Será que o ilícito compensa?

03/10/2024 às 17:32
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Condenações desproporcionais; crimes Econômicos e Financeiros, ilícitos Civis e Contratuais

Resumo do artigo

Na verdade existem situações em que a punição ou consequência legal, em muitos casos, não parece proporcional ao dano ou ao benefício obtido pelo infrator. Esse tipo de situação gera um sentimento de injustiça e frustração, alimentando a percepção de que "o crime compensa". Vamos explorar alguns pontos sobre a (des)proporcionalidade das condenações no sistema jurídico brasileiro.

1. Condenações Desproporcionais e Crimes Contra a Honra

Nos crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria), sobretudo com o uso de redes sociais, o impacto negativo pode ser imenso. Uma postagem ofensiva que viraliza pode alcançar milhões de pessoas, como você mencionou, gerando benefícios financeiros e notoriedade ao infrator. No entanto, as indenizações por dano moral são, em regra, arbitradas em valores relativamente baixos, não refletindo o alcance do dano causado, nem tampouco os ganhos obtidos pela pessoa ofensora.

Efeito prático: A indenização de R$ 5.000,00 ou R$ 10.000,00 por um ataque que gerou R$ 10.000,00 ou mais em lucros pode ser vista como insuficiente para desestimular esse tipo de comportamento. A consequência financeira se torna ínfima comparada ao lucro gerado, o que gera a sensação de impunidade ou estímulo à repetição do ilícito.

2. Crimes Econômicos e Financeiros

Em casos de crimes financeiros, como golpes aplicados por estelionatários, muitas vezes os infratores conseguem desviar grandes quantias de dinheiro e, quando condenados, a devolução é parcial, limitada ou, muitas vezes, nem sequer ocorre de fato. Esse descompasso entre o valor desviado e a pena aplicada é uma questão recorrente no direito penal econômico.

Efeito prático: O tempo de prisão muitas vezes é reduzido por benefícios legais, como a progressão de regime, enquanto as vítimas permanecem prejudicadas e raramente recuperam os valores desviados. A percepção de que "o crime compensa" está atrelada à ideia de que as penas são brandas, especialmente quando o montante financeiro obtido com o crime não é integralmente devolvido.

3. Ilícitos Civis e Contratuais

Quando falamos de inadimplemento contratual, como o exemplo do comprador que some com o carro financiado, a punição recai principalmente sobre o nome negativado, o que pode ser visto como uma sanção insuficiente para o infrator. Os credores têm dificuldade de recuperar o bem ou o valor correspondente, e as medidas judiciais de execução frequentemente encontram obstáculos práticos, como a falta de bens em nome do devedor.

Efeito prático: A negativação do nome por cinco anos pode ser vista como uma consequência leve para o impacto do inadimplemento, especialmente se o infrator continuar a utilizar o bem, como o veículo, sem sofrer outras sanções mais severas.

4. Concessionárias e Prestadoras de Serviços Públicos

Em casos de má prestação de serviços por concessionárias de serviços essenciais, como planos de saúde, energia elétrica, água ou telefonia, o consumidor é frequentemente lesado por períodos de interrupção de serviço ou negativas de cobertura de tratamento de saúde. Embora haja previsão legal para indenização, como previsto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), as punições raramente têm um impacto significativo no prestador de serviço.

Efeito prático: A empresa concessionária, que muitas vezes detém poder econômico e um grande número de consumidores, pode encarar as indenizações como custos operacionais. Para o consumidor individual, o prejuízo imediato, como a falta de água ou a negativa de tratamento médico, é devastador, mas a compensação financeira obtida judicialmente, em muitas ocasiões, não cobre adequadamente o dano.

5. Consequências Judiciais: Proporcionais ou Brandas?

De modo geral, a percepção de que as consequências jurídicas são brandas pode ser atribuída a:

  • Valores de indenizações muitas vezes não condizentes com o prejuízo real ou o ganho do infrator.

  • Dificuldade na execução das penas financeiras, como a recuperação de valores em crimes financeiros.

  • Progressão de regime e benefícios penais, que reduzem o tempo efetivo de prisão, especialmente em crimes de colarinho branco.

  • Penas de restrição de direitos, como a negativação de nome, que podem ser desproporcionais ao bem que foi objeto do crime ou inadimplemento.

5.  Aposentadoria Compulsória: O Crime Compensa?

No Brasil, quando um juiz, desembargador ou ministro comete atos graves, como vender sentenças, praticar improbidades ou causar prejuízos ao Poder Judiciário, a punição máxima dentro da carreira é a aposentadoria compulsória. Isso significa que, em vez de serem demitidos ou presos, eles são obrigados a parar de trabalhar, mas continuam recebendo seus salários proporcionais ao tempo de serviço. Em muitos casos, isso acaba sendo visto como uma punição branda, já que a pessoa fica com sua renda garantida pelo resto da vida.

Aposentadoria Compulsória: O Crime Compensa?

De certa forma, essa punição é bastante criticada porque, mesmo cometendo crimes ou atos de corrupção, o magistrado mantém um benefício financeiro. Assim, para muitos, essa situação reforça a ideia de que "o crime compensa", já que o juiz ou desembargador pode se aposentar com um salário considerável e, muitas vezes, não enfrenta outras consequências penais ou civis mais graves.

Aposentadoria Compulsória em Outros Países

Em outros países, como os Estados Unidos ou a maior parte da Europa, quando um juiz é flagrado cometendo crimes ou graves desvios éticos, ele geralmente é demitido sem nenhum benefício. A aposentadoria compulsória com remuneração, como ocorre no Brasil, é algo raro no cenário internacional, e o comum é que a pessoa responda civil e penalmente pelos seus atos, como qualquer outro cidadão.

Existe Alguma Movimentação para Mudar Isso no Brasil?

Sim, há propostas e discussões sobre o fim da aposentadoria compulsória como punição para magistrados no Brasil. O assunto é tratado como uma reforma necessária para evitar que esses profissionais continuem sendo beneficiados mesmo após cometerem atos ilícitos. Projetos de lei já foram apresentados ao Congresso, propondo que, em vez de serem aposentados, os juízes corruptos sejam demitidos sem direito a aposentadoria. No entanto, a tramitação dessas propostas é lenta, e ainda não houve uma mudança concreta.

Trocando em miúdos:

Hoje, no Brasil, quando um juiz comete um crime grave, a punição máxima é ser aposentado à força, mas ele continua recebendo seu salário. Ou seja, não precisa mais trabalhar, mas segue ganhando bem. Isso é visto como um privilégio injusto, pois o juiz corrupto não perde nada e até se beneficia. Em outros países, esse tipo de coisa não acontece, e os juízes que erram gravemente são demitidos e perdem o salário. Aqui, já existem movimentos e propostas para acabar com essa aposentadoria, mas ainda nada foi aprovado.

6. Foro privilegiado para deputado federal e senador

Oforo privilegiado é um dos temas mais polêmicos do sistema político brasileiro, especialmente em relação a deputados federais e senadores. Ele garante que políticos ocupando certos cargos, como membros do Congresso Nacional, sejam julgados por tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF), em vez de passarem por instâncias inferiores, como ocorre com a maioria dos cidadãos. Na prática, isso cria um ambiente em que muitos acreditam que essas autoridades se protegem da justiça ou, ao menos, têm uma tramitação muito mais lenta em seus processos.

Foro Privilegiado e a Constituição Federal

O artigo 37 da Constituição Federal estabelece princípios que todos os agentes públicos devem seguir, como moralidade, impessoalidade, legalidade e publicidade. Quando políticos cometem atos ilegais ou imorais, como agressões, corrupção, desmatamento ilegal ou violência doméstica, e não enfrentam consequências reais por conta do foro privilegiado, muitos especialistas consideram que isso fere o princípio da moralidade administrativa. Afinal, essas autoridades estão utilizando suas posições e a legislação para escapar da justiça, o que contradiz os valores constitucionais que deveriam guiar o serviço público.

Proteção Excessiva: Como Funciona?

Em muitos casos, os políticos que deveriam ser julgados rapidamente acabam se beneficiando da lentidão dos tribunais superiores. Como o STF tem uma grande quantidade de processos e uma estrutura limitada para lidar com todos os casos, muitos desses julgamentos demoram anos, e, em alguns casos, as ações penais prescrevem. Isso cria a percepção de impunidade.

Além disso, políticos criam leis que podem beneficiá-los ou beneficiar seus patrocinadores de campanha. Durante seus mandatos, cometem infrações com a confiança de que o processo para cassar seus mandatos ou puni-los é longo e complicado. O Conselho de Ética do Congresso, que deveria fiscalizar a conduta dos parlamentares, também costuma ser um espaço de manobras políticas para evitar sanções graves, como perda de mandato.

Foro Privilegiado em Outros Países

No cenário internacional, o foro privilegiado é menos comum, e quando existe, é mais restrito. Em países como os Estados Unidos ou o Reino Unido, parlamentares e outras autoridades são julgados nas mesmas condições que os cidadãos comuns. Não há tribunais superiores especialmente destinados para julgar crimes comuns cometidos por políticos. A ideia é que ninguém está acima da lei, e a justiça deve ser aplicada de forma igual para todos.

Na França, por exemplo, embora haja algum tipo de proteção jurídica para presidentes e ministros, as investigações são conduzidas com menos privilégios, e políticos podem ser julgados por tribunais comuns. A maioria das nações democráticas modernas, portanto, adota sistemas que evitam uma proteção excessiva das suas autoridades políticas.

Movimento para Acabar com o Foro Privilegiado no Brasil

No Brasil, há movimentações para limitar ou acabar com o foro privilegiado. Em 2018, o STF decidiu restringir o foro privilegiado para deputados e senadores apenas aos crimes cometidos durante o mandato e relacionados às funções parlamentares. Isso foi um passo importante, mas ainda há quem defenda o fim total dessa prerrogativa, já que muitos crimes graves cometidos por políticos não estão diretamente ligados à função pública, mas acabam ficando sob o julgamento de tribunais superiores.

Resumindo o tal de Foro Primilegiado, numa linguagem Popular

Os políticos brasileiros, como deputados e senadores, têm um foro privilegiado, que os protege de serem julgados rapidamente, já que eles só podem ser processados pelo STF. Isso cria uma demora na justiça e faz com que muitos crimes cometidos por eles fiquem sem punição, como casos de corrupção, agressões e desmatamento. Mesmo quando são pegos com dinheiro escondido ou desrespeitando a lei, raramente perdem o cargo ou são punidos. Essa proteção vai contra a ideia de moralidade que a Constituição prevê. Em outros países, políticos são julgados como qualquer cidadão, sem tanto privilégio. Aqui no Brasil, já existem movimentos para acabar com essa proteção, mas ainda falta muito para que isso vire realidade.

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7. E o desincentivo?

Para desincentivar a prática de ilícitos, crimes e improbidades no Brasil, sejam civis, criminais ou administrativos, é fundamental criar um sistema que valorize a justiça, promova a responsabilidade e elimine a sensação de impunidade. Aqui estão algumas sugestões que poderiam contribuir para a redução dessas práticas:

1. Reforma do Sistema de Punições e Foros Privilegiados

  • Fim do foro privilegiado ou, pelo menos, uma reforma que restrinja ainda mais seu alcance. Isso garantiria que políticos e autoridades públicas sejam julgados nas mesmas condições que os cidadãos comuns, acelerando os processos e evitando manobras protelatórias.

  • Abolição da aposentadoria compulsória como punição para magistrados e outros servidores públicos que cometam crimes ou improbidades. Em vez disso, deveria ser aplicada a demissão por justa causa, com perda dos direitos de aposentadoria, quando comprovadas condutas gravemente ilícitas.

2. Fortalecimento da Fiscalização e Controle

  • Fortalecer os órgãos de controle interno e externo, como o Ministério Público, Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas, para que eles tenham mais autonomia e recursos para fiscalizar o cumprimento da lei por agentes públicos e privados.

  • Auditorias independentes e mais frequentes em áreas vulneráveis, como contratos públicos, campanhas eleitorais e licitações, para detectar desvios antes que eles causem grandes danos.

3. Celeridade e Efetividade da Justiça

  • Reduzir a morosidade dos processos, tanto cíveis quanto criminais, acelerando o julgamento de casos de corrupção, improbidade e outros crimes. Isso pode ser feito por meio de investimentos em tecnologia e gestão judiciária, além de uma reestruturação processual que elimine recursos excessivos e protelatórios.

  • Implementar penas mais severas para crimes de corrupção e improbidade, que incluam prisão real e efetiva, além de recuperação rápida e integral dos bens desviados.

4. Educação Cívica e Ética

  • Educação cívica e ética nas escolas desde o ensino fundamental, com ênfase nos valores de honestidade, responsabilidade social e legalidade. O comportamento ético deve ser estimulado desde cedo, para que as futuras gerações vejam a corrupção e os crimes como algo condenável e prejudicial à sociedade.

5. Incentivos para a Denúncia e Proteção de Denunciantes

  • Criar canais anônimos mais acessíveis para que cidadãos possam denunciar atos ilícitos sem medo de retaliações, além de oferecer proteção aos denunciantes. A Lei da Improbidade Administrativa e outras leis que incentivam a denúncia precisam ser mais amplamente conhecidas e aplicadas.

6. Transparência Radical

  • Aumentar a transparência nas ações do governo e no uso do dinheiro público. Toda a população deve ter acesso fácil a informações sobre gastos, contratações e salários de agentes públicos. Um governo transparente diminui as oportunidades para atos ilícitos e aumenta a pressão popular por accountability.

7. Mudança na Cultura de Tolerância à Corrupção

  • A sociedade precisa romper com a cultura de impunidade e de "jeitinho brasileiro" que muitas vezes relativiza pequenos delitos e corrupções cotidianas. Campanhas de conscientização podem ajudar a reforçar a ideia de que corrupção e crimes têm consequências severas, não apenas para o indivíduo, mas para a coletividade.

8. Reforma Política e Financiamento de Campanha

  • Reformar o sistema político e de financiamento de campanhas, reduzindo a influência do poder econômico nas eleições e garantindo que candidatos eleitos sejam responsáveis perante seus eleitores, e não apenas seus financiadores.

  • Acabar com brechas legais que permitem o uso de "caixa dois" e outras práticas que minam a lisura das eleições e fomentam a corrupção política.

9. Aplicação Rigorosa de Penas Alternativas para Pequenos Crimes

  • Para crimes menores ou de menor impacto, como a depredação do meio ambiente ou agressões leves, o sistema penal deve priorizar penas alternativas que tenham impacto na sociedade, como serviço comunitário, multas pesadas e reparação do dano. Isso desestimula práticas ilícitas, enquanto evita a sobrecarga do sistema penitenciário.

10. Exemplos de Cima

  • Liderança ética em todos os níveis do poder público. Quando as autoridades dão exemplo de honestidade, a sociedade tende a seguir o mesmo caminho. A tolerância zero à corrupção deve começar com as altas esferas do governo e se estender para toda a sociedade.

Conclusão

Para desincentivar os brasileiros a cometerem ilícitos, é necessário reformar o sistema de punições, tornar a justiça mais ágil e eficiente, fortalecer a educação ética e a fiscalização, e acabar com privilégios legais que criam a sensação de impunidade. Além disso, é essencial que a sociedade e o governo promovam uma mudança cultural, onde atos corruptos e criminosos não sejam tolerados nem minimizados, mas sim combatidos de forma implacável e transparente. Somente com uma abordagem integral, que envolva todos os setores da sociedade, será possível reduzir significativamente a prática de ilícitos.

Sobre o autor
Ademarcos Almeida Porto

Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP Título de Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia - OABSP. Pós-graduação em Direito Constitucional Cursos de extensão em: Direito imobiliário; Direito da Família e Sucessões; Direito do Consumido; Estatuto da Criança e do Adolescente e Direito do Trabalho. Especializando em Direito da Família e das Sucessões.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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