É possível usucapião de apartamento em condomínio irregular?

01/10/2024 às 11:45
Leia nesta página:

Conceitua-se usucapião como modo de aquisição da propriedade de bens móveis ou imóveis pelo exercício da posse, nos prazos previamente estabelecidos em lei. O instituto da usucapião está previsto no Código Civil Brasileiro de 2002, permitindo que uma pessoa adquira a propriedade de um bem imóvel, por meio do uso contínuo durante um determinado período e desde que atendidos os requisitos legais para cada modalidade.

Diante da realidade da usucapião de apartamentos e da frequência de condomínios irregulares no país, surge a seguinte questão: é viável regularizar apartamentos por meio da usucapião em condomínios que não estão devidamente registrados no Registro de Imóveis? A resposta é afirmativa, como demonstrado a seguir.

Antes de abordar a questão principal, é fundamental revisitar rapidamente as origens históricas da usucapião. O referido instituto remonta ao direito romano, criado para proporcionar maior segurança jurídica e mitigar conflitos relacionados à propriedade. A regulamentação inicial se deu na Lei das XII Tábuas (455 a.C), que estabelecia requisitos como a posse ininterrupta de 2 (dois) anos para imóveis, a idoneidade da coisa, a posse continuada e o justo título.

No Brasil, a primeira lei que dispôs sobre propriedade imobiliária foi a de nº. 601, de 18 de setembro de 1850, popularmente conhecida como “Lei de Terras”, aprovada durante o reinado de D. Pedro II, duas semanas depois da Lei Eusébio de Queiroz, que abolia o tráfico negreiro no Brasil.

A usucapião foi oficialmente introduzida no Código Civil de 1916, definindo-a como uma modalidade de aquisição de propriedade. Para que se configure a usucapião, é essencial que a posse seja contínua, pacífica, mantida por um período determinado e com a intenção de ser o proprietário.

Atualmente, a legislação brasileira reconhece sete modalidades de usucapião: extraordinária, ordinária, especial urbana, especial rural, especial familiar, coletiva e indígena, cada uma com seus requisitos específicos. Em nenhum dos dispositivos legais referentes as modalidades de usucapião fazem distinção entre imóveis individuais ou aqueles localizados em condomínio edilício, nem entre os que estão ou não registrados.

Ou seja, em nenhuma das modalidades de usucapião supracitadas, exige o requisito do prévio registro do imóvel a ser usucapido, ou seja, não é obrigatória a existência de transcrição ou matrícula no Registro de Imóveis. Logo, é totalmente viável a regularização imobiliária de apartamento, inclusive aquele localizado em condomínio irregular, sem o registro no Registro de Imóveis.

Os renomados juristas, Marco Aurélio de Mello e José Roberto Porto, afirmam que a usucapião deve ser aplicável a apartamentos em condomínios edilícios, considerando a natureza da moradia urbana. O doutrinador Guilherme Calmon Nogueira também ressalta que a usucapião especial urbana, por exemplo, se aplica as unidades autônomas, não se restringindo apenas as populações de baixa renda.

O doutrinador Marcelo Couto (Usucapião Extrajudicial - Doutrina e Jurisprudência, 2021) diz que a usucapião extrajudicial pode ser a solução também para regularização de apartamentos em condomínios irregulares perante o Registro de Imóveis, utilizando o regramento geral do artigo 7º do Provimento CNJ nº 65/2017.

Não se desconhece que boa parte da jurisprudência ainda é vacilante com relação a usucapião sobre imóveis irregulares, porém, com base na melhor doutrina e também no entendimento dos Tribunais Superiores, há precedentes que assentam ser possível sim a usucapião desde que preenchidos os requisitos legais.

Em relação ao entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a respeito do tema, encontrou-se um julgado datado em 2014, no qual os julgadores entenderam pela impossibilidade de usucapir apartamento em condomínio irregular, sob o entendimento de ser inviável quando o condomínio não se encontra averbado no Registro Imobiliário.

Já o STF na decisão do Recurso Extraordinário nº 305.416/RS, datada em 31/08/2020, reconheceu a possibilidade de usucapião de apartamentos na modalidade especial urbana, por exemplo, reafirmando que essa aquisição se aplica ao imóvel edificado, desde que atendidos os requisitos da área máxima de 250 m2, utilização como moradia e posse tranquila. Registra-se também que além da modalidade especial urbana, poderá ser utilizada outras modalidades para usucapir uma unidade autônoma, por exemplo, extraordinária ou ordinária, posto que não se restringe a dimensão da unidade autônoma, nem mesmo se o dono possui outro imóvel, devendo ser analisado o caso concreto, aplicando a modalidade mais benéfica à situação.

Há também decisões do STJ, como no Recurso Especial nº 1818564/DF, datada em 03/08/2021, clarificando que o direito de propriedade adquirido por usucapião não deve ser confundido com a regularidade do registro. A usucapião pode ser requerida judicialmente ou, desde a introdução do art. 216-A na Lei de Registros Públicos, pela via administrativa, facilitando a regularização de imóveis, incluindo aqueles em condomínios irregulares.

É importante destacar que existem várias decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo que se manifestam favoravelmente ao tema, permitindo a usucapião de apartamentos em condomínios edilícios irregulares. Isso porque a regularidade registral do condomínio e do apartamento não é um requisito para o reconhecimento legal da usucapião.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Assim, não restam mais dúvidas quanto à viabilidade da usucapião de apartamentos, seja por meio judicial ou extrajudicial, independentemente do tamanho ou da situação registral da unidade. Essa alternativa proporciona segurança jurídica ao possuidor e aumenta a valorização do imóvel no mercado após a regularização.

Sobre a autora
Suelen Santos

Advogada. Atuante na área imobiliária. Graduada na Universidade Federal do Rio Grande. Pós-graduada em direito civil com ênfase em direito empresarial. Pós-graduada em direito imobiliário. Membro da Comissão de Direito Imobiliário da Associação Brasileira dos Advogados (ABA). Advogada associada no escritório MZ Advocacia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 37%
Logo JusPlus
JusPlus

R$ 24 ,50 /mês

Pagamento único de R$ 294 por ano
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos