É MUITO COMUM que famílias acabem não fazendo o Inventário dentro do prazo que a Lei determina e os motivos podem ser os mais variados, girando desde o mais puro desconhecimento e falta de informação até mesmo a uma infundada "economia" ao acreditar que aguardando o falecimento de outros parentes, para fazer "tudo junto", as despesas serão menores do que abrir cada inventário a seu tempo e separadamente (como acontece por exemplo, quando os imóveis pertencem a um casal e a ideia é aguardar o falecimento do(a) viúvo(a) para resolver "tudo junto"). Ledo engano. A bem da verdade, a irregularidade do imóvel pode custar muito mais caro no procedimento que por si só já é caro, como o Inventário.
Antes de mais nada uma rápida análise do CC e do CPC deve ser revista: o Código Civil (2002) determina expressamente que o Inventário deve ser instaurado no prazo de 30 dias:
"Art. 1.796. No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão, instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança".
O Código de Processo Civil (2015) por sua vez, reprisando o art. 983 do CPC anterior - revogado - que na época foi alterado pela Lei 11.441/2007 - decreta que o Inventário deve ser instaurado em 02 (dois) meses:
"Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte".
O que a princípio pode parecer um conflito entre as normas, na verdade não representa qualquer debate na medida em que parece estar pacificada a revogação tácita do prazo reclamado pela lei substantiva face à novidade do prazo determinado pela lei adjetiva. Nessa mesma linha de raciocínio é a lição do ilustre doutrinador, LEONI LOPES DE OLIVEIRA (Direito Civil - Sucessões. 2019) para quem:
"O CC estabeleceu no art. 1.796 o prazo de TRINTA DIAS, a contar da abertura da sucessão, no qual instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário. Essa norma foi revogada pela Lei 11.441/2007, que deu nova redação ao art. 983 do CPC/1973, estabelecendo que o 'processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (SESSENTA) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de parte'. Diante disso, a doutrina reconheceu que houve revogação do dispositivo do CC que tratava do prazo para a abertura do inventário".
Importa ressaltar que com o CPC/2015 em substituição ao CPC/1973 o prazo de abertura que era contado em DIAS passou a ser contado em MESES (e isso pode significar alguns dias a mais em alguns casos), porém a grande questão que ainda se mostra desafiadora para muitos leigos é: é permitido abrir inventário para regularizar a partilha dos bens da herança mesmo depois de muito tempo da morte dos proprietários? E sendo possível, quais as consequências disso?
Há unanimidade na doutrina e na jurisprudência de que os prazos assinalados pela Lei Processual não terão consequências desfavoráveis para os interessados, já que não existe no dispositivo processual sanção cominada para a abertura intempestiva, PORÉM é legítimo que o Estado possa aplicar MULTA no imposto causa mortis (ITD ou ITCMD, como queira) para a regularização da transmissão causa mortis fora do prazo. Quanto a isso, inclusive, há muito tempo o STF já se manifestou:
SÚMULA 542, STF (publicada em 12/12/1969): "Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário".
Dessa forma, a principal consequência para a abertura fora do prazo será a MULTA a ser aplicada sobre o imposto causa mortis que será devido por cada transmissão, na forma do art. 1.784 do CCB. No Rio de Janeiro a Lei 7.174/2015 determina MULTA QUE PODE CHEGAR AOS 40% (QUARENTA POR CENTO) sobre o imposto devido, caso o inventário seja iniciado depois do prazo:
"Art. 37. O descumprimento das obrigações previstas nesta Lei sujeita o infrator à aplicação das seguintes penalidades:
I – a quem não prestar a declaração nos prazos previstos no § 4º do art. 27, será aplicada MULTA de 10% (dez por cento) do valor do imposto devido, acrescida de 10 (dez) pontos percentuais a cada doze meses adicionais, até o limite de 40% (quarenta por cento) do imposto devido, ou MULTA de 80% (oitenta por cento) do valor do imposto devido, quando constatada a infração no curso de procedimento fiscal".
É que o par. 4º artigo 27 da referida Lei (publicada em 29/12/2015) determina prazos diferentes para o INVENTÁRIO JUDICIAL e para o INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL, o que é muito importante observar:
"Art. 27 O sujeito passivo deverá prestar ao Fisco declaração relativa à ocorrência do fato gerador do ITD e aos bens e direitos transmitidos, contendo todas as informações indispensáveis à efetivação do lançamento, conforme previsto na legislação.
(...)
§4º O sujeito passivo deverá prestar a declaração:
I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da intimação:
a) da decisão homologatória do cálculo, na transmissão causa mortis que se processe sob o rito de inventário;
b) da sentença homologatória, quando o inventário se processar sob a forma de arrolamento; ou
c) da sentença de partilha judicial de bens, em especial nos casos de dissolução conjugal, alteração do regime de bens ou extinção de condomínio.
II – no prazo máximo de 90 (noventa) dias contados da data:
a) do óbito, nas sucessões processadas de forma extrajudicial, ou, no caso de substituição da via judicial pela extrajudicial, da publicação da sentença que extinguir o processo sem julgamento de mérito, nos termos do § 5º, do artigo 37 desta lei";
Outro aspecto que não pode ser esquecido é que, conforme passam os anos as CUSTAS JUDICIAIS e as CUSTAS EXTRAJUDICIAIS se tornam cada vez mais altas - o que sem dúvida só representará maiores gastos para os interessados - ainda que tais despesas devam ser suportadas pelo Espólio e que a GRATUIDADE e o PARCELAMENTO sejam possibilidades, tanto na via judicial quanto na via EXTRAJUDICIAL, como sabemos. Ademais, considerando que o STJ reconhece a possibilidade da Usucapião de Herança, o risco da PRESCRIÇÃO AQUISITIVA (risco da perda dos bens da herança por USUCAPIÃO) é presente em muitos casos e exige exame apurado das peculiaridades e requisitos, razão pela qual, no caso da sua alegação em sede de Inventário, o mesmo deve ser suspenso para o exame dos requisitos da Usucapião, como reconheca a atenta jurisprudência gaúcha:
"TJRS. 51635504720218217000. J. em: 29/06/2022. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. USUCAPIÃO. NECESSIDADE DE SE FACULTAR O EXAME DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA EM DEMANDA PRÓPRIA. DE ACORDO COM O ARTIGO 1.784 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, A HERANÇA SE TRANSMITE NO MOMENTO DO FALECIMENTO, DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DE SAISINE, RAZÃO PELA QUAL TODOS OS HERDEIROS SE TORNAM, A PARTIR DESSE MOMENTO, COPROPRIETÁRIOS DO TODO UNITÁRIO INTITULADO HERANÇA ATÉ A DEVIDA PARTILHA DE BENS. INTELIGÊNCIA TAMBÉM PREVISTA NO CÓDIGO CIVIL DE 1916, VIGENTE À ÉPOCA DA ABERTURA DA SUCESSÃO. NA SITUAÇÃO EM EVIDÊNCIA, IMPERIOSO SE FAZ A APURAÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA, MEDIANTE O AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE USUCAPIÃO, PARA O POSTERIOR EXAME DA PRESCRIÇÃO EXTINTIVA ALEGADA NO PRESENTE FEITO. INTELIGÊNCIA DO § 2º DO ARTIGO 1.772 DO CC/1916. NÃO É POSSÍVEL, NA AÇÃO DE INVENTÁRIO, CONFORME O ARTIGO 612 DO CPC, A APURAÇÃO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA, TENDO EM VISTA QUE EXIGE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA E CONTRADITÓRIO. DETERMINADA A SUSPENSÃO DO FEITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE".