A Impossibilidade da Desconsideração da Personalidade Jurídica nas Sociedades Anônimas de Capital Fechado

03/10/2024 às 10:43

Resumo:


  • A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo importante para combater fraudes e abusos envolvendo a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios.

  • Nas sociedades anônimas de capital fechado, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deve ser criteriosa para garantir a segurança jurídica das empresas.

  • A legislação brasileira oferece mecanismos para responsabilizar administradores sem a necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica, protegendo os acionistas não envolvidos em atos ilícitos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo jurídico relevante para combater fraudes e abusos que envolvem o uso indevido da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. No entanto, sua aplicação deve ser criteriosa, especialmente quando se trata de sociedades anônimas (SAs) de capital fechado.

1. Natureza Jurídica das Sociedades Anônimas de Capital Fechado

As sociedades anônimas, reguladas pela Lei nº 6.404/76, possuem personalidade jurídica distinta de seus sócios, e a responsabilidade dos acionistas é limitada ao valor das ações subscritas. Esse formato jurídico visa proteger o patrimônio pessoal dos sócios e criar um ambiente seguro para investimentos. No caso das SAs de capital fechado, a ausência de ações negociadas no mercado público reforça essa separação patrimonial.

2. Desconsideração da Personalidade Jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica está prevista tanto no Código de Defesa do Consumidor (art. 28) quanto no Código Civil (art. 50), e tem por objetivo responsabilizar pessoalmente os sócios em situações de abuso da personalidade jurídica, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

No entanto, no contexto das SAs de capital fechado, a aplicação desse instituto requer cautela para evitar decisões precipitadas que comprometam a segurança jurídica das empresas.

3. O Acórdão Paradigmático no Processo TST-AIRR - 10248-75.2018.5.03.0134

Um exemplo paradigmático sobre a desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas de capital fechado é o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho no processo TST-AIRR - 10248-75.2018.5.03.0134​.

Nesse caso, o tribunal analisou a possibilidade de responsabilização pessoal dos acionistas de uma SA de capital fechado pelos débitos trabalhistas da empresa. A decisão reconheceu que, em situações onde os acionistas atuam diretamente na administração da sociedade, é possível aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, similarmente ao que ocorre nas sociedades limitadas.

A Corte entendeu que a ingerência direta dos acionistas na gestão pode justificar tal responsabilização, o que aproxima essas sociedades de uma estrutura menos complexa, como as limitadas. Entretanto, o acórdão foi enfático ao afirmar que a desconsideração só pode ocorrer em casos de abuso comprovado, como fraude ou má-fé, evitando que a simples participação dos acionistas na administração justifique automaticamente a responsabilização pessoal.

4. Limites à Desconsideração da Personalidade Jurídica nas SAs Fechadas

Ainda que o acórdão acima mencionado reconheça a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, é importante destacar que essa aplicação deve ser exceção, e não regra. O princípio fundamental das SAs é justamente a separação patrimonial entre sócios e empresa. Essa distinção visa proteger os acionistas de responsabilidade pessoal, permitindo que a empresa opere com maior segurança financeira e organizacional.

Nas SAs de capital fechado, o envolvimento dos acionistas na gestão é mais comum devido à estrutura limitada de capital e à ausência de mercado aberto de ações. No entanto, isso não deve ser visto como um fator suficiente para a desconsideração. A aplicação desse instituto deve ser restrita a casos onde haja desvio de finalidade ou uso fraudulento da personalidade jurídica, conforme exige a legislação vigente.

5. Proteção Legal aos Acionistas

A desconsideração da personalidade jurídica nas sociedades anônimas de capital fechado não deve ser aplicada apenas com base no envolvimento dos acionistas na gestão da empresa.

A legislação brasileira já oferece mecanismos suficientes para responsabilizar administradores e diretores de empresas, sem necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica. A Lei nº 6.404/76 e o Código Civil preveem que os administradores respondem por seus atos de gestão quando agem com dolo ou má-fé, protegendo assim os acionistas que não estejam diretamente envolvidos em tais atos.

6. Jurisprudência e Precedentes Favoráveis à Não Desconsideração

A jurisprudência brasileira tem adotado uma posição cautelosa em relação à desconsideração da personalidade jurídica em SAs de capital fechado. O Tribunal Superior do Trabalho, em diversas decisões, como no processo TST-AIRR - 10248-75.2018.5.03.0134, tem rejeitado a aplicação automática desse instituto, reconhecendo que a ingerência dos acionistas na gestão não configura, por si só, motivo para desconsideração. Em tais casos, é imprescindível a existência de provas que demonstrem abuso ou fraude no uso da personalidade jurídica​.

Conclusão

A desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas de capital fechado deve ser tratada com cautela e aplicada apenas em casos extremos de fraude ou desvio de finalidade.

O envolvimento dos acionistas na gestão da empresa não é, por si só, suficiente para justificar a responsabilização pessoal, pois a separação patrimonial é um dos princípios fundamentais das SAs. A aplicação inadequada da desconsideração pode gerar insegurança jurídica e comprometer a estabilidade do ambiente de negócios. Portanto, é essencial que o instituto seja utilizado apenas quando há evidências claras de abuso, conforme previsto na legislação e na jurisprudência atual.

Sobre o autor
Gustavo Lopes Pires de Souza

Gustavo Lopes Pires de Souza, especializado em Direito Desportivo, Direito Empresarial, e também atua como consultor de negócios com foco em empresas, ética e gestão esportiva. Formado em Direito com licenciatura em Ciências Sociais, doutorado hc em Direito, Gestão e Polímata pela EBWU (EUA), além de mestrado em Direito Desportivo pela Universitat de Lleida, traz uma rica experiência acadêmica e profissional, incluindo atuação como professor e palestrante em diversas instituições de ensino. Como influenciador digital e comentarista, participa ativamente em discussões sobre temas jurídicos e esportivos, contribuindo para uma maior compreensão e engajamento do público nessas áreas. Além disso, é autor de diversos livros e artigos que exploram as complexidades do Direito e suas implicações sociais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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