4 passos para o Estado brasileiro sair da crise fiscal: revisão

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No ano de 2015, escrevi o artigo “4 passos para o Estado Brasileiro sair da crise fiscal”, no seguinte endereço eletrônico (disponível em https://jus.com.br/artigos/43650/4-passos-para-o-estado-brasileiro-sair-da-crise-fiscal).

As conclusões do artigo foram as seguintes:

1 - Quitação dos precatórios mediante compensação e uso de depósitos judiciais, bem como, penhorabilidade dos bens públicos e a extinção dos precatórios;

2 - Execução Administrativa, que iria acelerar a cobrança e recebimento de débitos fiscais, com criação de uma taxa de 20%, sendo que 15% será destinado a custear a cobrança e outros 5% direcionado aos novos Tribunais Tributários;

3 - Criação da Justiça Tributária, Única e exclusiva, extinguindo os Tribunais Administrativos e retirando do Poder Judiciário comum o julgamento das causas tributárias, igual a Justiça Federal do Trabalho, com juízes federais concursados especializados em Direito Tributário, com conhecimentos em contabilidade e finanças, com novos Tribunais Tributários e um novo Superior Tribunal Tributário, formados por especialistas tributários e auditores fiscais federais e estaduais;

4 - Aprimoramento da fiscalização societária pelas Secretarias de Fazenda, estabelecimento de capital social mínimo e proibição de alteração societária com débitos fiscais ou mediante apresentação de garantias.

De 2015 a 2024 o cenário fiscal brasileiro melhorou? Quais foram as principais mudanças nos temas em discussão?

Quanto ao tema 1. Houve melhorias significativas na possibilidade de compensações de precatórios com dividas tributárias no âmbito federal e alguns Estados Brasileiros que adotaram boas práticas de transação tributária. Foi promulgada a Lei Federal 13.988/2020 que determinou a possibilidade de uso de precatórios para abatimento de débitos federais e foi promulgada e Lei Estadual de São Paulo n. 17.843/2023 que também admite o uso de precatórios para abatimento de débitos tributários estaduais. O uso de depósitos judiciais para acelerar os pagamentos de precatórios está em vigência desde a promulgação da Emenda Constitucional 94/2016 . Contudo continuam as longas filas de pagamento de precatórios pelos Estados Municípios que podem durar mais de 10 anos, após um longo processo judicial que superou 10 anos, ou seja, quase 20 anos para receber efetivamente uma indenização contra o Governo Brasileiro. Com base na moralidade administrativa determinada pela Constituição Federal no artigo 37 os métodos de execução contra o Fisco deveriam ser os mesmos de execução contra o Contribuinte, quando o governo fosse condenado os bens públicos deveriam se tornar penhoráveis, aqueles não essenciais. Existe um excelente texto do Procurador de Justiça Petronio Calmon Filho narrando que a Constituição Federal já determinou a exclusão do regime de precatório para débitos alimentares (CALMON FILHO). O Fisco tem muitos bens não essenciais, como helicopteros e aviões que transportam autoridades, além de carros de luxo e muitos imóveis e terrenos sem utilização que poderiam se utilizados para pagamento de dívidas dos governos.

Quanto ao tema 2. Execução administrativa ainda não tem previsão legal, exceto protesto do devedor que foi validado pelo Supremo Tribunal Federal como legítimo no julgamento da ADI 5.135, julgada em 2016. Existe um relevante projeto de Lei na Câmara de Deputados n. 2.488/2022 para que execuções fiscais abaixo de 60 salários mínimos sejam transferidas do Poder Judiciário para os Cartórios.

Foi promulgada a Lei Complementar 208/2024 autorizando o governo federal vender a terceiros a dívida ativa mediante deságio, contudo a cobrança da divida continua pela PGFN. É excelente a iniciativa, mas manter a cobrança pelo mesmo órgão de cobrança é no mínimo estranho. Porque uma empresa compraria um título de crédito não pago e o órgão de cobrança é o mesmo que não teve sucesso na cobrança do título? A iniciativa privada e seus advogados não serem mais eficientes na cobrança destas dívidas?

Números da PGFN e Poder Judiciário continuam demonstrando que execuções fiscais são lentas e com baixa recuperabilidade. A PGFN está evoluindo bastante na recuperação de créditos, especialmente mediante a utilização da transação tributária. No ano de 2016 foram R$ 14,9 bilhões de reais recuperados, ao passo que em 2023 foram totalizados R$ 48,3 bilhões de reais recuperados, considerando que R$ 20,7 bilhões foram objeto de transações tributárias. Contudo o Estoque de dívida ativa está crescendo, no ano de 2015 eram R$ 1,4 trilhões de reais e no ano de 2023 eram R$ 3 trilhões de reais, com um aumento de mais de 100% no estoque de divida ativa. No estoque atual de créditos 43,6% tem a nota D, de baixa possibilidade de recuperabilidade e somente 8,9% tem nota A de alta possibilidade de recuperabilidade. Considerando a recuperabilidade de créditos sobre o estoque de créditos a eficiência é de 1,6% ao ano, que continua muito baixa (PGFN). Conclue-se que quase a metade dos créditos governamentais tem baixissima possibilidade de recuperação.

No final do ano de 2023 tivemos a promulgação da Emenda Constitucional n. 132/2023, que trata da Reforma Tributária sobre o consumo e impostos indiretos. Existe um dispositivo que aumentará a arrecadação tributária no Brasil e reduzirá a sonegação é a regra de que o crédito tributário somente pode ser realizado pela empresa adquirente após recolhimento do tributo pelo fornecedor e que haverá sistemas eletrônicos baseados em “split payment” que é um sistema de retenção obrigatório nos sistemas de pagamentos eletrônicos, de forma que na operação bancária o governo receberá o valor dos tributos de forma automática, assim, a sonegação tributária reduzirá bastante nos tributos indiretos. Maior desafio estará no elo final da cadeia, relacionado ao comerciante varejista e o prestador de serviços, se ele irá ou não emitir nota fiscal de venda e como os sistemas bancários farão a retenção obrigatória, como o uso de cartões e sistema PIX. A Regulamentação da reforma tributária está ainda em análise pelo Congresso e trouxe outro instrumento de arrecadação que será a responsabilidade dos canais de intermedição (marketplaces) no pagamento dos impostos, considerando a possibilidade de fraudes pelos fornecedores on-line que não emitiam notas fiscais alegando supostamente que não exercem o comércio.

Quanto ao tema 3. Sobre a unificação do contencioso administrativo e judicial a Emenda Constitucional da Reforma Tributária estabelece por princípio a unificação do contencioso administrativo dos tributos indiretos. Existem notícias que o governo federal irá propor uma PEC para unificar na Justiça Federal o contencioso do IBS/CBS, criando finalmente uma justiça especializada e mais célere, conforme havia sugerido anteriormente.

Quanto ao tema 4. Sobre o aumento de fiscalizações societárias, a cada dia o Fisco está usando mais tecnologia, contudo existem poucas regras sobre capital social mínimo e não existem regras rígidas que dificultam alterações societárias que visam esconder sócios reais e incluir novos sócios “laranjas”, reduzindo responsabilidade civil futura. Existe sim uma melhor comunicação entre o Fisco e as Juntas Comerciais com cadastros sincronizados, mas nada muito forte na prevenção de novas “laranjas” jurídicas. As Fiscalizações realizam diariamente o trabalho de baixa de inscrições fiscais de empresas que visam exclusivamente a sonegação de impostos, contudo o trabalho é muito lento e pode demorar anos para a baixa efetiva de uma inscrição. A União Federal e alguns Estados realizam acompanhamento de fiscalização próximo de grandes empresas, mas normalmente os pequenos contribuintes tem baixa fiscalização.

Vamos avaliar alguns números da economia brasileira entre o ano de 2015 a 2023. O Produto Interno Bruto saiu de R$ 5,9 trilhões de reais no ano de 2015 para R$ 10,9 trilhões de reais no ano de 2023. Ou seja, houve um crescimento de 84% do PIB (IBGE). A Inflação medida pelo IPCA aumentou no mesmo período 52,19% utilizando-se o IPCA (Banco Central).

A carga tributária sobre o PIB não teve grande variações entre os anos de 2015 a 2023, saiu no ano de 2015 como 32,03% para 32,55% no ano de 2023, dados do Tesouro Nacional. Mas considerando o aumento do PIB nominalmente a arrecadação cresceu no período.

No Relatório de fiscalizações da Receita Federal, as multas tributárias somaram R$ 125,6 bilhões no ano de 2015 e aumentaram para R$ 225 bilhões no ano de 2023, que representa um aumento de 100% no período. O governo está multando mais, contudo deveria ser observado a qualidade das autuações e também observamos que existem autuações absurdas sob disputa no Contencioso Tributário Administrativo ou Judicial em que pequenos erros de obrigações acessórias, sem qualquer ou baixo impacto no recolhimento de impostos, está sendo objeto de elevadas autuações sem qualquer razoabilidade ou proporcionalidade. A quantidade de normas na área tributária é absurda e muitas vezes nem mesmo a fiscalização consegue acompanhar a velocidade das alterações legais. Desde a Constituição Federal de 1988 são emitidas em média 829 novas normas tributárias por dia (IBPT).

Sobre as obrigações tributárias no Brasil com base no sistema do Banco Mundial no ano de 2015 eram necessárias 2.600 horas para apuração de impostos e no ano de 2019 eram necessárias 1.500 horas para apuração dos impostos. Busquei informações sobre esta redução e não localizei os motivos e não tenho conhecimento de obrigações acessórias descontinuadas no período. Entretanto, os países da OCDE a média de tempo para preparar obrigações acessórias é de 158 horas por ano (DOING BUSINESS). A quantidade de obrigações acessórias para apuração de impostos representa um dos principais fatores do “Custo Brasil” e reduzir a competitividade das empresas brasileiras em um mundo globalizado. A Reforma tributária dos tributos indiretos a princípio diminuirá as obrigações acessórias no ano de 2033, contudo durante o período dos anos 2026 a 2032 dois sistemas tributários conviverão juntos e haverá um aumento de obrigações acessórias a ser cumpridos pelas empresas brasileiras.

Com base nestes números, podemos concluir:

[1] - Quitação dos precatórios mediante compensação e uso de depósitos judiciais, bem como, penhorabilidade dos bens públicos e a extinção dos precatórios;

Evolução 2015-2024: Tivemos uma boa evolução na possibilidade de compensação de precatórios com dívida ativa, utilização de depósitos judiciais, mas continuamos com o Governo Brasileiro um péssimo pagador e para atendimento ao princípio da moralidade administrativa o Brasil deveria aprovar a penhorabilidade de bens públicos, para que realmente os governos quitem 100% dos suas dívidas ou seus bens não essenciais sejam expropriados, como bens móveis e imóveis sem efetiva utilização;

[2] - Execução Administrativa, que iria acelerar a cobrança e recebimento de débitos fiscais, com criação de uma taxa de 20%, sendo que 15% será destinado a custear a cobrança e outros 5% direcionado aos novos Tribunais Tributários;

Evolução 2015-2024: Os governos iniciaram projetos importantes de transação tributária, mas a recuperabilidade dos créditos ainda continua baixa (1,6% ao ano). Existem projetos para criação de uma execução administrativa via cartórios. Com a reforma tributária os tributos indiretos passam a ser cobrados eletronicamente “split payment”, como uma retenção, e a empresa somente poderá se creditar dos tributos efetivamente pagos nas operações anteriores, estes dois novos instrumentos reduzirão a atratividade de empresas sonegadoras, aumentará a arrecadação e provavelmente inibirá o crescimento exponencial do estoque de divida ativa que ocorreu nos últimos anos;

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[3] - Criação da Justiça Tributária, Única e exclusiva, extinguindo os Tribunais Administrativos e retirando do Poder Judiciário comum o julgamento das causas tributárias, igual a Justiça Federal do Trabalho, com juízes federais concursados especializados em Direito Tributário, com conhecimentos em contabilidade e finanças, com novos Tribunais Tributários e um novo Superior Tribunal Tributário, formados por especialistas tributários e auditores fiscais federais e estaduais;

Evolução 2015-2024: A reforma tributária irá unificar o contencioso administrativo de impostos indiretos e existe discussão interessante para criação de uma justiça especializada em litígios tributários;

[4] - Aprimoramento da fiscalização societária pelas Secretarias de Fazenda, estabelecimento de capital social mínimo e proibição de alteração societária com débitos fiscais ou mediante apresentação de garantias;

Evolução 2015-2024: Existe mais integração entre as administrações públicas e juntas comerciais, contudo não vejo neste ponto evolução para análise prévia e efetiva de cadastros para evitar a criação de empresas “laranjas” ou sócios “laranjas”. No comércio eletrônico com a nova regra de responsabilidade tributária dos intermediários (marketplaces) na reforma tributária dos tributos indiretos, provavelmente teremos menos “laranjas” atuando no comércio eletrônico.

Por fim, o Brasil evoluiu na questão de Justiça Tributária, especialmente na possibilidade da compensação de precatórios com débitos fiscais, mas ainda estamos muito longe de um país realmente amigável na área tributária para se empreender, considerando a quantidade ede tempo gasto na preparação de obrigações acessórias de 1.500 horas por ano, superando em 10 vezes o gasto de uma empresa sediada em um pais integrante da OCDE; Os Governos (Federal, Estadual e Municipal) buscam postergar ao máximo suas dívidas no contencioso tributário, especialmenteas repetições de indébito tributário com muitos anos de litígios administrativos e judiciais, além de longos anos para quitação dos precatórios, sendo necessário a criação de novas leis que determinem a penhorabilidade dos bens públicos não essenciais. A reforma tributária dos tributos indiretos tem 2 novos intrumentos de cobrança que será o “split payment” de retenções obrigatórias e a vedação de créditos do adquirente se não comprovado que o fornecedor quitou seus tributos que reduzirá substancialmente a sonegação tributária. Não evoluimos na questão da eficiência da cobrança de tributos, exceto apenas uma boa evolução na transação tributária. No projeto da reforma tributária dos tributos indiretos existe previsão para unificação do contencioso administrativo, contudo é necessário a criação de uma justiça tributária especializada. O Brasil continua com desafios para combater a quantidade de novas empresas e alterações societárias que tem por objeto a sonegação de impostos e redução de responsabilidades dos sócios reais, com grandes prejuízos a sociedade, a livre concorrência e responsáveis por fraudes eletrônicas e outras atividades criminosas, deveria haver uma análise prévia, substancial e inteligente da criação de novas empresas ou nas alterações societárias, avaliado se o objetivo da alteração societária é sonegação de impostos e se os novos sócios são reais e tem capacidade econômica para atividades empresarias e se não é caso de CPF alugados. Na Reforma tributária existe uma interessante regra de responsabilidade dos intermediários (marketplaces) do pagamento dos tributos, que provavelmente irá contribuir para aumento da arrecadação e redução de pequenos comércios que utilizavam de artificios para a sonegação de impostos com as declarações que não exerciam o comércio.


Fontes

BRASIL. PGFN. Anuário PGFN 2024. Disponível em <https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/carga-tributaria-do-governo-geral/2022/114>, acesso em 14.09.2024.

BRASIL. Receita Federal. Relatório Anual de Fiscalização. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/fiscalizacao>, acesso em 14.09.2024.

BRASIL. Tesouro Nacional. Carga Tributária do Governo Geral. Disponível em <https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/carga-tributaria-do-governo-geral/2022/114>, acesso em 14.09.2024.

CALMON FILHO, Petronio. Execução contra a fazenda pública e penhora de bens públicos proposta do instituto brasileiro de direito processual para a reforma do artigo 100 da constituição federal. Disponível em <https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32575-39747-1-PB.pdf>, acesso em 15.09.2024.

DOING BUSINESS. Archive Brazil. Disponível em <https://archive.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/brazil>; acesso em 15.09.2024.

IBPT. QUANTIDADE DE NORMAS EDITADAS NO BRASIL: 34 ANOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Disponível em <https://www.ibpt.com.br/quantidade-de-normas-editadas-no-brasil-34-anos-da-constituicao-federal-de-1988/>; acesso em 15.09.2024.

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