CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ordenamento jurídico brasileiro está se transformando pelo fenômeno da constitucionalização. Entretanto, no âmbito do Direito Penal este fenômeno encontra algumas barreiras, entre elas a dificuldade de inserção de pautas descriminalizantes no Poder Legislativo.
A resistência quanto às descriminalizações no seio da sociedade se justifica pelo aumento da criminalização em razão da ausência de atuação do Poder Público no que tange o fornecimento de condições dignas para a população, o que gera nas pessoas a noção de que o endurecimento da legislação penal seja a solução.
Apesar disso, a maximização do Direito Penal, além de não representar uma solução, mas sim causa e consequência do problema da criminalidade, representa uma ofensa aos preceitos constitucionais e garantistas.
A constitucionalização implica na humanização das legislações, no respeito aos direitos fundamentais garantidos pelo Texto Maior, de forma que aumentar o tempo máximo de pena e criar novos tipos penais, autorizando o Estado a cercear a liberdade de mais pessoas, fere, principalmente, o direito à liberdade e o princípio da ultima ratio.
O uso do Direito Penal como ferramenta solucionadora de conflitos deve ser restrito e a modernidade e a discussão sobre direitos humanos na atualidade implicam na sua contenção máxima, a fim de garantir à sociedade segurança jurídica por meio da limitação da atuação do jus puniendi do Estado.
O imaginário social identifica o agente de tipos penais como um inimigo do Estado, dos quais devem ser retirados todos os direitos, de forma a ser removida toda a sua humanidade, a qual já tem sido ignorada pelo Poder Público na organização do sistema carcerário.
A descriminalização do uso de drogas e do aborto se apresentam como as discussões mais polêmicas da atualidade. Tramitam no Legislativo, em relação a ambos os temas, propostas de leis que endurecem as penas e tipificações, o que representa um retrato do clamor social pela maximização do Direito Penal brasileiro.
Contrariando dados oficiais e internacionais que indicam que a descriminalização é a melhor opção para os problemas gerados pela “guerra as drogas” e pelos abortos clandestinos, as discussões sobre estes assuntos são sempre perpassadas pela moralidade e pela religião.
Este atravessamento deturpa a função de um ramo do Direito que deve ser utilizado em último caso e em situações de grande relevância, e nunca em casos de ofensa apenas aos bons costumes ou como mecanismo de purgar pecados bíblicos. Assim, é possível identificar que os prejuízos apontados por tais tipificações penais podem ser mitigados pela descriminalização que, muitas vezes, é indicada por órgãos oficias com base em dados estatísticos.
Desta forma, o saneamento destas questões e a constitucionalização implica, também, em descriminalizações. Porém, desafios importantes serão travados até que o Direito Penal e o sistema penitenciário brasileiro possam ser considerados constitucionais, como o debate sobre estas questões baseado na epistemologia, não na religião, moral ou sentimentos.
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