Causas do déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS): uma análise histórica

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03/10/2024 às 16:16

Resumo:


  • A história do Regime Geral de Previdência Social revela desafios estruturais que resultaram em um déficit acentuado ao longo dos anos.

  • A má gestão dos recursos, a capitalização deficiente, a interpretação equivocada das normas constitucionais de custeio e a falta de uma abordagem atuarial consistente contribuíram para fragilizar o sistema previdenciário.

  • A inadimplência dos empregadores, a desvinculação de receitas, o uso indevido das contribuições sociais e a vinculação do salário mínimo aos benefícios do INSS são fatores que impactam a sustentabilidade financeira da Previdência Social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Introdução

A história tem demonstrado que o Brasil enfrenta um severo adoecimento de seu sistema previdenciário. O Banco Mundial calcula que, acaso nenhuma medida mitigadora de riscos for adotada, a idade mínima de aposentadoria será de 72 anos a partir de 2040, chegando à marca de 78 anos em 2060 (MONTEIRO, 2024).

O presente artigo busca apresentar um panorama histórico a respeito da Seguridade Social no Brasil, especialmente a Previdência Social, estudando os principais agentes do déficit financeiro experimentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ao longo dos anos.


Da Seguridade Social e seu financiamento

O ponto de partida deste estudo é compreender o conceito e organismo da Seguridade Social no Brasil. Introduzida pela Constituição Federal de 1988 (Art. 194, caput), é formada por três pilares integrados: Previdência Social, Assistência Social e Saúde.

Em linhas gerais, o primeiro pilar é acessível mediante contribuição (previdência social). O segundo pilar independe de contribuição e está acessível apenas para aqueles que dela necessitem (assistência social). Quanto ao último pilar, seu acesso também é não contributivo, mas acessível para todos da sociedade (saúde).

Evidente que o custeio da Seguridade Social nos moldes acima destacados depende diretamente de um robusto financiamento com fontes alternativas de receitas e fatos geradores, sob pena de fracasso do próprio organismo protecionista e do déficit acentuado do tesouro nacional.

Por essa preocupação genuína, a Constituição Federal estabeleceu pelo Art. 195 um modelo de financiamento da Seguridade Social composto por contribuições da sociedade como um todo, dos trabalhadores, empregadores e do próprio Estado, constituindo uma base diversa de custeio.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com o valor do salário de contribuição, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar;

V - sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.

Sendo certo que em tempos de crise econômica é a massa salarial o contingente mais afetado, o financiamento da Seguridade Social não poderia depender exclusivamente da folha salarial para o protecionismo social nas adversidades, razão pela qual a criação de contribuições sociais diversas é essencial para manutenção do sistema (SOUZA, 2011).

Entretanto, o Art. 167, inciso XI da Carta Magna vedou expressamente “a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”, a partir da Emenda Constitucional nº 20/1998.

Em outras palavras, as contribuições patronais e do trabalhador apenas se destinariam ao custeio dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), não podendo assumir finalidade ou destino diverso.

Nesse sentido, as demais receitas constantes do Art. 195 da Carta Política podem ser utilizadas para custear a seguridade social como um todo, e não somente a Previdência Social, mas não poderiam ser destinadas ao pagamento de outras despesas não relacionadas do Estado – por previsão clara do caput.

Ocorre que o Art. 167, inciso XI, da Constituição Federal acabou por suscitar um entendimento equivocado de que tão somente as contribuições patronais e dos trabalhadores seriam destinadas ao custeio do RGPS, excluindo as demais receitas do Art. 195, tratando-as como espécie de recursos externos apenas para cobertura de eventual déficit financeiro no pagamento de benefícios previdenciários (SOUZA, 2011).

Não bastasse a interpretação equivocada, a criação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), em meados de 1994 e prorrogada por diversas vezes, colaborou expressivamente para o desequilíbrio financeiro do RGPS.

Trata-se de um mecanismo que permitia ao Governo Federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado (AGÊNCIA SENADO, 2015). O percentual foi aumentado para 30% em decorrência da Emenda Constitucional nº 93/2016.

O artifício, utilizado em larga escala por diversos governos durante os anos, além de irresponsável do ponto de vista fiscal, afetou, sobretudo, as diretrizes do Direito Tributário e o projeto constitucional da Seguridade Social.

Isso, pois, uma das principais diferenças entre o imposto e a contribuição social reside no fato de que a primeira não possui destinação específica, ao passo que a segunda dispõe de finalidade própria que justifica sua existência – e que não deve (ou ao menos não deveria) ser utilizada de forma diversa ao seu propósito.

Na dianteira de juristas renomados como José Marcos Domingues de Oliveira:

[...] a finalidade é relevante, sim, para a análise da constitucionalidade do tributo. E se o desvio de finalidade pode ensejar a nulidade do imposto, como decidiu o Supremo, porque a afetação deste é constitucionalmente proibida, deve-se entender que, pela mesma razão, o desvio de finalidade das contribuições, cuja afetação é determinada pelo Constituição, torna-os ilegítimos desde o nascedouro, desde a sua instituição (REINHARD; OLIVEIRA; SPAGNOL, 2004, p. 37).

Há que se ponderar que se a destinação pública caracteriza o tributo como gênero, é a especial destinação, que afinal distingue as contribuições como subespécies afetadas, e justifica constitucionalmente a sua instituição em homenagem a valores especialmente tutelados. Então, aquele princípio de destinação pública genérica dos tributos, deve-se entender, no campo das contribuições, como principio de destinação especifica atrelado a seus fatos geradores (REINHARD; OLIVEIRA; SPAGNOL, 2004, p. 36-37).

Portanto, o desrespeito ao longo de décadas da aplicação correta (assegurada constitucionalmente) das contribuições sociais arrecadadas contribuiu significativamente para o déficit acentuado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), bem como para o esvaziamento de sua própria finalidade.


Da Fonte de Custeio

Nos termos do Art. 195, §5º da Constituição Federal, “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

Em que pese tal princípio tenha sido inserido em nosso ordenamento jurídico desde meados de 1965, recepcionado pela Carta Maior de 1988, por décadas foi severamente maculado – até os diais atuais.

Na certeira explicação de Carlos Alberto Pereira de Castro:

Em verdade, tal princípio tem íntima ligação com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, de modo que somente possa ocorrer aumento de despesa para o fundo previdenciário quando exista também, em proporção adequada, receita que venha cobrir os gastos decorrentes da alteração legislativa, a fim de se evitar o colapso das contas do regime. Tal determinação constitucional nada mais exige do legislador senão a conceituação lógica de que não se pode gastar mais do que se arrecada (CASTRO, 2011).

A história demonstra que as contas públicas experimentaram crescente e favorável superávit financeiro durante anos, especialmente entre 1990 a 2005, passando a suportar os primeiros resultados negativos tão somente em 2014 – cenário que se agravou nos anos subsequentes e até os dias recentes.

Pela ótica do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), Domingos Augusto Taufner:

Desde 2014, ao contrário dos anos anteriores nos quais o governo federal tinha superávit primário, há um acúmulo a cada ano de significativos déficits fiscais, o que demonstra dificuldade no pagamento de seus compromissos, inclusive os benefícios previdenciários. Além disso, há preocupação com o crescimento demográfico que, segundo a projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, até o ano de 2060 teremos mais aposentados do que trabalhadores ativos [...] (TAUFNER, 2019).

Durante as décadas de cenários econômicos favoráveis ao tesouro nacional o superávit financeiro das contribuições sociais do RGPS foi utilizado para custear segmentos diversos da Previdência Social, desencadeando em um histórico precário de capitalização de recursos (sobras), o que será abordado adiante.

Para fins de pagamento de benefícios previdenciários não é apenas a fonte de custeio no curto prazo, ou no momento de criação/majoração, o fator relevante. Conduzir a previdência social dessa forma é colocar em risco a sustentabilidade do sistema em longo prazo, uma vez que se trata de pagamentos de caráter continuado e na maioria dos casos constituem direitos adquiridos (TAUFNER, 2019).

Eis a importância do equilíbrio financeiro e atuarial em qualquer segmento de Previdência Social. De maneira resumida, o equilíbrio financeiro é auferido em curto prazo, isto é, o encontro entre receitas e despesas em determinado período. O equilíbrio atuarial, por outro lado, consiste na estimativa de recursos necessários para a manutenção dos benefícios concedidos, e aqueles que serão concedidos, em uma perspectiva de longo prazo – geralmente 75 (setenta e cinco) anos.

No cálculo atuarial a complexidade é maior em decorrência das inúmeras variáveis envolvidas no processo – que não são restritas unicamente aos cálculos aritméticos simples -, tais como: expectativa de vida (tábuas de mortalidade), probabilidade de entrada em invalidez, crescimento da remuneração, taxa de juros, inflação, et cetera (TAUFNER, 2019).

Lado outro, a dimensão atuarial é de notória relevância para a saúde da Previdência Social, uma vez que dimensiona os compromissos do plano de benefícios traçando mecanismos e estratégias para que o fluxo de receitas seja suficiente para suportar as obrigações no longo prazo.

Nas palavras de Domingos Augusto Taufner:

Para analisar a sustentabilidade de um regime de previdência, não basta observar o comportamento orçamentário de um período pequeno de tempo, pois não se trata apenas de um cálculo aritmético. Não adianta obter apenas o equilíbrio financeiro, pois é necessário também o equilíbrio atuarial, que permitirá o pagamento dos benefícios no longo prazo, e este não é demonstrado apenas com pequenas folgas orçamentárias (TAUFNER, 2019).

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A negligência do Regime Geral com a esfera atuarial por décadas, acreditando em um sistema de repartição simples exclusivamente dependente do superávit das contas públicas, ou seja, com enfoque apenas no presente e descartando o futuro, também foi crucial para agravar o déficit previdenciário hoje experimentado.

Em que pese o fato de inexistir indicação expressa na Constituição Federal sobre a observância pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do equilíbrio financeiro e atuarial, tal como ocorre com os regimes próprios de previdência social (Art. 40, caput), deve ser levado em consideração o princípio da preexistência de custeio total disposto no Art. 195, §5º da Carta Magna, uma vez que abrange toda a seguridade social – da qual a previdência está inserida.

Além disso, salutar destacar que, embora o custeio da previdência social dos servidores federais, portanto, submetidos ao regime próprio de previdência social, não dependa das contribuições previstas no Art. 195 da Constituição Federal, a complementação de benefícios ou aportes necessários para cumprimento das obrigações são suportadas pelo próprio tesouro nacional.


Do contexto histórico do RGPS

Para muitos autores o surgimento da Previdência Social no Brasil se deu por intermédio da Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682/1923) – responsável pela criação de caixas de aposentadorias e pensões (CAP’s) para os ferroviários, instituídas em cada empresa (DIAS; MACÊDO, 2010).

Em linhas gerais, os ferroviários contribuíam em pecúnia para o custeio de aposentadorias por invalidez, aposentadorias ordinárias, pensões por morte e assistência médica. Notadamente, a constituição de reservas para fruição em longo prazo representa um conceito rudimentar de capitalização já nessa época.

Em meados de 1930 surgiram os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s), organizados por categorias profissionais. Enquanto as caixas de aposentadorias e pensões possuíam um viés descentralizado do Estado, pois se tratavam de entidades civis administradas por empresas, os institutos de aposentadorias e pensões foram criados na figura de autarquias, subordinados ao Ministério do Trabalho e Comércio (à época) e com dirigentes escolhidos pelo próprio Governo Federal (TAUFNER, 2019).

Ao contrário do que se pensa, a incidência da figura estatal no controle dos institutos afetou diretamente a sustentabilidade do sistema, ao invés de zelar pela eficiência e capitalização dos recursos alocados.

Nas palavras de Narlon Gutierre Nogueira:

A partir do final da década de 1930 as entidades de previdência social passaram a enfrentar algumas práticas que iriam deteriorar paulatinamente o seu patrimônio, resultando na vulnerabilidade do sistema, evidenciada cerca de duas décadas mais tarde. Essas práticas envolviam: a já mencionada retenção dos valores das quotas e taxas de previdência pelo Governo, que não as repassava corretamente ou saldava suas dívidas com a transferência de bens imóveis; a aplicação das reservas acumuladas em títulos públicos, financiando a dívida do Governo, com rendimentos baixos, muitas vezes inferiores à desvalorização da moeda; a canalização de uma parte das reservas para projetos considerados prioritários pelo Governo, que editava decretos impondo ou “autorizando” investimentos em áreas estratégicas (NOGUEIRA, 2012).

O autor discorre apresentando situações práticas em que o Estado utilizou as reservas dos institutos para financiamento de segmentos distintos:

Dessa última situação podem ser citados vários exemplos: a) Os Decretos-Lei nº 574/1938, 2.611/1940 e 3.077/1941 estabeleceram que 15% dos recursos das CAPs e dos IAPs seriam aplicados em bônus da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, sendo remunerados com juros de 5% ao ano. b) O Decreto-Lei nº 1.186/1939, que criou o Instituto de Resseguros do Brasil, estabeleceu que 70% de suas ações seriam subscritas pelas instituições de previdência social. c) O Decreto-Lei nº 1.834/1939 autorizou as instituições de previdência social a concederem empréstimos para a instalação das indústrias de celulose e pasta de madeira, com juros de 7% ao ano e prazo de amortização de 15 anos. d) Os IAPs foram autorizados a subscreverem ações preferenciais da Companhia Siderúrgica Nacional (Decreto-Lei nº 3.173/1941), da Companhia Nacional de Álcalis (Decreto-Lei nº 5.684/1943), da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Decreto-Lei nº 8.031/1945) e da Fábrica Nacional de Motores S.A. (Decreto-Lei nº 8.669/1946). e) O Decreto-Lei nº 9.264/1946 autorizou o Ministério da Fazenda a adquirir partes beneficiárias da CSN e a transferi-las aos IAPs para pagamento de dívidas da União pelo não repasse de contribuições. f) O Decreto-Lei nº 9.589/1946 autorizou o Departamento Nacional de Estradas de Ferro a contrair empréstimos com o IAPI para a fabricação de locomotivas e a eletrificação de ferrovias. g) A Lei nº 1.272-A/1950 autorizou as instituições previdenciárias a aplicarem seus recursos no Fundo Ferroviário Nacional, destinado à construção, renovação e melhoramento das ferrovias. h) A Lei nº 1.628/1952, que criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, definiu a participação das instituições previdenciárias, com a concessão de empréstimos compulsórios em montante a ser estabelecido pelo Ministério da Fazenda, até o limite de 3% de sua receita anual. i) Os próprios regulamentos de alguns IAPs autorizavam a concessão de empréstimos a empresas privadas, geralmente vinculadas ao seu setor de atividades (NOGUEIRA, 2012).

Durante os anos subsequentes outros institutos foram criados para as mais diversas categorias profissionais. Em que pese a existência de contribuições dos trabalhadores e da contrapartida patronal, a sustentabilidade do sistema permanecia prejudicada pela capitalização deficiente e o desvirtuamento dos recursos alocados para segmentos distintos da Administração Pública.

Em 1966, no contexto do regime militar, ocorreu a unificação dos institutos de aposentadorias e pensões por meio do Decreto-Lei nº 72/1966, nascendo o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), um protótipo do Regime Geral de Previdência Social conhecido atualmente (NOGUEIRA, 2012).

A unificação administrativa e financeira dos IAP’s afetou significativamente a sustentabilidade do sistema previdenciário, que já era deficiente. Todos os recursos previdenciários foram alocados no Tesouro Nacional, confundindo-se com o orçamento estatal de outros segmentos (BORGES, 2003).

No sentir de Mauro Ribeiro Borges:

Isso fez com que houvesse uma total perda de controle da sociedade sobre os destinos desses valores, o que, até então, era exercido pelos representantes dos segurados e, o que é pior, passássemos a ter um total descomprometimento com a questão previdenciária, tendo-a como obrigação única do Estado, a ponto de formarmos uma geração que até mesmo a ignorou totalmente (BORGES, 2003).

De certa forma, a unificação dos institutos colaborou para uma leitura equivocada de terceirização da responsabilidade previdenciária incumbida exclusivamente ao Estado.

As contribuições previdenciárias, patronal e trabalhador, continuaram a ser recolhidas, mas a capitalização permanecia deficiente. O superávit financeiro muito se explicava em razão do número de inativos estar consideravelmente abaixo dos trabalhadores em atividade, contexto que a cada ano vem se afunilando no Brasil pela queda da taxa de natalidade (TAUFNER, 2019).

O saldo positivo de recursos financeiros ano a ano no Tesouro Nacional colaborou para uma expansão da proteção social entre os anos de 1972 e 1977, com a integração do seguro de acidentes do trabalho ao INPS, inclusão dos empregados domésticos no sistema de Previdência Social, criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), implantação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), proteção dos trabalhadores autônomos, et cetera (NOGUEIRA, 2012).

Entretanto, a ampliação do sistema previdenciário, respeitando a universalidade de cobertura, não contou com estudos aprofundados de sistemática financeira e atuarial no médio e longo prazo, principalmente no que diz respeito aos benefícios contributivos (previdência social) e não contributivos (assistência social) - fator que comprometeu a sustentabilidade do sistema nas primeiras recessões econômicas.

Na brilhante análise de Narlon Gutierre:

Ao contrário do ciclo de expressivo crescimento do período do “milagre econômico”, entre 1967 e 1973, que possibilitou ao Estado aumentar a arrecadação tributária e expandir a proteção social, os primeiros anos da década de 1980, intitulada a “década perdida”, foram marcados por forte recessão econômica, que produziu a perversa combinação de aumento das demandas sociais com a redução da capacidade financeira do Estado para atendê-las. A receita previdenciária, em particular, foi fortemente afetada, por estar a sua sustentação em grande parte vinculada à massa salarial, que apresentou queda, decorrente do aumento no desemprego e do rebaixamento no nível dos salários. Somavam-se a isso os crescentes compromissos financeiros assumidos para o pagamento da dívida pública interna e externa, as deficiências no sistema de arrecadação previdenciária, a contumaz inadimplência das empresas no repasse das contribuições, a utilização de recursos das contribuições sociais para financiamento de outras áreas do Governo, as fraudes contra o sistema e suas ineficiências administrativas. Essa situação de desequilíbrio foi enfrentada com o aumento das alíquotas de contribuição devidas pelos empregados e empregadores, visando elevar as receitas, e pelo mecanismo de rebaixamento nos valores reais dos benefícios, para conter o ritmo de expansão das despesas.

Em que pese a Constituição Federal de 1988 ter apresentado melhorias para o custeio da Seguridade Social, a forma de cálculo dos benefícios previdenciários do RGPS, pela leitura original do Art. 202, atentava contra a sustentabilidade do sistema.

Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições [...]

Os proventos eram calculados pela média dos últimos 36 (trinta e seis) salários de contribuição, ou seja, pelos últimos 03 (três) anos. Pois bem, a tendência no mercado de trabalho é o crescimento salarial gradual durante toda a carreira profissional.

Considerar apenas os três últimos exercícios, descartando a proporcionalidade das contribuições nos demais anos, garantia um benefício significativamente maior do que a média daquilo que realmente foi recolhido para o fundo previdenciário. Nitidamente o encontro de receitas e despesas é severamente afetado e a situação apenas foi corrigida em 1998, com a Emenda Constitucional nº 20.

A preocupação genuína com a saúde do sistema previdenciário, embora tardia, deu origem ao que chamamos de “fator previdenciário”, introduzido pela Lei Federal nº 9.876/99.

O fator previdenciário é medida adotada para obstar aposentadorias precoces de um público com menor idade, tendo em vista a redução dos proventos nessas hipóteses (TAUFNER, 2019). Busca incentivar o contribuinte a trabalhar por mais tempo, pois quanto menor a idade na data focal da aposentadoria, maior será o redutor do benefício.

Sobre o autor
Matheus de Paiva Mucin

Servidor público, advogado, especialista em ações trabalhistas bancárias e pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela instituição Damásio Educacional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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