Cessão de crédito é o negócio jurídico em que a posição jurídica ativa é transferida para um terceiro. Trata-se de um instituto com importantes efeitos práticos no dia a dia.
Com ele, uma pessoa pode adquirir o crédito oriundo da obrigação, pagando com deságio. É uma operação muito comum no mercado de crédito: antecipação de recebíveis e factoring, por exemplo.
Logo abaixo, comentamos os dispositivos do Código Civil, do artigo 286 ao artigo 298. Continue a leitura para sanar suas dúvidas!
Artigo 286 — Previsão legal da cessão de crédito e suas limitações
O artigo 286 do Código Civil permite ao credor ceder a sua posição jurídica para um terceiro. Essa operação pode ser total ou parcial, assim como operada a título gratuito ou oneroso.
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
Imagine um pequeno negócio que realizou vendas por cartão de crédito e somente receberá daqui há 3 meses. Para manter o fluxo de caixa, o empresário pode ceder esse direito de crédito para um terceiro.
Posições jurídicas na cessão de crédito:
cedente — quem oferta o crédito para o terceiro;
cessionário — o terceiro quem adquire o crédito com a operação;
cedido — o devedor, que, em regra, não pode se opor a cessão.
É comum o cessionário pagar menos que o valor de face do título. Por exemplo, um crédito de R$1.000,00 poderia ser comprado por R$950,00, tendo um deságio de 50 reais como lucro do adquirente.
A operação prevista no art. 286. do CC é descrita como cessão convencional. Ela decorre da vontade das pessoas em realizar um negócio jurídico, transferindo a posição jurídica ativa. Há também casos em que a cessão é operada por lei ou por decisão judicial.
Tipos de cessão de crédito:
convencional;
legal.
judicial.
Limites da cessão de crédito
A cessão de crédito não pode ser operada quando se opõe:
a natureza da obrigação;
a lei;
a convenção entre as partes.
Trata-se de o ponto em que há mais controvérsia em relação à interpretação do art. 286. do CC.
Cessão de crédito não altera a natureza da dívida
A transmissão do direito não muda a natureza do crédito (Resp 1987424/SP). Por isso, se existem vantagens jurídicas inerentes ao tipo de obrigação, elas permanecem válidas.
Cotas condominiais (REsp 1570452 / RJ), por exemplo, permanecem como obrigações propter rem, mesmo após serem cedidas. Outro exemplo é o precatório alimentar, que mantém a natureza e preferência no pagamento por parte dos entes públicos.
Muito cuidado com as exceções e privilégios personalíssimos. Por exemplo, a compra do crédito do consumidor por entidade não faz a cessionária exercer os direitos do vulnerável (Resp 1266388/SC).
Outro caso é o crédito trabalhista em falência, que perderá essa condição ao ser cedido para pessoa que não era empregada da organização (Resp 1526092/SP).
Crédito tributário e empréstimo compulsório
O crédito tributário e o empréstimo compulsório seguem as regras gerais do Código Civil. Em princípio, não há disciplina específica que proíba a sua cessão (Resp 1215574/ES).
Fique atento, especialmente no crédito tributário, quando leis estaduais criam condições ou impedem a cessão do crédito. Tais casos geram interpretações restritivas da legislação (Resp 67005/DF).
Pontuação de programas de milhas
As pontuações dos programas de milhas seguem as regras do Código Civil. É possível que uma cláusula no regulamento do programa impeça a cessão de crédito (Resp 2011456/SP).
Astreinte
A astreinte, inicialmente, é uma sanção para desmotivar ou motivar o comportamento de uma pessoa no processo. Porém, após o inadimplemento da conduta ou da abstenção de conduta prevista, ela se torna uma indenização e pode ser alvo de cessão de crédito (Resp 1999671/PR).
Convenção entre as partes no instrumento da obrigação
A cláusula que impede a cessão do crédito deve estar prevista no próprio instrumento de dívida. Do contrário, mesmo que o devedor se oponha ao negócio jurídico, a transmissão dos direitos será realizada de forma válida.
Artigo 287 — Disciplina dos acessórios na cessão de crédito
Os direitos acessórios seguem o destino do crédito. A exceção é a disposição expressa em sentido contrário.
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
Um exemplo de disposição expressa é a escritura pública do precatório. Ela pode prever que apenas o capital será transferido, sem os juros (Resp 1483475/DF).
Art.288 — Eficácia contra terceiro e forma solene
A cessão de crédito tem efeitos entre as partes de imediato. No entanto, ela só valerá contra terceiros se respeitar a forma legalmente prescrita: instrumento público ou o instrumento particular com os requisitos do art. 654§1º:
Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1 o do art. 654.
Confira o teor do art. 654§1º:
§ 1 o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
Mudando a ordem e adaptando para a cessão de direito, não existe dificuldades em elaborar esse termo:
qualificação do cedente e do cessionário;
objetivo e extensão da cessão do crédito;
local;
data.
O devedor, como fica claro no instrumento particular, não participa da cessão de crédito. A eficácia a que se refere o art. 288. não diz respeito a ele.
Art.289 — Averbação do crédito hipotecário
O crédito hipotecário transferido pode ser averbado no registro do imóvel.
Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.
Com isso, fica assegurada a publicidade e eficácia contra terceiros.
Art. 290. — Notificação do devedor
A notificação do devedor pode ser realizada por qualquer dos envolvidos, cessionário ou cedente. Ademais, embora seja recomendável usar um documento escrito, não existe obstáculo a forma oral.
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
É muito bem estabelecido que a notificação não é um critério de validade da cessão de crédito. A diferença está apenas em quem pode receber a dívida.
Antes da notificação, o devedor pode pagar ao cedente. Nesse caso, ele será considerado credo putativo (que parece legitimamente real), e a legislação terá a obrigação por satisfeita.
Depois de ciente, a dívida será extinta pelo pagamento apenas se for direcionado para o cessionário.
Notificação:
antes — o devedor pode pagar ao cedente ou ao cessionário;
depois — só pode pagar ao cessionário.
A citação produz os mesmos efeitos da notificação. Ademais, o conhecimento do devedor pode ser declarado por ele em escrito público ou particular.
Art. 291. — Múltiplas cessões sobre o mesmo crédito e pagamento
Quando existem múltiplas cessões sobre o mesmo crédito, o primeiro passo é analisar se todas são eficazes. A seguir, o pagamento será válido para quem tiver o título em posse e realização a sua tradição.
Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido.
Não importa a ordem cronológica das cessões e notificações, mas apenas a posse do título.
Art. 292. — Eficácia liberatória do pagamento na cessão de crédito
O art. 292. do CC esclarece a eficácia liberatória dos diferentes tipos de pagamento realizados pelo devedor.
Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
O devedor que paga ao cedente antes de conhecer a cessão está liberado. Isso também ocorre no caso do art. 291, em que existe a apresentação do título.
A escritura pública é um documento que fica arquivado no cartório extrajudicial. Por isso, não é possível fazer a tradição do título, eis que somente existem cópias do documento com as pessoas.
No caso de escritura pública, quem notificar primeiro receberá do devedor.
Art. 293. Atos de conservação do crédito
O cessionário pode atuar para preservar seu crédito, mesmo antes de notificar ao devedor. Cobrar valores devidos e evitar o curso da prescrição são exemplos.
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido.
Uma questão relevante é a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção do crédito. A ausência de notificação não impede que o cessionário faça semelhante registro (REsp 1401075 / RS).
Art.294 — Oposição de exceções contra o cessionário
O momento em que o devedor toma ciência da cessão possibilita a oposição das exceções que existiam contra o cedente. Por exemplo, se o negócio jurídico foi praticado com coação, é o momento de indicar essa defesa.
Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.
Não existe um prazo para utilizar dessa oposição. No caso da ciência por citação, o momento oportuno é a contestação. Nos demais, é importante que a oposição seja realizada em tempo razoável após o conhecimento da cessão.
Ademais, a cessão de crédito torna possível alegar exceções contra o cessionário. Por exemplo, pode ser que exista uma dívida a ser compensada com o novo credor.
Factoring e FIDC
Os direitos de crédito podem ser comprados por empresas que realizam o factoring ou por Fundos de Investimento Creditórios (FIDC). Quando se trata de título de crédito, é importante verificar qual foi a modalidade de transferência e para quem foi realizada.
No factoring, mesmo diante de um título cambial, a operação ocorre por cessão de crédito (Resp 1717382/SC). Isso permite a oposição de exceções pessoais contra o cessionário.
Por sua vez, o FIDC pode realizar tanto a cessão de crédito como receber o direito por endosso. Nesse segundo caso, existe a restrição da discussão à matéria cambial. Logo, as exceções pessoais não serão oponíveis (Resp. 1634958/Sp e 1909459/SC).
Art 295. Responsabilidade do cedente
A responsabilidade na cessão por título oneroso abrange a existência da dívida no momento da operação.
Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.
A inexistência ou invalidade da obrigação são exemplos de responsabilidade. É o caso, para ilustrar, de as duplicatas cedidas serem frias (Resp 1289995/PE).
Na cessão a título gratuito, a responsabilidade pela existência do crédito exige má-fé. Isto é, é preciso provar que a pessoa sabia que o valor já não existia quando da transmissão.
Art 296. Responsabilidade pela solvência
A responsabilidade pela solvência do crédito é uma exceção.
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.
O cedente se responsabiliza pela existência do débito. Apenas dispondo em contrário, será exigido em caso de não pagamento.
Ainda assim, essa responsabilidade é subsidiária. Antes de buscar o ressarcimento, o cessionário precisa tomar providências para cobrar a dívida do devedor.
Pro solvendo e pro soluto
As responsabilidades pela existência do crédito é chamada de pro soluto, enquanto aquela pela solvência é a pro solvendo.
[297] — Limites da responsabilidade pro solvendo
A responsabilidade pro solvendo alcança valores pagos e despesas:
Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.
Alcance da responsabilidade pro solvendo:
valor pago pelo título;
despesas com cobrança;
despesas com a cessão;
juros.
Geralmente, as operações de cessão de crédito ocorrem com deságio. Por isso, o valor principal não é o total do crédito, mas apenas o pagamento realizado na transmissão do direito.
Art. 298. — Cessão de crédito penhorado
O credor pode transmitir o crédito até o momento em que toma ciência da penhora realizada. Geralmente, isso ocorre com notificação, averbação no registro público ou intimação da decisão judicial.
Art. 298. O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro.
Já o devedor pode pagar ao credor enquanto não for notificado da penhora. Aqui, quem pagou está liberado da obrigação, e os direitos do terceiro ficam resguardados apenas contra o credor. Após a ciência, o pagamento será direcionado ao terceiro.
Em todo caso, o apoio do advogado será essencial para não cometer erros.
Resumindo a cessão de crédito
Uma cessão de crédito ocorre com a transferência da posição ativa. O devedor não precisa concordar com ela. Ele deve ser notificado para que o pagamento seja direcionado ao cessionário e seja possível opor as exceções pessoais.
A validade da cessão está condicionada a inexistência de oposição na lei, natureza da obrigação ou convenção entre as partes. Em caso de cláusula que proibitiva, ela deve vir escrita no instrumento da dívida.
Outro cuidado relevante é o pagamento. O devedor, diante de múltiplas cessões, deve quitar aquela que vier acompanhada da tradição do título. A exceção é a cessão por escritura pública, que segue a ordem da notificação.
Penhoras só impedem a cessão e o pagamento quando o titular da posição jurídica, respectivamente credor e devedor, são cientificados. Só assim, o terceiro terá condições de invalidar o ato.
Sendo assim, a cessão de crédito é um instituto com diversos detalhes que precisam ser observados, especialmente para sua eficácia. É preciso verificar questões como notificação, cláusulas e instrumento utilizado, entendendo suas repercussões para o resultado do negócio jurídico.
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Referências bibliográficas
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência / Anderson Schreiber … [et al.]. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.