Honorários por equidade conforme tabela da OAB e sua inaplicabilidade no plano concreto

03/10/2024 às 16:12
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A inclusão do §8º-A no artigo 85 do Código de Processo Civil foi uma conquista muito festejada por toda advocacia, tendo sido um avanço legislativo significativo por fixar limites objetivos para o arbitramento de honorários sucumbenciais nas causas de valor irrisório ou inestimável, tentando trazer luz para clarear a subjetividade e disparidade que acontecia nos tribunais:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior.       (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

Acontece, que no plano prático, o que se vê são malabarismos interpretativos, impulsionados por uma jurisprudência defensiva, fazendo com que a redação do referido artigo fique inaplicável, tornando-se, como diria Ferdinand Lassalle, uma “mera folha de papel”.

Segundo a jurisprudência mais recente do STJ, a fixação da verba honorária com base no art. 85, § 8º, do CPC/2015 estaria restrita às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, as de estado e de direito de família, nesse sentido é a tese fixada no Tema 1.076/STJ:

i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

Em julgados do Superior Tribunal de Justiça, observou-se uma postura combativa ao referido artigo, não o aplicando em causas com proveito econômico baixo sob as seguintes justificativas: ofensa ao princípio da proporcionalidade, ausência do caráter vinculativo da tabela da OAB e para se evitar o enriquecimento sem causa do advogado, nesse sentido (REsp 2161210, Ministro MARCO BUZZI, 30/08/2024):

2. No mérito, cinge-se a controvérsia acerca da alegada vulneração do art. 85, § 8º-A, do CPC, ao argumento de que o arbitramento de honorários advocatícios estaria vinculado à tabela da OAB. Acerca da controvérsia, o Tribunal local assim decidiu (fls. 384, e-STJ): Não é caso de aplicação da Tabela da OAB, mas de aplicar, como ocorreu, o preceito do CPC a tal respeito (art. 85, § 8ºA) em sintonia com o art. 8º e com o § 2º do próprio art. 85. Não se admite que uma causa envolvendo valor líquido (R$ 3.243,98) gere honorários superiores a esse montante, justamente o proveito econômico conseguido ao cliente pelo advogado. Não seria razoável, violaria a proporcionalidade. Aliás, a pretensão infringe a própria essência da equidade (justiça concreta, expressada, nesse aspecto, na razoabilidade da fixação da verba honorária em face da vantagem que o advogado, com seu valioso trabalho, conseguiu para o cliente).
Na hipótese, a Corte de origem concluiu
que a tabela da OAB, apesar de servir de parâmetro para o arbitramento dos honorários contratuais, não possui caráter vinculativo, devendo ser observadas as circunstâncias do caso concreto para evitar o enriquecimento sem causa do advogado. Com efeito, verifico que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação firmada na jurisprudência desta Corte, para a qual o magistrado não está vinculado aos valores de honorários estabelecidos pela tabela da Ordem dos Advogados do Brasil. Confiram-se, a propósito: (...) PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAUDE. RECLAMAÇÃO. IAC 14 DO STJ. DESRESPEITO AO JULGADO DESTA CORTE SUPERIOR. RECONHECIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. CRITÉRIO DA EQUIDADE. 1. A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.746.072/PR, ao interpretar as regras do art. 85 do CPC/2015, pacificou o entendimento de que a fixação de honorários de sucumbência deve seguir a uma ordem decrescente de preferência, sendo o critério por equidade a última opção alternativa, que só tem lugar quando se tratar de causa cujo valor seja inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. 2. Em 15/03/2022, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao referendar a aludida orientação em sede de recurso representativo da controvérsia (REsps 1.850.512/SP, 1.877.883/SP e 1.906.623/SP - Tema 1.076), decidiu pela impossibilidade de fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa, ainda que o valor da causa, da condenação ou o proveito econômico sejam elevados. 3. Na hipótese, os honorários advocatícios foram arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com base no critério da equidade, considerando a ausência de condenação, a impossibilidade de mensurar o proveito econômico obtido pelo ora agravante com a procedência da reclamação, em que se objetivou somente compelir o Tribunal de origem a cumprir a decisão exarada por esta Corte de Justiça no IAC 14 do STJ, a fim de se manter a competência do Juízo estadual para o julgamento da demanda. 4. A parte agravante defende a aplicação da verba honorária nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, sob o valor atribuído à presente reclamação, qual seja, R$ 424.608,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil, seiscentos e oito reais), correspondente ao valor anual do tratamento home care pleiteado na ação originária. 5. A utilização do valor da causa, como referência para o cálculo dos honorários sucumbenciais, ofende os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois não se pode confundir o mérito da ação originária, que versa sobre à dispensação de tratamento/medicamento não incluído nas políticas públicas, que, certamente, envolve temas de maior complexidade e dimensão, abrangendo tanto o direito material como o processual, com a controvérsia analisada nesta reclamação, cujo caráter é eminentemente processual e de simples resolução. 6. De notar também que, segundo a jurisprudência desta Corte de Justiça, a previsão contida no § 8º-A do art. 85 do CPC, incluída pela Lei n. 14.365/2022 - que recomenda a utilização das tabelas do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil como parâmetro para a fixação equitativa dos honorários advocatícios -, serve apenas como referencial, não vinculando o magistrado no momento de arbitrar a referida verba, uma vez que deve observar as circunstâncias do caso concreto para evitar o enriquecimento sem causa do profissional da advocacia ou remuneração inferior ao trabalho despendido. 7. Em atenção ao disposto no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC/2015, à natureza da presente ação, à ínfima complexidade da causa, à curta tramitação do feito e ao trabalho desenvolvido pelos patronos da parte reclamante, que não necessitaram empreender grandes esforços para finalizar a demanda de forma satisfatória, impõe-se a manutenção da verba honorária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), visto que arbitrada em critérios legalmente permitidos, dentro da razoabilidade e em conformidade com a jurisprudência desta Casa. 8.
Agravo interno desprovido. (AgInt no AgInt na Rcl n. 45.947/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 18/6/2024, DJe de 26/6/2024.) [grifou-se]

Ao se debruçar na jurisprudência dos tribunais locais, observa-se que o posicionamento é no sentido de “facilitar o acesso à justiça” e que os valores recomendados pelo órgão de classe devem ser tomados apenas como um norte para a fixação equitativa de honorários sucumbenciais, sob pena de subtrair do magistrado a possibilidade de analisar, no caso concreto, os elementos previstos nos incisos do art. 85, § 2º, do CPC, podendo ele deixar de aplicar os valores constantes da tabela da OAB:

No julgamento do recurso de embargos de declaração, o Tribunal de origem consignou que "o Juízo não está vinculado à tabela de honorários da OAB para a fixação das verbas de sucumbência e que o artigo 85, § 8º-A, do CPC deve ser interpretado em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado" (fl. 255). Confira-se: O valor dos honorários advocatícios do patrono da autora, fixado em R$ 500,00, corresponde a montante razoável e adequado, sem se mostrar excessivo, para remunerar condignamente o causídico, em razão do zelo do trabalho por ele apresentado e da natureza e importância da causa, de baixa complexidade. Ressalte-se que o Juízo não está vinculado à tabela de honorários da OAB para a fixação das verbas de sucumbência. O artigo 85, § 8º-A, do CPC deve ser interpretado em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado [...] (e-STJ, fls. 254/255) Como demonstra a decisão agravada, a hipótese dos autos subsume-se ao comando do art. 85, § 8º, do CPC/2015, segundo o qual, "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º". Isso, porque, apesar da cobrança ilícita, não foi reconhecido o dano moral. Assim, esse entendimento está em perfeita consonância com a orientação que emana das teses firmadas no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.076. (AgInt no REsp 2104174, Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, 02/08/2024)

Todavia, a fixação do valor dos honorários conforme a tabela sugestiva da OAB/DF viola o princípio da proporcionalidade, pois não é razoável que o réu seja condenado ao pagamento de cerca de R$ 1.881,49 e tenha de pagar, a título de honorários sucumbenciais, valor acima de R$ 7.000,00. Adotar a tabela sugestiva de honorários da OAB também implicaria violação ao princípio de acesso à justiça, porque evidentemente desestimularia o ajuizamento de ações pelas partes quando o valor da causa ou do proveito econômico, que acreditam fazerem jus, for relativamente baixo, pois em caso de improcedência do pedido o valor do pagamento de honorários sucumbenciais seria muito superior ao da obrigação em si. Assim, por medo de pagar honorários sucumbenciais, haverá um desestímulo ao acesso à justiça. Não bastasse isso, a aplicação da tabela da OAB, no presente caso, implica evidente enriquecimento ilícito por parte dos patronos da parte vencedora, pois não é lógico que o proveito econômico da parte seja muito menor que o proveito econômico do advogado e, do mesmo modo, não é lícito que o sucumbente de valor relativamente baixo seja condenado ao pagamento de valores que ultrapassam muitas vezes os valores devido ao vencedor da demanda. Por fim, a Tabela de Honorários da OAB/DF é ato infralegal e não vincula o juiz, de modo que sua observância, no caso concreto, deve ser afastada (fls. 222/223). (AREsp 2700394, Ministro HERMAN BENJAMIN, 25/09/2024).

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Infere-se no plano prático que apesar da Advocacia ter vencido a batalha legislativa, com a inclusão merecida do art. 85, §8-A do CPC, trazendo balizas objetivas para minorar a subjetividade no arbitramento de honorários, perdeu-se a guerra para a jurisprudência defensiva dos tribunais, que insistentemente, torna a redação legal inaplicável, mantendo a tese de honorários pejorativos e indecorosos para toda a Advocacia.

Não se pode esquecer que o tempo de tramitação de um processo leva em média 3.4 anos para se transitar, segundo relatório da “justiça em números” do CNJ.

Além do mais, o Judiciário vem enfrentando um aumento da litigiosidade nos últimos anos, buscando soluções para diminuir a sobrecarga nos magistrados como: inclusão do filtro de relevância nos recursos especiais, possibilidade de extinção das execuções fiscais de pequeno valor, dentre outras alternativas drásticas, que, efetivamente, dificultam o acesso à justiça.

Não se pode esquecer que os honorários são, indiscutivelmente, verbas de natureza alimentar, compondo parcela essencial dos proventos dos causídicos, desempenhando um papel crucial no sistema judiciário, contribuindo significativamente para a justiça e a eficiência dos processos judiciais, sendo sua valorização indispensável.

Ademais, um dos principais benefícios dos honorários sucumbenciais é o desencorajamento de litígios desnecessários, funcionando, inclusive, como inibidor de “loterias judiciais”, onde as partes entram com ações judiciais na esperança de obter ganhos fortuitos, sem uma base jurídica consistente.

Quando se sabe que em caso de derrota, terá que arcar com os honorários do advogado da parte vencedora, a parte potencialmente litigante pensa duas vezes antes de iniciar um processo sem fundamentos sólidos.

Além disso, os honorários sucumbenciais promovem o acesso à justiça, garantindo que os advogados sejam devidamente remunerados pelo seu trabalho, incentivando-os a representar clientes que, de outra forma, poderiam não ter condições de pagar pelos serviços advocatícios, como nas causas pro bono.

Isso é especialmente importante em casos onde a parte vencedora é economicamente desfavorecida, pois os honorários sucumbenciais podem cobrir os custos do processo e do advogado, tornando a justiça mais acessível e equitativa.

Não há o que se falar de obstrução das causas de baixo valor, haja vista que a lei já traz benesses como a previsão do art. 99, §3º do CPC para os hipossuficientes, previsão dos juizados especiais com gratuidade da justiça.

Portanto, os honorários sucumbenciais não apenas recompensam o trabalho dos advogados, mas também desempenham um papel fundamental na manutenção de um sistema judiciário justo e eficiente, ajudando a evitar abusos e garantindo que todos, independentemente de sua condição econômica, tenham acesso à justiça.

A fim de se evitar a função simbólica processual dissociada do plano concreto e visando quebrar a inércia para não transformar o CPC numa mera folha de papel ou num mero texto nominativo, numa interpretação ontológica, sugere-se a revisão jurisprudencial para tornar o art. 85, §8º-A do CPC aplicável e não uma mera disposição ilustrativa.

Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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