relacionar com as fontes imediatas do direito, o qual, pois como aquele produz ou modifica a Constituição, então influência nos outros poderes constituintes, como na mutação constitucional, um poder constituinte difuso.

Palavras-Chave: Fonte formal imediata; Constituição; Constitucionalismo; Poder Constituinte.

INTRODUÇÃO

O Ordenamento Jurídico brasileiro, como de praxe dos sistemas civil law, composto por diversos tipos normativos, sendo a lei uma fonte imediata do direito. E, seguindo a cultura kelseniana, possui como norma fundamental, em seu sentido jurídico-positivo, a Constituição. Esses pressupostos auxiliam na compreensão de que a Constituição, fruto do poder constituinte originário, cria uma ordem jurídica e poderes derivados limitados que estão aptos, dentre outras funções, para reformar o texto constitucional, reformando-a. Em sentido próximo há o poder constituinte difuso, que atua realizando nova interpretação o sentido do dispositivo constitucional sem alteração textual. Dessa forma, deve-se entender o poder constituinte, o constitucionalismo, conceito de Constituição e a lei, uma fonte formal imediata do direito, destacando como o poder constituinte atua em tal tipo de fonte, por meio da Constituição. 


DESENVOLVIMENTO

  1. O(s) Poder(es) Constituinte(s):

Em uma perspectiva civilista, a pessoa jurídica é constituída por um ato constitutivo. Com isso, no Direito Constitucional, a pessoa jurídica de direito público é constituída por um ato constitutivo que, tratando-se da nação como um todo, como um Estado, será através do Poder Constituinte que formará o Estado Constitucional, em que o ato constitutivo será a Constituição da nação. Assim, o poder constituinte não só cria a Constituição, como também pode reformá-la. Assim, segundo Bonavides (2003, p. 71), o Estado, para Jellinek é “a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Então, o Estado Constitucional é a combinação dos elementos povo, território e poder originário de mando com uma Constituição. O poder constituinte é fulcral para o Estado Constitucional, podendo criar uma constituição ou reformá-la. Logo, é fulcral compreender que o poder constituinte pode ser originário, derivado, podendo ser decorrente, reformador e difuso.

O poder constituinte originário cria a Constituição, podendo ser histórico ou revolucionário. O histórico criará a primeira constituição de um Estado e o revolucionário criará uma nova constituição, sendo-o revolucionário, pois há mudanças jurídicas, abandonando uma Constituição vigente, pondo outra em seu lugar. Com isso, o poder instituinte possui como características ser inicial, incondicionado, latente e ilimitado. É inicial por ser poder de fato, editando os atos jurídicos iniciais, iniciando uma ordem jurídica. É incondicionado, manifestando-se de várias formas. É latente, não esgotando-se com seu uso. É ilimitado, pois, numa visão positivista, o poder constituinte não tem limites estabelecidos na lei. Então, terminado de criar a constituição, o poder constituinte originário sairá, deixando os “poderes de direito”, não os tendo aspecto político (MARTINS, 2019).

O poder constituinte derivado pode ser decorrente e reformador. O poder constituinte decorrente é para cada Estado-membro criar a sua Constituição, não tendo para municípios, sendo-o limitado, pois a Constituição 1988 possui os princípios sensíveis, estabelecidos e os extensíveis, limitando o poder decorrente. O poder constituinte reformador é o poder de reformar a constituição, sendo-o condicionado e limitado, e que, no caso da Constituição 1988, o procedimento é rígido, estabelecendo dois procedimentos: a revisão e a emenda constitucional.

O poder constituinte difuso é um poder de fato não descrito, não regulamentado pelo direito, consistindo na mudança constitucional em Constituições rígidas, seguindo tradições, costumes, tendo, alterações empíricas e sociológicas, mudando a interpretação da constituição, sem alterar o seu texto, sendo que o Poder Judiciário detém esse poder, consistindo num processo de mudança hermenêutica.

Assim, o Poder Judiciário poderá adotar a mutação constitucional nas hipóteses de construção constitucional, praxe constitucional e mudanças na interpretação da Constituição, mas possuindo limites, como o dever de ficar entre os sentidos possíveis no referido texto, decorrer de uma mudança real da sociedade, não avançando na área da reforma constitucional. Então, existe uma hermenêutica constitucional, o qual é devido ao fato de a Constituição ser suprema, dando validade às outras normas, como a Constituição 1988 que possui um quadro abstrato, mas princípios que regras, tendo, em tal constituição, dispositivos políticos, ideológicos e programáticos.

Sobre a mutação constitucional é importante realizar uma análise crítica por ser considerada por parte da literatura especializada como manto de fumaça no âmbito nacional para a substituição de um texto por outro texto realizado pelo Supremo Tribunal Federal, e não o seu real sentido que é Sinngebund – atribuir uma nova norma ao texto (STRECK et al, 2008). Corroborando com o descrito, reflete-se sobre uma progressiva participação do Poder Judiciário como Poder Constituinte.

Contudo, não afasta-se e não se nega a compreensão dworkiniana de que a interpretação do direito é um processo contínuo que se adapta continuamente, seguindo a realidade social, para garantir, assim, uma eficácia da atuação do poder constituinte difuso, concordando, então, com a visão de Dworkin, em que, para ele, o Direito deve ser compartilhado por toda a sociedade, fazendo o juiz não está apenas vinculado a um passado, sobre o que já foi decidido sobre o tema, mas tendo a responsabilidade de influenciar nos tempos futuros, por meio de decisões futuras (DWORKIN,1999).

1.2 Uma breve análise da historicidade do Constitucionalismo

O estado da arte compreende o constitucionalismo como um movimento social, político e jurídico que, ao longo da história, destacou-se, segundo Karl Loewenstein (1964), desde a antiguidade, com os hebreus, por meio da limitação do poder com as leis sagradas, tendo também a existência de sementes na Grécia, havendo costumes, tradições, estatutos, em que reunidos era a sua Constituição. 

Além disso, o constitucionalismo, no seu movimento medieval, destacou-se com a Magna Cartha e, no seu movimento moderno, inovou com o fato da CF/88 ser escrita, formal, rígida, dotada de supremacia, trazendo, em algumas, o controle de constitucionalidade difuso, como a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, e a Constituição da França, de 1791, fruto da Revolução Francesa (MARTINS, 2019). 

O constitucionalismo, no período contemporâneo, frisou-se com o constitucionalismo social e o neoconstitucionalismo. O constitucionalismo social destacou-se, principalmente, com a Constituição de Weimar, de 1919, trazendo a previsão de direitos sociais.

Já o Neoconstitucionalismo, veio no fim da 2 º Guerra Mundial, tendo como exemplo a principal Constituição desse período, a “Lei fundamental de Bonn”, trouxe inovações para um novo Estado de Direito: o Estado Constitucional de Direito. Assim, tal fase teve, como consequências, o objetivo de garantir uma eficácia maior das normas constitucionais, por meio, principalmente, dos direitos fundamentais, tendo, como efeito, o protagonismo dos juízes para interpretar a constituição, havendo à aceitação de uma relação do Direito com a Moral, retomando até a relação entre a ética e os valores, mas que deve preparar a segurança jurídica caso a lei seja injusta.

As faces dúbias que compõem o neoconstitucionalismo repercutem em reflexões teóricas e impactos práticos. Luís Roberto Barroso (2005), por exemplo, compreende que tal movimento possui aspectos positivos para a consecução de Direitos e Garantias Fundamentais e que ao Poder Judiciário, especialmente ao Supremo Tribunal Federal, é incumbido o papel de efetivador de tais direitos e garantias. Por outro lado, Dimitri (2009) questiona a percepção de Barroso ao apresentar que o uso mal alocado e exacerbado de neoconstitucionalismo viabilizou o uso de elementos morais e outros elementos não jurídicos em decisões judiciais. Bello et al (2018), também reforçam a necessidade de retomada pela racionalidade jurídica e, especialmente, pelo cuidado e zelo da análise normativa.

1.3 Fontes Formais Imediatas ou Primárias do Direito e sua relação com a Constituição:

As fontes do direito podem ser formais primárias ou imediatas, ou seja, por onde o direito se manifesta, sendo que, na visão de Miguel Reale (1994), as fontes do direito seriam apenas as formais, pois as fontes materiais, estando sem o caráter normativo, estariam em outros âmbitos, como da Sociologia Jurídica e da Ciência do Direito. Desse modo, as fontes formais são as essenciais do ordenamento jurídico brasileiro. Com isso, ressalta-se a principal fonte formal imediata do direito brasileiro no nosso contexto atual: Constituição Federal de 1988.

A Constituição é uma fonte formal do direito, criando uma nova ordem jurídica, vinda do poder constituinte originário, um poder de fato, originando, assim, uma nova ordem jurídica, a primeira ou apenas uma nova fase, no sentido jurídico, para o Estado Constitucional. Então, a Constituição, como “lei fundamental” de caráter supremo, é uma fonte que gera o Direito e também onde o direito se manifesta, tendo nela regras e princípios.

O entendimento apresentado não afasta o fato de que no Brasil, a CF/88, sendo-a dogmática, segue os costumes e tradições da época em que foi feita.  Ademais, pode-se defini-la como um conjunto de normas jurídicas supremas, sendo-as fundamentais, como também escritas ou não, tendo como responsabilidade a criação, estruturação e organização político-jurídica de um Estado. Assim, a Constituição é uma fonte primordial para outras leis, pois ela está no topo da pirâmide normativa.

1.4 Relação do Poder Constituinte com as fontes formais imediatas do Direito

A Constituição, lei suprema de uma nação, uma fonte formal imediata do direito, é fundamental, ocupando o topo na teoria do escalonamento de Kelsen, destacando uma ordem decrescente de poder, demandando das normas constitucionais o papel de fonte primordial às leis menores seguirem, sendo isso fruto de um poder de fato, um poder, que ao longo da histórica, foi destaque no constitucionalismo, pois o poder constituinte originário deu origem a inúmeras constituições como a dos Estados Unidos e da França, de 1791, e todas as constituição do Brasil, como a Constituição de 1988.

O poder constituinte é fulcral para o ordenamento jurídico, pois o poder constituinte pode originar uma nova ordem jurídica, gerando a constituição, uma fonte formal imediata do direito. Desse modo, o poder constituinte originário, originará ao novo ordenamento jurídico, por meio do nascimento de uma Constituição, uma essência do Estado Constitucional de Direito. Se for o poder constituinte difuso, originará a hermenêutica constitucional com capacidade de mudar o sentido do texto escrito, sem mudar o texto constitucional. O poder constituinte derivado decorrente, dado para os Estado-membros, tem o objetivo de criar a sua Constituição, seguindo a Constituição do Estado Constitucional. O poder constituinte reformador traz a capacidade de reformar a constituição, por meio da emenda constitucional e da revisão constitucional. Com isso, o poder constituinte, por meio da constituição, tem ligação com as fontes formais imediatas do direito.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O STF não tem a capacidade de legislar, não exerce o poder constituinte derivado, pois cortes jurisdicionais constitucionais não têm o poder de legislar, nem mesmo o constituinte. Assim, o poder constituinte derivado é exercido pelo Congresso Nacional, no exercício de sua competência. Cabe ao STF o controle de constitucionalidade dos atos produzidos pelo poder derivado, por meio de uma ação do controle de constitucionalidade por ação direta, controle concentrado de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade das leis, sendo que o STF não pode exercer o controle de inconstitucionalidade sobre normas constitucionais originárias. Desse modo, corrigir a Constituição não é função do STF, pois isto é ilegítimo.

Ao final desse estudo, sabe-se que o poder constituinte, através da constituição, pode-se relacionar com a fonte formal imediata do direito, já que o poder constituinte cria ou modifica a constituição, influenciando outros poderes constituintes. Ademais, percebe-se, atualmente, o uso dos poderes constituintes no Brasil, pois a Constituição atual proporciona, por exemplo, ao STF o poder constituinte difuso, que frequentemente há decisões, analisando a interpretação, palavra a palavra, dos textos de várias leis do ordenamento jurídico brasileiro e, em especial, analisando a interpretação de cada palavra do texto constitucional, uma fonte formal imediata do direito.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e a Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, 2005.

BELLO, Enzo; BERCOVICI, Gilberto; LIMA, Martonio Mont'Alverne Barreto. O Fim das Ilusões Constitucionais de 1988? Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 1769-1811, set de 2018.

BONAVIDES, Paulo. Ciências Políticas. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

DANTAS, Paulo Roberto Figueiredo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Foco, 2021.

DIMOULIS, Dimitri. Neoconstitucionalismo e moralismo jurídico. In: SARMENTO, Daniel. (Org.). Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. 1, p. 213-226.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil: Parte Geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020.

REALE, Miguel. Fontes e modelos no direito – para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002.

REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

SIQUEIRA JR, Paulo Hamilton. Teoria do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

STRECK, Lenio Luiz; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional. Argumenta Journal Law, Jacarezinho - PR, n. 7, p. 45-68, fev. 2013.


Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos